Eleições: quantos votos são necessários para eleger um candidato?
Muitos ainda acreditam no mito de que se houver mais de 50% dos votos nulos ou brancos, o certame poderá ser anulada, convocando-se novas eleições. A reportagem busca demonstrar a inveracidade do mito e como funciona o sistema majoritário e proporcional.
INTRODUÇÂO
Às vésperas das eleições de outubro de 2006, quando os eleitores deverão escolher cinco representantes para compor o Executivo e o Legislativo (Presidente da República, Governador, Senador da República, Deputado Federal e Deputado Estadual), muitas pessoas ainda acreditam no mito de que se houver mais de 50% dos votos nulos ou brancos, o certame poderá ser anulado, convocando-se novas eleições.
Para acabar com essa discussão, buscaremos demonstrar quantos votos são necessários para eleger um candidato e os respectivos sistemas.
Para os cargos do Executivo e para a escolha de senadores utiliza-se o chamado sistema majoritário; já para a eleição de deputados (federais e estaduais) e vereadores, o sistema é o proporcional.
REPARTIÇÃO DOS PODERES
Considerando o poder uma unidade, uma característica do Estado, observa-se que muitos são levados a interpretar equivocadamente a expressão tripartição do poder, entendendo o conceito como se os poderes pudessem ser tomados como estanques, daí resultando sérios problemas de argumentação a respeito das atividades estatais. Bem diz o publicista José Afonso da Silva que: “Cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambos haja uma conexão necessária”. A distinção se faz entre os órgãos que desempenham as funções provenientes do poder e existentes nas sociedades.
A divisão dos Poderes, na acepção mais moderna do termo, tem por objetivo distinguir as funções típicas do Estado (legislativa, executiva e jurisdicional), determinando os órgãos específicos pelo qual são exercidas.
Assim, em breve relato, podemos dizer que a função precípua do Poder Executivo é a de executar as leis e administrar o Estado. Já o Poder Legislativo cuida da elaboração das leis e da fiscalização contábil e política do Poder Executivo. Por sua vez, o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto nos casos de conflito.
É importante ressaltar que os Poderes exercem um mútuo controle, uma vez que a Constituição Federal de 1988 os prevê como Poderes independentes e harmônicos entre si, havendo sempre um mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder (limites) de forma a inviabilizar que um se sobreponha ao outro.
SISTEMA MAJORITÁRIO
Para os cargos de chefia do Poder Executivo - Presidente da República, Governador e Prefeito – e de Senador da República, as eleições correm pelo sistema majoritário, ou seja, é eleito o candidato que obtiver a maior votação.
Para os cargos de Presidente da República, Governador e Prefeito de Municípios com mais de 200 mil eleitores é eleito aquele que obtém a maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, a maioria dos votos descontados os votos em branco e os votos nulos. Considera-se obtida a maioria absoluta o candidato que tiver mais votos que a soma dos demais candidatos. Caso ninguém alcance tal índice em primeiro turno, há um segundo, aonde disputam os dois candidatos mais votados na primeira etapa. Caso um deles morra ou desista da competição antes de celebrado o segundo turno, é chamado para concorrer o terceiro candidato mais votado.
Para ilustrar, vamos considerar uma eleição fictícia, aonde:
- Candidato A obtém 45% dos votos; - Candidato B obtém 25% dos votos; - Candidato C obtém 10 % dos votos; - Candidato D obtém 5% dos votos; - 10% dos votos são nulos; - 5% dos votos são brancos.
Nessas condições, o Candidato A seria eleito em primeiro turno, pois obteve a maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, conseguiu mais votos que todos os demais candidatos juntos.
Num outro exemplo:
- Candidato A obtém 35% dos votos; - Candidato B obtém 25% dos votos; - Candidato C obtém 10 % dos votos; - Candidato D obtém 5% dos votos; - 15% dos votos são nulos; - 10% dos votos são brancos.
Nesse exemplo, haveria segundo turno, pois o primeiro colocado não haveria conseguido a maioria absoluta dos votos válidos.
Por meio dos exemplos acima é possível verificar que não importa a porcentagem dos votos nulos ou em branco para a aferição do candidato eleito, uma vez que tais votos são excluídos da contagem.
Para os cargos de Prefeito de Município com menos de 200 mil eleitores, é eleito o candidato mais votado, ou seja, aquele que obtém a maioria simples dos votos válidos, havendo apenas um turno de votação.
Assim, último exemplo dado acima, em uma cidade com menos de 200 mil habitantes, seria eleito o Candidato A, ainda que não tivesse obtido mais votos que os demais candidatos, pois obteve a maioria simples dos votos válidos.
