Ressocialização dos presos
Aborda a forma da administração das Apacs, os sistemas penitenciários, a discriminação e o processo de reintegração do preso à sociedade.
Apacs e formas de ressocialização
Recentemente uma notícia surpreendeu o país: "Presos têm chaves das celas, mas não fogem em Minas Gerais". Tal fato aconteceu no Centro de Reintegração Social Dr. Castro Holzwarth, unidade prisional que se baseia no modelo das Apacs - Associação de Proteção e Assistência ao Condenado - programa este voltado à recuperação da auto-estima do preso. Lá os detentos são chamados de "recuperandos", e inexistem agentes penitenciários, já que a segurança do local é feita pelos próprios detentos, o que ocasiona a ausência da superlotação, problema existente na grande maioria dos estabelecimentos prisionais do Brasil.
As palavras do recuperando Silva sintetizam a eficácia deste sistema: "Aqui não tem essa história de o Sol nascer quadrado, aqui ele é redondo". Afirmou, ainda, que lá "o ser humano é valorizado, jamais eu poderia estar conversando com um visitante, como estou fazendo com você, sem estar algemado e com a cabeça baixa, sem poder olhar nos seus olhos".
Segundo a diretora da unidade, Mary Lúcia da Anunciação, o segredo esta na valorização humana e na evangelização dos detentos, que acabam por proporcionar-lhes mudança satisfatória de comportamento perante os demais. Para ela o programa apenas atende os preceitos básicos da Lei de Execução Penal, tendo em vista que a finalidade da pena não é somente a punição dos infratores da lei, mas, principalmente, sua reintegração à sociedade.
O pensamento de que a prisão deve servir apenas como castigo aos presos é extremamente retrógrado e ignorante, por assim dizer, uma vez que os abusos e violações que ocorrem normalmente na maioria dos presídios só contribuem para revolta dos condenados, que sem oportunidade voltarão a infringir leis. Portanto, devem existir garantias para que as condições básicas de direitos humanos sejam satisfeitas.
Com este método as Apacs tem favorecido a diminuição de reincidência criminal, além de favorecer a aproximação dos detentos com suas famílias. Segundo informação do TJ-MG a taxa de reincidência nas cidades mineira de Itaúna e Nova Lima é de 8,1% e 5,4%, respectivamente, ou seja, na Apac a taxa de reincidência é quase 70% menor do que no modelo tradicional. Além disso, neste novo sistema, as despesas com cada recuperando é de aproximadamente um salário mínimo por mês, ao passo que no sistema tradicional os custos chegam a R$ 1.700,00 mensais. Outra vantagem do sistema é que a pequena quantidade de presos na unidade evita a formação de facções, que geram muita violência dentro e fora dos presídios.
Para ser transferido para unidade prisional da Apac, o detento deve assinar um termo de compromisso, aceitando as regras da Associação, que consistem basicamente no seguinte: a prática de falta leve ou média, como a recusa ao trabalho ou agressões verbais, por exemplo, acarretam a suspensão de alguns direitos do detento e o seu confinamento em local isolado. Já a prática de falta grave enseja a transferência do preso ao sistema prisional tradicional. Além disso, nestas unidades, as celas são ocupadas por no máximo cinco detentos e possuem chuveiro, porém os vasos sanitários ficam separados.
Os trabalhos do recuperando são alternados de acordo com o regime prisional. Assim, para os que cumprem pena em regime fechado o trabalho será manual, ou seja, artesanatos, pinturas, tapeçaria, entre outras funções. No regime semi-aberto o preso receberá treinamento em diversas áreas, como aplicação de estampas em camisas, informática, serigrafia, cultivo de hortaliças, culinária, entre outras. Ademais, é oferecido ao detento assistência médica, educacional, social e jurídica. Para que o preso seja aceito nestas unidades é necessário que tenha parentes que residam no mesmo município da Apac.
Outra alternativa para contribuir com a ressocialização do preso é a terceirização, que é, segundo Giovanna Lima Colombo, um "processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades a terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua". Esta opção foi adotada pela penitenciária de Colatina, por exemplo. Lá não é a polícia militar a responsável pela guarda do local, e sim um penitenciário neutro que passa por um treinamento específico e anda desarmado. Nesta unidade 70% dos presos trabalham e/ou estudam, e nunca foi registrada nenhuma grande rebelião. A inexistência de grandes revoltas dá-se principalmente porque o principal foco dos diretores e funcionários do local é a propiciação de uma nova chance aos condenados, para que possam voltar à sociedade, e não mais ao mundo do crime.
