Breves considerações sobre os interesses individuais homogêneos

Breves considerações sobre os interesses individuais homogêneos

Visa o presente artigo discorrer acerca da evolução do instituto dos interesses individuais homogêneos no ordenamento brasileiro pela inclusão como modalidade de direitos difusos e coletivos.

Quando se trata do tema direitos ou interesses difusos e coletivos, faz-se uma diferenciação acerca da distinção com a clássica divisão (summa divisio) dos direitos em interesses públicos e privados, de modo que os direitos difusos e coletivos, acabam por situar-se numa posição intermediária entre eles.

Cabe-nos expor aqui a mencionada divisão do direito, tal como apresentado pela doutrina clássica, segundo a qual:

  • É direito público – o complexo das normas que regulam a organização e a atividade do Estado e dos outros agregados políticos menores, ou que disciplinam as relações entre os cidadãos e essas organizações políticas;
  • É direito privado – o complexo das normas que regulam as relações dos particulares entre si ou as relações entre eles, o Estado e os agregados referidos, desde que estes não figurem nessa relação como exercendo funções de poder político ou soberano.[1]

Tendo isso em mente, no tocante aos direitos ou interesses difusos e coletivos, estes são comumente chamados direitos transindividuais ou metaindividuais, que pelo próprio nome indica que se situam acima dos interesses individuais.

Nas palavras de Mazzilli, “o que caracteriza os interesses transindividuais, ou de grupo, não é apenas o fato de serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos pela mesma relação jurídica ou fática. Mais do que isso, é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por um acesso coletivo, de modo que a solução obtida no processo coletivo não apenas deve ser apta a evitar decisões contraditórias como, ainda, deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o processo coletivo é exercido em proveito de todo o grupo lesado”.[2]

A legislação posterior à edição da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), mais precisamente o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), introduziu no ordenamento jurídico brasileiro, as definições de direitos ou interesses difusos e coletivos, e ainda inovou ao tratar dos chamados interesses individuais homogêneos, aprimorando a legislação sobre tutela coletiva.

A terminologia direitos ou interesses difusos e coletivos é utilizada no sentido amplo, para designar a matéria dos direitos transindividuais, ao passo que também designa em espécie os direitos difusos, os coletivos e também os individuais homogêneos.

Para o citado diploma consumerista, “interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comu, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, III)”. 

Não obstante encontra-se disposição complementar àquela na lei do mandado de segurança, pela qual, “interesses individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou parte dos associados ou membros do impetrante do mandado de segurança (Lei 12.016/2009, art. 21, parágrafo único, II”.

Como exemplo dessa espécie de direito metaindividual, pode-se retratar uma situação na qual uma determinada faculdade passasse a cobrar uma taxa manifestamente ilegal de seus alunos, ao passo que mediante o manuseio de ação coletiva, o grupo resolva entrar em juízo buscando a declaração de nulidade da cobrança e ainda pleitear indenização por danos morais e materiais.

Nesse ínterim, cada aluno poderia sem qualquer problema, buscar a tutela jurisdicional individualmente, porém, o manuseio da tutela coletiva amplia os efeitos e alcance, produz resultados mais claros, objetivos e eficazes em relação a todos os alunos matriculados na faculdade. 

Sem contar a inexistência de diversas decisões judiciais com entendimentos divergentes, conflituosos e contraditórios.

Há de se notar na questão fática disposta nas ações envolvendo interesses individuais homogêneos, que a relação jurídica é apenas causa de pedir, visando obter a tutela adequada à reparação do dano pleiteada junto ao judiciário.

Outra peculiaridade deve ser destacada na diferenciação dos direitos difusos dos individuais homogêneos, porquanto nos primeiros, seus titulares são indetermináveis e seu objeto é indivisível, enquanto que nos segundos, a titularidade é determinável e o objeto é divisível. 

Mazzilli nos explica que, há uma relação jurídica comum subjacente entre esses consumidores, mas o que os liga no prejuízo sofrido não é a relação jurídica em si (diversamente, pois, do que ocorreria quando se tratasse de interesses coletivos, como numa ação civil pública que visasse a combater uma cláusula abusiva em contrato de adesão), mas sim é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com o defeito em série (interesses individuais homogêneos).

Faz-se uma ressalva para explicar não se tratar os interesses individuais homogêneos de interesses coletivos em sentido estrito, pois cingidos se tratam na verdade de interesses individuais correlatos e semelhantes, cujo conjunto retrata bem o propósito do legislador da tutela coletiva, com o fim de viabilizar a defesa de interesses coletivos perante os tribunais, contribuindo para a rápida solução do litígio, a unidade de decisão, a efetividade jurisdicional e mais do que isso, a veracidade da tutela de interesses transindividuais.

Nota-se, portanto, pelo avanço da legislação dos interesses transindividuais desde o advento da Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65) até a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), com significativo progresso, seguido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o pilar da tutela coletiva, cujos agentes protagonistas passaram a ser efetivamente entes não estatais, ou seja, pelo legitimado ordinário do interesse coletivo tutelado, o qual passou a ter ampliado o objeto passível de postulação em juízo. Implica dizer, pelos interesses individuais homogêneos.

Notas

BRASIL. Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Brasília, DF: 1985.

________. Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Brasília, DF: 1965.

________ Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: 1990.

_________ Lei n° 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Brasília, DF: 2009.

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 22ª ed.  – São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1994.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses – 28ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2015.

[1] MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 22ª ed.  – São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1994.

[2] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses – 28ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2015

Sobre o(a) autor(a)
Rodrigo Nazario Geronimo Pinto
Advogado cível e trabalhista, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UEL - Universidade Estadual de Londrina, graduado em Direito pelo IMESA/FEMA - Fundação Educacional do Município de Assis.
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