Nas eleições para Senador da República, também se adota o sistema majoritário simples, elegendo-se o candidato que obtiver mais votos que os demais, independentemente do número de votos que o partido obteve.
Importante ressaltar que o Senado Federal é composto por três representantes de cada Estados e do Distrito Federal (26 Estados + 1 DF x 3 = total de 81 senadores), com mandatos de 8 anos, sendo a renovação realizada de forma alternada, de quatro em quatro anos, na proporção de um e dois terços (Art. 46, Constituição Federal).
Nas eleições de outubro de 2006, será a vez da renovação de um terço dos senadores, de forma que cada Estado e o DF elegerá apenas um candidato (o mais votado).
SISTEMA PROPORCIONAL
Para os cargos de Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador, as eleições seguem o sistema proporcional (art. 45, Constituição Federal).
Antigamente, esse sistema era chamado de “colorido partidário”, porque pelo sistema proporcional, inicialmente, vale mais a votação que o partido ou a coligação obteve que a votação do candidato individualmente (arts. 105 a 113, Código Eleitoral – Lei 4.737/65).
Pelo sistema proporcional, em primeiro lugar, descobre-se qual o número de votos válidos. Depois, divide-se esse número (votos válidos) pelo número de cadeiras existentes. O produto dessa divisão chama-se “quociente eleitoral” e indica quantos votos são necessários para o preenchimento de um cargo. Após, verifica-se quantos votos o partido obteve, dividindo-se o número de votos obtidos pelo quociente. Dessa divisão resulta o número de cadeiras que o partido terá direito no parlamento (Câmara dos Deputados, Assembléia ou Câmara Legislativa, Câmara de Vereadores).
O partido que não conseguir o quociente eleitoral não terá direito a nenhuma cadeira.
Para melhor compreensão, vamos ilustrar a situação com um exemplo. O Município X:
- Votos válidos: 10.000 - Número de cadeiras de vereadores: 10 - Quociente eleitoral: 1.000 (10.000 : 10) - Partido A: 5.500 votos - Partido B: 3.800 votos - Partido C: 700 votos
O Partido A deverá preencher 5 cadeiras (5.500 : 1.000); o Partido B terá 3 cadeiras (3.800 : 1.000); o Partido C não terá direito a nenhuma cadeira, pois não atingiu o quociente eleitoral. Por enquanto, foram preenchidas apenas 8 cadeiras. As 2 cadeiras restantes serão preenchidas de acordo com a “Técnica da melhor média” explicada abaixo.
Havendo sobras de cadeiras (devido ao número não “cheio” obtido pelo partido), devendo-se aplica a “Técnica da melhor média” para se atribuir as cadeiras restantes entre os partidos. Para isso, deve-se considerar os votos que o partido conseguiu e dividir pelo número de cadeiras já obtidas mais 1. O partido que obtiver a melhor média leva mais uma cadeira. Essa operação deve ser efetuada até que todas as cadeiras sejam preenchidas.
Considerando o exemplo acima, teremos:
- Partido A: 5.500 votos : 5 (cadeiras já obtidas) + 1 = (5.500 : 6) = 916 - Partido B: 3.800 votos : 3 (cadeiras já obtidas) + 1 = (3.800 : 4) = 950
O Partido B obteve a melhor média, assim, ganha mais uma cadeira, passando a ter 4. Ocorre que ainda falta uma cadeira a ser preenchida. Dessa forma, repete-se a operação:
- Partido A: 5.500 votos : 5 (cadeiras já obtidas) + 1 = (5.500 : 6) = 916 - Partido B: 3.800 votos : 4 (cadeiras já obtidas) + 1 = (3.800 : 5) = 760
Dessa vez, foi o Partido A que obteve a melhor média, passando a ganhar mais uma cadeira, totalizando 6 cadeiras.
Achado o número de cadeiras a que o partido tem direito, essas são distribuídas entre os candidatos mais votados do partido até completar o número.
Agora, sim, o número de votos obtidos por cada candidato passa a ter relevância. No exemplo acima, os seis candidatos mais votados do Partido A ocuparão uma cadeira cada e os quatro mais votados pelo Partido B ocuparão as restantes.
Importante ressalvar o número de cadeiras existentes em cada casa parlamentar.
Na Câmara dos Deputados, atualmente, são 513 cadeiras, sendo que o número total de Deputados Federais é proporcional à população de cada Estado e do Distrito Federal, de forma que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados (art. 45, Constituição Federal). Dessa forma, os Estados menos populosos como Amapá, Roraima têm oito cadeiras; já o Estado de São Paulo, o mais populoso do País, tem o máximo, ou seja, 70 cadeiras.
