Da legislação protetiva da criança e do adolescente
Apresenta-se um breve histórico sobre a evolução do direito da criança e do adolescente no ordenamento jurídico brasileiro.
1.1 O Código criminal do império e código penal republicano
A legislação adotada no Brasil era a portuguesa, contudo durante período imperial a preocupação era em especial com a situação do menor, passando portanto a existir na legislação brasileira, mas nem sempre foi considerado o limite de 18 (dezoito) anos para inimputabilidade.
Em 1830 surgiu o Código Criminal do Império que optou o critério psicológico, ou teoria do discernimento, com a finalidade de determinar imputabilidade penal. Segundo o qual, verificava se que era ele capaz de entender o ato ilícito, de determinar-se de acordo com o entendimento do que estava cometendo. Declarando em seu artigo 10, inciso I, que não era criminoso o menor de 14 (quatorze) anos.
Contudo, o artigo 13 determinava que esse menor poderia ser encaminhado a Casa de Correção, por tempo a ser determinado ilimitada pelo juiz, porém, que não poderia aplicar um tempo de internação que ultrapassasse a idade de 17 (dezessete) anos, caso o menor tivesse agido com sensatez e demonstrasse a capacidade de entendimento do ato infracional. Aos maiores de 14 (quatorze) e menores de 17 (dezessete) anos era dispensado “tratamento peculiar”, pois se ao julgador entendesse correto, poderiam cumprir uma pena de até 2/3 (dois terços) daquela que coubesse ao adulto.
E, por fim, os maiores de 17 (dezessete) e menores de 21 (vinte e um) anos contavam sempre com o benefício da atenuante da menoridade. Ainda no Código Penal Republicano, a responsabilidade de aplicar 2/3 (dois terços) da pena que coubesse ao adulto, perdeu esse caráter e passou a ser obrigatória.
A atenuante da menoridade ficou mantida. Os Códigos Criminal do Império e o Penal da República adotaram a teoria do “discernimento” que foi alvo de muitas críticas, pois eram poucas as Casas de Correção e Instituições Disciplinares Industriais, podendo se dizer assim que só existiam no papel, que no final era o encaminhamento desses menores às prisões comuns junto aos adultos, um ambiente abominável.
As medidas aplicadas aos menores eram opressor, pois a mesma fixadas aos adultos quando cometiam ato criminoso, talvez de serem simples medidas educativas. Assim pensavam os profissionais da época que almejavam com urgência uma alteração do regime que era aplicado nestes estabelecimentos, conforme leciona Veronese (1999, p. 21):
Os intelectuais da época, impulsionados pelos ideais progressistas e nacionalistas, concluíram que assistir uma criança não significava somente dar-lhe casa e comida. Fazia-se necessário que as instituições formassem o indivíduo na moral, nos bons costumes, educação elementar e que lhe fornecessem ainda uma capacitação profissional, a qual mais tarde lhe permitiria o seu próprio sustento.
Os sábios daquela época lutava pela formação de estabelecimentos profissionais, pois eram considerados as Casas de Correção e os Estabelecimentos Disciplinares Industriais abrigos de menores abandonados, e deviam ser repudiados porque os menores não demonstravam qualquer evolução ali. Com isso, dali em diante, as ciências como a medicina, o direito, a psiquiatria, dentre outras, cooperaram para a constituição de um novo pensamento de assistência ao menor criminoso.
1.2 O Código de menores – O código de Mello Mattos
Dr. José Cândido Albuquerque Mello Mattos, jurista que criou o primeiro Código de Menores da América Latina, conhecido também como o Código de Mello Mattos, criando também vários estabelecimentos de assistência e proteção à criança abandonada e ao delinquente.
O projeto de sua criação foi organizado e apresentado em 1921, sendo aprovado somente em 1927, se tornando o Código de Menores (Decreto n. 17.943), que trazia a visão moderna de pátrio poder, passando assim a regular o poder do pai sobre o filho, podendo inclusive, haver intervenção Estatal.
