Funções típicas e atípicas dos Poderes

Funções típicas e atípicas dos Poderes

A unidade do Poder, independência e harmonia entre os Poderes e a indelegabilidade de funções.

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A Unidade do Poder

Considerando que o poder é uma unidade, uma característica do Estado, observa-se que muitos são levados a interpretar equivocadamente a expressão tripartição do poder, entendendo o conceito como se os poderes pudessem ser tomados como estanques, daí resultando sérios problemas de argumentação a respeito das atividades estatais. Bem diz o publicista José Afonso da Silva que: “Cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambos haja uma conexão necessária.” [1] A distinção se faz entre os órgãos que desempenham as funções provenientes do poder e existentes nas sociedades.

Dos comportamentos das sociedades, tem-se verificado, ao longo da História, a existência de três funções básicas: a) uma, geradora do ato geral; b) outra, geradora do ato especial e, c) uma terceira, solucionadora de conflitos. As duas funções geradoras de atos diferenciavam-se apenas quanto ao objeto. As duas primeiras encarregavam-se de gerar os atos e executá-los, sendo a terceira, destinada à solucionar os conflitos entre as pessoas e entre estas e o Estado.

Principalmente no chamado Estado Absoluto, essas funções foram identificadas em muitas sociedades. Neste, o exercício do poder concentrava-se nas mãos de uma única pessoa física que o exercia pessoalmente ou por meio de auxiliares, sempre prevalecendo a vontade do soberano. Todas as funções eram desempenhadas pela mesma pessoa de tal forma que essas funções, citadas anteriormente, eram executadas sem que fosse possível imputar responsabilidade ao soberano; este se confundia com o próprio Estado, sendo sua vontade a matriz para todas as atividades estatais.

Ao se admitir a separação dos poderes, a partir do momento em que se transmitia a uma assembleia o exercício da função legislativa, como consequência, resultava na redução do poder do soberano.

Uma forma de se proteger de qualquer abuso era a independência dos órgãos, especialmente aquele responsável pela elaboração do conjunto ordenativo, fato que afasta, em princípio, a preponderância da vontade de uma única pessoa. Com a aplicação prática desse princípio, verificou-se a transformação das monarquias absolutas em sistemas de governo mais limitados, sendo que, a partir disso, desenvolveram-se os regimes parlamentares.

Convém observar que a interpretação literal da expressão separação dos poderes, atualmente, não é motivo de discussão, já que estão praticamente bem definidos os conceitos de Poder e de Órgãos que desempenham suas funções de Poder; em outras palavras, o significado do termo separação é compreendida num contexto da moderna teoria do Estado, conforme veremos adiante.

Funções Típicas e Atípicas dos Poderes

A divisão de poderes, sob a visão do item anterior, é feita através da atribuição de cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva, jurisdicional) a órgãos específicos, que levam as denominações das respectivas funções; assim, temos o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário. É a sistematização jurídica das manifestações do Poder do Estado.

Para se estruturar a divisão de poderes, utilizam-se como fundamentação dois elementos: especialização funcional e independência orgânica; esta requer a independência manifestada pela inexistência de qualquer meio de subordinação, e aquela, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função.

Dentro dessa visão da separação das atividades estatais, já que não existe a separação absoluta entre os poderes, temos que eles legislam, administram e julgam. Mas cada um deles possui o que se chama função típica e atípica; aquela exercida com preponderância é a típica e, a função exercida secundariamente, é a atípica. A função típica de um órgão é atípica dos outros, sendo que o aspecto da tipicidade se dá com a preponderância. Por exemplo, o Poder Legislativo tem a função principal de elaborar o regramento jurídico do Estado — é sua função típica — mas também administra seus órgãos, momento em que exerce uma atividade típica do Executivo, podendo, ainda julgar seus membros, como é o caso do sistema brasileiro, assim como a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República é uma função atípica do Poder Executivo.