Para definir o número de Deputados Estaduais, nas Assembléias Legislativas, leva-se em conta a bancada de deputados federais de cada Estado. Nos Estados com até 12 deputados federais, o cálculo é simples: basta multiplicar o número de deputados federais por três para se chegar ao número de vagas à Assembléia Legislativa. Porém, se a bancada federal for superior a 12 deputados, o cálculo será feito em duas etapas. Os 12 primeiros são multiplicados por três, chegando-se ao número de 36, adicionando-se a estes o número de deputados federais que excedam a 12, ou, simplesmente, basta somar 24 ao número de deputados federais (art. 27, Constituição Federal). Exemplificando:
- Estado de Roraima: 8 deputados federais (menos de 12). Basta multiplicar por 3 = 24 deputados estaduais. - Estado de São Paulo: 70 deputados federais (mais de 12). Basta multiplicar somar 24 = 94 deputados estaduais.
Para o estabelecimento do número de vereadores, a Constituição Federal estabelece um critério de proporcionalidade com o número de habitantes dos municípios (art. 29, IV):
- município com até um milhão de habitantes, o mínimo será de 9 e o máximo de 21 vereadores; - município com entre um e cinco milhões de habitantes, o número de vereadores varia de 33 a 41; - município com mais de cinco milhões de habitantes o número de vereadores será no mínimo de 42 e no máximo de 55.
VOTOS NULOS E BRANCOS: UM MITO A SER EXPLICADO
Dispõe o art. 224, do Código Eleitoral: “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.
Diante do referido dispositivo, por meio de uma interpretação equivocada pelos leigos, criou-se um mito de que se mais de 50% dos eleitores votassem “nulo”, a eleição seria anulada e no certame seria convocado.
No entanto, a expressão “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos..” não foi empregada pela lei no sentido de “mais de 50% de votos nulos”, mas no sentido de nulidade no processo eleitoral que contamine mais de 50% dos votos. A nulidade refere-se a votos comprados, votos realizados por quem não podia votar, votos efetuados em horário que não o estabelecido pela Justiça Eleitoral, etc (votos ilegais).
Como já visto acima, os votos nulos e em branco não entram no cômputo dos votos necessários para eleger um candidato. Dessa forma, se todos os votos forem legais, não importa se houver mais de 50% de votos nulos (ou em branco), que a eleição terá sido legítima e legal, não podendo falar-se em nova eleição.
Nesse sentido, já se pronunciou o Ministro Marco Aurélio Mello, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral[1]
"A Carta [Constituição Federal] manda que o eleito para presidente tenha pelo menos 50% mais um dos votos válidos. Estão excluídos desse cálculo os brancos e os nulos. Mas se, por hipótese, 60% dos votos forem brancos ou nulos, o que não acredito que vá acontecer, os 40% de votos dados aos candidatos serão os válidos. Basta a um dos candidatos obter 20% mais um desses votos para estar eleito".
Vê-se que quem vota nulo ou em branco acaba desperdiçando seu voto, pois em nada irá influenciar o resultado das eleições.
CONCLUSÃO
A descrença na política já vem de longa data, mas diante dos últimos acontecimentos (mensalão, sanguessugas, vampiros, compra de dossiês, etc.), a falta de fé cresceu ainda mais. Às vésperas das eleições de outubro de 2006, milhões de brasileiros estão se perguntando: “em quem votar”, “votar pra quê”?
Diante de tanta indignação, a crença errônea de que “se mais de 50% dos eleitores votassem nulo, a eleição seria anulada e no certame seria convocado” fez com que muitos brasileiros pensassem em anular seu voto como sinal de protesto contra tanta sujeira política.
Ocorre que essa crença não passa de uma “ilusão” e, caso fosse posta em prática, apenas ajudaria a se confirmar o apurado nas pesquisas eleitorais de intenção de voto.
Por mais que pareça impossível escolher um bom candidato, a alternativa é a de escolher o “menos ruim”, avaliando seu comportamento pessoal, suas atitudes políticas (até o momento, pois não há como saber o que farão quando assumirem o poder), sua formação intelectual etc.
É difícil de acreditar que a tão sonhada democracia, obtida a duras penas em nosso País, tenha se tornado uma democracia tão não-democrática, que os ocupantes do Poder pensam mais em si mesmos do que naqueles que os elegerão e os escolheram para representá-los.
Quem será que está com a razão? Montesquieu quando afirma, em seu livro O Espírito das Leis, que “O poder corrompe o homem” ou Ulisses Guimarães quando afirmou, em um discurso nas “Diretas Já”, que "O poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. O homem é o grande poluidor, da natureza, do próprio homem, do poder".
Bem, não importa de quem seja a razão, já que os dois grandes nomes da história concordam em um ponto (para nossa desilusão)....“o poder sempre será corrompido”...
[1] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u82610.shtml - 06/09/2006