Com esse novo código valeu como abertura do tratamento específico à criança adequada à época, onde a preocupação era com seu estado físico, moral, mental, psicológico dentro da situação social e econômica que passava o país, não era somente com a punição da criança e do adolescente infrator.
No Artigo 1º do Código de Menores (BRASIL, 1927) estabelecia que:
Artigo 1º. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código.
A prioridade passou a ser a regeneração e educação, buscando a proteção e assistência, abandonando, assim, o caráter repressivo e punitivo.
No entanto, mesmo existindo normas bem elaboradas com ideais organizadas, não existia estabelecimentos com condições apropriadas para atender a espécie normativa e havia ainda questões políticas, sociais e econômicas da época impediam essa busca pela proteção da criança.
Veronese (1999, p. 28-29) destaca que dentre os mais importantes objetivos do Código de Menores, encontravam-se os seguintes:
- [...] instituição de um juízo privativo de menores; - elevação da idade da irresponsabilidade penal do menor para 14 anos; - instituição do processo especial para os menores infratores de idade entre 14 e 18 anos; - extensão da competência do juiz de menores em questões que envolvessem menores abandonados ou anormais, bem como sua intervenção para suspender, inibir ou restringir o pátrio – poder, com imposição de normas e condições aos pais e tutores; - regulamentação do trabalho dos menores, imitando a idade de 12 anos como a mínima para iniciação ao trabalho, como também proibiu o trabalho noturno aos menores de 18 anos; - criação de um esboço da Polícia Especial de Menores dentro da competência dos comissários de vigilância; - proposta de criação de um corpo de assistentes sociais que seriam designados delegados de assistência e proteção, com possibilidades de participação popular como comissários voluntários ou como membros do conselho de Assistência e Proteção aos Menores; - estruturou racionalmente os internados dos juizados de menores.
Os menores eram divididos em 2 categorias: os menores abandonados e os delinquentes, estes últimos com idade superior a 14 (quatorze) anos e inferior a 18 (dezoito) anos.
Em relação aos menores abandonados, poderia ser aplicadas, por decisão do juiz, medidas de caráter não punitivo como as medidas de guarda e responsabilidade, onde os menores eram entregues a uma família que lhe dariam assistência, a guarda mediante soldada, a tutela, a perda, suspensão e a delegação do pátrio poder, a destituição da tutela, a adoção e a internação, constantes no Artigo 55 do Código de Menores (BRASIL, 1927):
[...] a) entregá-lo a pessoa idônea, ou interná-lo em hospital, asilo, instituto de educação, oficina, escola de preservação ou de reforma; b) ordenar as medidas de conveniência aos que necessitarem de tratamento especial, por sofrerem de qualquer doença física ou mental; c) decretar a suspensão ou a perda do pátrio poder ou a destituição da tutela; d) regular, de maneira diferente das estabelecidas nos dispositivos deste Artigo, a situação do menor, se houver para isso motivo grave e for do interesse do menor.
Percebe-se que a medida de internação era cumprida em orfanatos, asilos, hospitais, patronatos e educandários, considerando o caráter protetivo deste Código.
Já aos menores delinquentes, poderia ser aplicado por decisão do Juiz medidas de natureza estritamente punitivas. Sendo que, os menores de 14 (quatorze) anos não eram submetidos a qualquer processo, já os maiores de 14 (quatorze) e menores de 18 (dezoito) anos, não eram submetidos a processo penal, mas a um processo especial.
A Teoria do discernimento foi excluída, com isso a medida de internação era obrigatória por todo o tempo necessário à sua educação entre 3 (três) e 7 (sete) anos, e os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos se fossem autores de crime grave ou pessoas perigosas, o juiz era permitido remetê-los ao estabelecimento para condenados de menoridade e, na falta deste, à prisão comum, separados dos adultos.
Contudo, não se pode negar a importância do Código de Menores de 1927, haja vista ser um dos primeiros diplomas normativos na busca por proteger os menores infratores, mesmo que sem êxito, de maneira que os esforços de Mello Mattos em criar medidas visando à retirada do menor da corrupção moral e social buscando alternativas para reeducar e oferecer melhores condições de vida às crianças e adolescentes delinquentes e abandonados, não deixavam de ter uma visão de castigar o menor, ou a retribuição pelo mal que causou à sociedade através do ato delituoso por vários fatores.