As empresas também têm grande responsabilidade social e, por isso, devem cuidar do reingresso dos presos no quadro de funcionários. A oferta de empregos aos detentos reduz a reincidência, pois proporciona esperança e segurança àqueles que não tiveram muitas oportunidades na vida. As empresas que contratam com o Estado a mão-de-obra carcerária são isentas dos encargos sociais, não têm vínculo empregatício e não precisam pagar vale-transporte nem alimentação.
Outra saída para a problemática em questão é a imposição de penas alternativas para que o condenado continue no convívio social e tenha responsabilidade habitual, como a prestação de serviços à comunidade, por exemplo. Essa solução também colaboraria para o problema de superlotação das celas.
Despreparo e discriminação
O trabalho é, sem sombra de dúvidas, uma das formas mais eficazes de reintegração do preso. Por isso, a oferta de tarefas repetitivas e sem cunho profissionalizante acaba por estimular a reincidência, já que os detentos ficam sem preparo para atuar no mercado de trabalho quando postos em liberdade. Os detentos saem da prisão ainda mais vulneráveis, posto que não possuem qualificação para o trabalho, e a sensação de impotência aliada à discriminação faz com que estas pessoas transgridam novamente a lei, pois não encontram formas para superar a pobreza e o desprezo.
Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária, 55% dos encarcerados postos em liberdade voltam a ser presos. Isto porque, além do processo desumanizador que sofrem nas cadeias, os detentos com sua personalidade já desvirtuada se vêem praticamente obrigados a delinquir para sobreviver, uma vez que o preconceito domina as pessoas e não permite que as oportunidades surjam na vida dos condenados.
Além do preconceito da sociedade, os ex-detentos sofrem da "síndrome do DVC" - Divisão de Vigilância a Captura - que é o banco de dados da polícia com os antecedentes criminais daqueles que tiveram problemas com a justiça. Tal síndrome aumenta o desemprego e a pobreza dos condenados, que são perseguidos e maltratados, quando não forjados pela polícia. Por tudo isso muitos presos voltam para cadeia para ter onde dormir e o que comer!
Conclusão
O atual sistema penitenciário acaba por inviabilizar a reabilitação do preso, já que não proporciona meios de resgatar a cidadania e de recuperar os valores fundamentais ao convívio social. Assim, o Estado tem grande parcela de culpa no alto índice de criminalidade, uma vez que não presta a devida assistência aos encarcerados, que saem dos presídios totalmente desestruturados e não encontram meios de levar uma vida digna, principalmente por causa do preconceito da sociedade, que se recusa a dar uma segunda chance aos infelizes infratores.
O Estado cumpre apenas o objetivo secundário da pena, que possui caráter punitivo, esquecendo da ressocialização do preso, indispensável à sua recuperação como ser humano e fundamental para segurança pública. Sua reintegração à sociedade reduz o índice de reincidência, diminuindo, portanto, a violência que atemoriza os cidadãos. Sendo assim, o preconceito também pode ser apontado como uma das causas de aumento da criminalidade.
Os presos, quando postos em liberdade, ainda são vistos com os mesmos olhos preconceituosos, e acabam "pagando" a vida toda pelos seus erros, já que provavelmente nunca terão a possibilidade de viver uma vida como um homem normal. As portas sempre estarão fechadas para estas pessoas, que na verdade cumprem pena perpétua! Atualmente as prisões são máquinas criminosas, onde se formam as principais organizações do crime. A falta de separação dos presos por idade e pela natureza da infração contribui ainda mais para dessocialização do preso. A razão da violência crescente no nosso país é mais a falta de oportunidade do que a simples maldade do ser humano!
Referências bibliográficas
BRAGON, Rayder. Presos têm chaves das celas, mas não fogem em Minas Gerais. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/18/ult5772u1519.jhtm. Acessado em 27/11/2008.
BRAGON, Rayder. Segundo TJ mineiro, quase mil presos são atendidos pela Apac. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/18/ult5772u1593.jhtm. Acessado em 27/11/2008.
BRAGON, Rayder. Apacs têm regras simples. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/18/ult5772u1590.jhtm. Acessado em 27/11/2008.
Preconceito é a maior barreira à ressocialização do preso. Disponível em: http://jornal.valeparaibano.com.br/2005/06/08/preso/serie23.html. Acessado em 27/11/2008.