Independência e Harmonia entre os Poderes

A Constituição Federal de 1988, através da Comissão de Redação, manteve em seu texto a expressão independentes e harmônicos entre si, para a caracterização dos Poderes da República, já presentes em Constituições anteriores. Entende-se por esse conceito como o desdobramento constitucional do sistema das funções dos poderes, sendo que sempre haverá um mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder, e haverá, também, um número mínimo e um máximo de instrumentos que facultem o exercício harmônico desses poderes, de forma que s não existisse limites, um poderia se sobrepor ao outro, inviabilizando a desejada harmonia.

A independência entre os poderes é manifestada pelo fato de cada Poder extrair suas competências da Carta Constitucional, depreendendo-se, assim, que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não necessitam da confiança nem da anuência dos outros poderes. No exercício das próprias atribuições, os titulares não precisam consultar os outros, nem necessitam de sua autorização e que, na organização das atividades respectivas, cada um é livre, desde que sejam verificadas as disposições constitucionais e infraconstitucionais.

Já em 1891, a primeira Constituição Republicana previu, no seu art. 15, que os poderes fossem três, “harmônicos e independentes entre si”, em conformidade com os princípios de Montesquieu. As demais Constituições que se seguiram também mantiveram como fundamento a separação dos poderes com harmonia e independência.

No Estado brasileiro, a independência e harmonia podem ser observadas na Constituição Federal de 1988, sendo que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração Federal, exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; cabe às Casas Legislativas do Congresso e aos Tribunais a elaboração dos seus respectivos regimentos internos, que indicam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia; ao Presidente da República, a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos. O Poder Judiciário atualmente possui mais independência, cabendo-lhe a competência para nomeação de juízes e outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento.

Ao lado da independência e harmonia dos poderes, deve ser assinalado que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder, nem sua independência são absolutas; há interações que objetivam o estabelecimento do mecanismo de freios e contrapesos, que busca o equilíbrio necessário para a realização do bem coletivo, permitindo evitar o arbítrio dos governantes, entre eles mesmos e os governados. No pensamento do publicista Pinto Ferreira, este mecanismo merece destaque especial por corresponder ao “suporte das liberdades.” [2]

Ao Poder Legislativo cabe, como função típica, a edição de normas gerais e impessoais, estabelecendo-se um processo para sua elaboração, a qual o Executivo tem participação importante: pela iniciativa das leis ou pela sanção, ou ainda, pelo veto. Por outro lado, a iniciativa legislativa do Executivo é contrabalançada pela prerrogativa do Congresso em poder apresentar alterações ao projeto por meio de emendas e até rejeitá-lo. Por sua vez, o Presidente da República tem o poder de veto, que pode ser aplicado a projetos de iniciativa dos deputados e senadores, como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em contrapartida, o Congresso Nacional, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, tem o direito de rejeitar o veto, restando para o Presidente do Senado promulgar a lei nos casos em que o Presidente da República não o fizer no prazo previsto. [3]

Não podendo o Presidente da República interferir na atividade legislativa, para obter aprovação rápida de seus projetos, faculta-lhe a Constituição determinar prazo para sua apreciação, conforme preveem os termos dos parágrafos do art. 64 (CF). Se os Tribunais não podem interferir no Poder Legislativo, são, de outro modo, autorizados a declarar a inconstitucionalidade das leis. O Presidente da República não pode interferir na atividade jurisdicional, em compensação os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, dependente do controle do Senado Federal que deve aprovar a indicação.

São, portanto, algumas manifestações do mecanismo de freios e contrapesos, característica da harmonia entre os poderes no Estado brasileiro. Isto vem a demonstrar que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, em especial, mas também do Judiciário, poderão se desenvolver a contento, se eles se subordinarem ao princípio da harmonia, “que não significa nem o domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.” [4] É o pensamento de José Afonso da Silva. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.