Alguns desses fatores, entre os mais importantes, foram a falta de recursos para manter os institutos e fatores políticos da época. Porém trouxe várias medidas importantes a serem aplicadas na correção do ato infracional.
1.3 O Código de menores de 1979
Foi revogado pela Lei n. 6.697 em 1979, o Código de Menores de Mello Mattos de 1927. Surgindo o Novo Código de Menores com intenções mais voltadas à vida do menor, tratando-o como ciência completamente independente, desvinculado da ideia do Direito Penal do Menor.
Veronese (1999, p. 35), diz que se tinha como “situação irregular” a do “menor de 18 (dezoito) anos de idade que se encontrava abandonado materialmente, vítima de maus tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e ainda o autor de infração penal”.
No Código de Menores de (BRASIL,1979) em seu artigo 2º traz a definição legal de “situação irregular”:
Artigo 2º. Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular, o menor: I – privado de condições essenciais à sua saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus – tratos ou castigos imoderados, impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inaptidão familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal. Parágrafo Único. Entende-se por responsável àquele que, não sendo pau ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente de ato judicial.
Observa-se que o Artigo 2º do Código de Menores de 1979 alcança aqueles jovens que eram excluídos do Artigo 27, do Código Penal. Os menores de 18 (dezoito) anos que cometiam delitos e eram internados, mesmo atingindo a maioridade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade, continuavam sob a medida de internação se eles apresentassem índices de periculosidade, onde permaneciam sob o cargo do Juízo de Menores, assim trazia o Artigo 1º, Inciso II, do Código de Menores de 1979.
Quando o menor completasse 21 (vinte e um) anos de idade, seria transferido à jurisdição do Juízo de Execução Penal permanecendo os motivos que o levaram à internação, conforme fixação do Artigo 41, Parágrafo 3º, do Código de Menores.
As previsões de medidas foram fixadas pelo Artigo 14, do Código de Menores de 1979, as quais eram aplicadas aos menores infratores.
Por fim, o Código de Menores de 1979 em resposta à prática do ato infracional praticado pelo menor, oferecia estas medidas acima citadas, tratando-o de forma como se tivesse adquirido uma patologia social, um desvio de conduta, uma doença jurídica, e tinham como principais objetivos: dar assistência, integrar socialmente o menor, curá-lo, socializá-lo.
1.4 Constituição Federal de 1988: proteção da criança e do adolescente
A Constituição Federal de 1988 colocou a família como primeiro responsável pela garantia de vários direitos dispostos no Artigo 227, tratando desta como base da sociedade, pois é na família que há um maior reconhecimento das necessidades morais, físicas, psicológicas, sociais da criança e do adolescente, porque o grau de proximidade permite esse relacionamento.
Todavia, a Constituição também delega tal responsabilidade à sociedade e ao Estado, como dispõe o Artigo 226, pois a consequência de possíveis males causados por desvios de conduta e eventuais desajustes psicológicos nos menores é totalmente reflexa na própria sociedade em que estão inseridos, e assim, tem o Estado e a sociedade o dever de cuidar para que estes indivíduos não se tornem marginalizados.
A Constituição Federal (BRASIL,1988) em seu capítulo VII foi consagrado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, tal Capítulo pertencia ao Título VII que tratava da chamada Ordem Social, dispondo da seguinte forma em seu Artigo 227:
Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Através deste artigo, a Constituição consagra o Princípio da Proteção Integral que coloca a criança como prioridade absoluta, estendendo o dever de protegê-las, à família, ao Estado e à sociedade. No artigo 228 da Constituição Federal (BRASIL,1988) ficou ainda estabelecido, que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, havendo assim inimputabilidade.
Porém, a normatização e particularização desses direitos fundados constitucionalmente adveio através do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual surgiu com a complicada e nobre tarefa de viabilizar os já citados direitos, teve seu espaço criado.
