Os efeitos da coisa julgada na demanda coletiva

Os efeitos da coisa julgada na demanda coletiva

Abordagem acerca do instituto processual da coisa julgada, notadamente sobre os efeitos em demandas coletivas.

Inicialmente, a coisa julgada assim entendida em seu sentido lato, significava a imutabilidade da decisão final do processo, seja sentença ou acórdão, da qual não mais cabia recurso.

A melhor definição trazida pela doutrina é de Liebman, o qual afirmava que a coisa julgada é uma qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis.[1]

 Nos termos da redação do revogado Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 469, caput: Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Referida definição é a mesma contida na lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto-Lei 4657 de 1942, ementa com redação determinada pela Lei. 12.376/10.

Com base no artigo acima pode-se notar que a lei menciona coisa julgada material. Falando primeiramente da coisa julgada formal, pode-se defini-la como aquela ocorrida em qualquer tipo de processo, seja de conhecimento, execução ou cautelar no instante em que este alcança o trânsito em julgado, não havendo mais recursos cabíveis para sua modificação.

A coisa julgada material por sua vez, é aquela na qual a decisão final torna-se imutável para além dos limites processuais, produzindo efeitos extraprocessuais, o que pressupõe uma sentença proferida mediante cognição exauriente, conforme leciona Assumpção Neves.[2]

Significa dizer que após a decisão final a matéria posta em discussão em juízo não poderá ser reaberta, e como exemplo, podemos imaginar uma reparação de danos materiais decorrentes de acidente de trânsito, cuja analise estará coberta pelo manto da coisa julgada, cabendo ao vencedor da demanda apenas proceder à liquidação do quantum devido.

Essa mesma matéria, contendo as mesmas partes e o mesmo pedido não poderão jamais serem rediscutidas, sob pena de violação à segurança jurídica, cuja previsão encontra-se entre os direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal.

Cabe nos observar ainda, as lições de Mazzilli, para quem a coisa julgada não é efeito da sentença; não decorre do conteúdo da decisão; não significa eficácia objetiva ou subjetiva da sentença: é apenas a imutabilidade dos efeitos da sentença, adquirida com o trânsito em julgado.

Fazendo-se uma observação quanto ao atual código de Processo Civil, nota-se que em seu artigo 502, o termo “sentença” previsto no artigo com idêntica redação no diploma de 1973, foi substituída por decisão, o que deve ser elogiado pelo fato de sempre haverem existido decisões diversas da sentença aptas a produzir coisa julgada material, como as decisões monocráticas dos tribunais.

Sobre a coisa julgada não se pode deixar de constatar que somente geram efeitos inter partes, ou seja, somente produz efeitos entre os sujeitos atuantes no processo, autor e réu e eventuais terceiros intervenientes ou litisconsortes.

O fenômeno passa por uma enorme mutação quando se está diante da esfera dos direitos ou interesses difusos e coletivos, onde a coisa julgada muda de acordo com a natureza do interesse, nos moldes do art. 103, CDC.

Nos difusos, a sentença de procedência sempre terá eficácia erga omnes (MAZZILLI, 2007, p. 537), enquanto que a improcedência pode ser resultado de falta de provas ou outro motivo, sem e com eficácia erga omnes respectivamente.

Diferente dos difusos, os interesses coletivos contam com eficácia ultra partes na hipótese de procedência, mas limitada ao grupo, classe ou categoria envolvida. Havendo improcedência, será sem eficácia ultra partes por falta de provas, ou com eficácia quando por outro motivo for a sentença.

Quanto aos interesses individuais homogêneos, a peculiaridade da sentença diz respeito ao efeito erga omnes se for procedente e beneficiar as vítimas e sucessores, enquanto as sentenças de improcedência não têm eficácia erga omnes em nenhuma hipótese.

Considerando o exposto acima, a doutrina denomina secundum eventum litis, isto é, segundo o resultado da demanda, sobre o qual deve ser aferida a imutabilidade da coisa julgada conforme comentado acima, tendo por base o disposto no art. 104, CDC. 

Com base nisso, sendo procedente a demanda, beneficia todos os lesados que previamente tenham a ação individual suspensa no prazo de 30 dias a contar da ciência do ajuizamento da ação coletiva. Ou seja, os efeitos da coisa julgada somente alcançarão aqueles que se habilitarem na forma prevista no citado art. 104, CDC.

Ressalta-se que a regra disposta no art. 103, CDC, é bastante didática ao dispor do efeito da coisa julgada segundo o interesse coletivo (em sentido amplo) discutido na demanda, bem como do interessado titular da ação, pois supera e resolve o problema do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, que confunde quanto trata dos efeitos erga omnes pois em seguida menciona que deve obedecer aos limites da competência territorial.

Todavia, a fim de dar melhor interpretação ao tema, é preciso analisar o objeto da ação e o fundamento da decisão (MAZZILLI, 2007) na aferição dos efeitos da coisa julgada, tendo por parâmetro a aplicação subsidiária do CDC nas ações coletivas.

Referências

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 20. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Brasília, DF: 1965.

_________. Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Brasília, DF: 1985.

________ Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: 1990. 

_________ Lei n° 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Brasília, DF: 2009.

_________ Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: 2015. 

[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. São Paulo: Editora Jus Podivm, 2017.

[2] Obra citada. 

Sobre o(a) autor(a)
Rodrigo Nazario Geronimo Pinto
Advogado cível e trabalhista, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UEL - Universidade Estadual de Londrina, graduado em Direito pelo IMESA/FEMA - Fundação Educacional do Município de Assis.
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