Em conformidade com o princípio da separação dos poderes, no seu texto, — Conflito entre Poderes — Anna Cândida Ferraz defende a necessidade de um mínimo funcional e um mínimo de especialização de funções. “Se se quer manter a divisão tricotômica da teoria de Montesquieu, deve-se utilizá-la validamente, ao menos para o fim último por ela visado, de limitação do poder e garantia das liberdades.” [5]

Ideia para ressaltar

A independência e harmonia dos poderes, no que tange a divisão de funções entre os órgãos do poder e as suas respectivas independências, não são regras absolutas, portanto há exceções (como os parágrafos acima descrevem). No Estado brasileiro, o mecanismo de freios e contrapesos, derivado do princípio da harmonia, é uma característica da harmonia entre os poderes, que como já mencionado, busca o equilíbrio necessário para a realização do bem coletivo, permitindo evitar o arbítrio dos governantes, entre eles mesmos e os governados. Além destas afirmações, diversos doutrinadores conceituados, que estão citados no texto, complementam essa ideia.

Indelegabilidade de Funções

As delegações legislativas foram objeto da doutrina constitucional durante o século passado e o início deste, que admitia o "princípio da proibição", isto é, a tarefa legislativa não poderia ser transferida a nenhuma outra pessoa que não às do Poder Legislativo. Evidentemente, a rigidez dessa doutrina não persistiu até nossos dias; haja vista que muitos sistemas constitucionais, nos quais se enquadram o brasileiro, admitem a delegação legislativa com limites bem definidos. Temos, a propósito, na Constituição Federal de 1988, a previsão das chamadas medidas provisórias e leis delegadas.

Da própria Constituição e do modelo de Montesquieu, extrai-se que as características fundamentais do poder político são a unidade, indivisibilidade e indelegabilidade, não obstante, alguns constitucionalistas admitem a impropriedade de admitir os conceitos de divisão e delegação de poderes.

A maior dificuldade apresentada pelo tema da "indelegabilidade de funções" é o de delimitar o campo de atuação de cada poder, assim como os pontos de contato e de comunicação entre as três funções atinentes a cada poder. A regra constitucional prevê a indelegabilidade de atribuições, mas o sistema de freios e contrapesos, utilizado na nossa Constituição, faculta ao Governo as situações em que esse princípio pode ser delineado, ora de forma direta, ora indireta.

Ao lado da indelegabilidade de atribuições, a Constituição também veda a investidura em funções de Poderes distintos; quem for investido na função de um dos poderes, não poderá exercer a de outro, conforme preceitua o art. 56 da Constituição que autoriza, sem perda de mandato, deputados e senadores a investidura no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária. Sendo expressa essa autorização, conclui-se que o exercício de funções em poderes distintos não é permitido pela Carta. Essa proibição tem por objetivo resguardar a garantia do desempenho livre das atividades de governo, assim impedindo que um senador possa integrar um Tribunal como o Supremo Tribunal Federal, órgão detentor da competência para julgar os próprios senadores. É indiscutível que essa prática seria de grande prejuízo para a própria estabilidade do sistema político e jurídico do Estado.

De acordo José Afonso da Silva “As exceções mais marcantes, contudo, se acham na possibilidade de adoção pelo Presidente da República de medidas provisórias (...) e na autorização de delegação de atribuições legislativas ao Presidente da República.” [6]

Vários juristas brasileiros, já neste século, migraram de suas posições na defesa da rigidez do princípio da proibição da delegação legislativa para uma aceitação com definição clara de limites. Alinha-se a esse pensamento o próprio Rui Barbosa que sempre fora contrário à delegabilidade legislativa. Favorável também a esta limitação esteve o então deputado Barbosa Lima Sobrinho, durante a Assembleia Constituinte (1945/1946) na emenda ao projeto de Constituição, no sentido de detalhar com clareza a delegabilidade legislativa. Segundo Pinto Ferreira [7], era a preocupação, quase unânime, que a delegabilidade se constituía em perigo potencial para as instituições democráticas latino-americanas mescladas com traços de caudilhismo.

Notas

[1] DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 22° Edição, editora Malheiros, 2002.

[2] FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional, p. 97.

[3] ___________. Constituição Federal de 1988 art. 66 e §§.

[4] DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional Positivo, 22° Edição, editora Malheiros, 2002.

[5] FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes, p. 17.

[6] DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 22° Edição, editora Malheiros, 2002.

[7] FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional, p. 101.

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