1.5 O Estatuto da criança e do adolescente – lei n. 8.069/90 (ECA)
No final da década de 1980 as mudanças em que o Brasil se encontrava, buscando novos direitos e garantias para os cidadãos, viu se a necessidade de adaptar o antigo Código de Menores às novas condições sociais, onde foi necessário ir além de uma simples modificação, e sim de um novo ordenamento que suprisse as necessidades impostas pela Carta Magna de 1988.
Um momento marcante na proteção dos direitos da criança e dos adolescentes brasileiros foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto veio conectar os direitos dos menores com a Doutrina da Proteção Integral, tratando legalmente a matéria sobre a problematização dos menores de uma maneira mais atual e voltada às situações práticas, diferente do que pregava o antigo Código de Menores, que tinha como doutrina aderida a do menor em Situação Irregular.
O novo Estatuto veio rompendo com os antigos procedimentos de medidas para o tratamento das infrações, tratando-as de forma diferente, voltando-se a nomenclaturas como criança e adolescente, afastando-se do antigo termo “menor”, que conceituava os pequenos que se encontravam em situação irregular.
Considerou todos aqueles com menos de 12 (doze) anos como crianças e aqueles com idade entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos adolescentes, com previsão legal em seu art. 2º, estendendo a estes direitos e obrigações na órbita jurídica, fundando o início da responsabilidade penal aos 18 (dezoito) anos de idade.
Foi alterado a forma de correção ao ato infracional, que se concretiza através da aplicação de medidas socioeducativas, formas específicas de proteção que não possuem caráter punitivo.
Essas medidas se encontram previstas no art. 101 do ECA, e são aplicadas quando houver ameaça dos direitos da criança e do adolescente por parte da sociedade, por culpa dos pais ou responsável ou em razão do ato infracional praticado pelo próprio menor, como consta no art. 98 do Estatuto.
Os atos praticados pelo menor, tanto no aspecto material quanto no processual, é solucionado sob as leis do SINASE e de nº. 8.069/90. O menor não pratica crime, mas ato infracional, com base no Estatuto, pois para tal as características mentais, físicas, sociais e psicológicas, o diferem de uma pessoa adulta, assim sendo, seus atos devem ser apurados de maneira diferenciada, assim como as medidas devem ser aplicadas como forma de correção ao ato praticado, de maneira especial.
Com isso, o Estatuto trouxe formidável evolução das garantias dos menores infratores, inclusive do devido processo legal na apuração do ato.
Normatizou também a atuação do Poder Judiciário, devendo tanto o Conselho Tutelar quanto o Ministério Público fiscalizar e promover os direitos da criança e do adolescente.
Porém, o novo Estatuto preocupou-se somente com o pós-delito e não com as fontes reais da problemática do menor, que muitas vezes iniciam-se antes de serem consideradas crianças, dentro de seus próprios lares ou estabelecimentos educacionais.
Mazzuoli (2001, p. 127) nos ensinou, nesta abordagem, em suas conclusões sobre Direitos Humanos que:
[...] preparo para o exercício da cidadania é papel fundamental da educação. A efetiva proteção dos direitos humanos demanda, por isso, um processo educacional sério, que desperte nas gerações presentes e futuras a consciência de participação na sociedade e crie um mínimo sendo político nos indivíduos que a compõem.
Portanto, a defesa, a garantia e proteção dos direitos da criança e do adolescente, apesar de serem estendidos a todas as fases do desenvolvimento destes, precisam de maior enfatização na fase educacional, ou seja, no início da formação da personalidade da criança, na formação de seus principais valores morais, sociais, psicológicos, tal formação devia ser acompanhada de uma forma mais direta, como exemplo, através de planejamentos sociais que busquem a solução específica deste problema.
REFERÊNCIAS
AQUOTTI, Natalie Pereira. 14 Anos de ECA: A Criança e o Adolescente Infrator na Sociedade Atual. Disponivel em: Acesso em 12 Nov 2017.
CHAVEZ, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2 ed. São Paulo: LTr, 1997.
DALLARI, Dalmo. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
MAIOR NETO, Olympio de Sá Sotto, In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 378.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999.