Ressocialização através da educação
O Sistema Penitenciário Brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a ressocialização dos seus internos.
“A cidadania jamais será doação do Estado, pois é essencialmente uma conquista dos excluídos, através do exercício político, de lutas”.
(Éster Buffa, Miguel Arroyo, Paolo Nosella)
O sistema penitenciário – sua origem e a inserção da educação
A prisão surgiu no fim do Século XVIII e princípio do Século XIX com o objetivo de servir como peça de punição. A criação de uma nova legislação para definir o poder de punir como uma função geral da sociedade, exercida da forma igual sobre todos os seus membros. Foucault (1987) diz que a prisão se fundamenta na “privação de liberdade”, salientando que esta liberdade é um bem pertencente a todos da mesma maneira, perdê-la tem, dessa maneira, o mesmo preço para todos, “melhor que a multa, ela é o castigo”, permitindo a quantificação da pena segundo a variável do tempo: “Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a idéia de que a infração lesou, mais alem da vitima a sociedade inteira” (Foucault, 1987, p. 196)
Além disso, a prisão possibilitou a contabilização dos castigos em dias, em meses, em anos e estabeleceu equivalências quantitativas “delito-duração”, daí vem a expressão de que a pessoa presa esta pagando sua dívida.
De acordo com Foucault (1987) a prisão também se fundamenta pelo papel de “aparelho para transformar os indivíduos”, servindo desde os primórdios como uma:
[...] detenção legal [...] encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos”.
A educação no sistema penitenciário é iniciada a partir da década de 1950. Até o principio do Século XIX, a prisão era utilizada unicamente como um local de contenção de pessoas – uma detenção. Não havia proposta de requalificar os presos. Esta proposta veio a surgir somente quando se desenvolveu dentro das prisões os programas de tratamento. Antes disso, não havia qualquer forma de trabalho, ensino religioso ou laico.
Pensava-se que somente a detenção proporcionaria transformação aos indivíduos enclausurados. A idéia era que estes refizessem suas existências dentro da prisão para depois serem levados de volta à sociedade. Entretanto, percebeu-se o fracasso desse objetivo. Os índices de criminalidade e reincidência dos crimes não diminuíram e os presos em sua maioria não se transformavam. A prisão mostrou-se em sua realidade e em seus efeitos visíveis denunciadas como “grande fracasso da justiça penal”. (Foucault, 1987)
Assim, somente nos meados dos anos 50, constatou-se o insucesso deste sistema prisional, o que motivou a busca de novos rumos, ocasionando na inserção da educação escolar nas prisões. Foucault (1987, p. 224) diz: “A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento”
O modelo dessa forma educativa no Brasil está localizado no Estado de São Paulo. Tavolaro (1999) conta que embora inicialmente não houvesse a participação da sociedade. Conforme revela o histórico da educação de presos no Estado, até 1979, o ensino básico nos presídios era executado por professores comissionados pela Secretaria de Educação, seguindo o Calendário letivo das escolas oficiais, com seriação anual, e fazendo uso do material didático-pedagógico aplicado as crianças. Isso mudou em 1988, quando a responsabilidade pela educação de presos foi delegada a Fundação Estadual de Amparo ao Trabalhador Preso – FUNAP, encarregada da remuneração dos monitores, funcionamento das escolas e metodologia de ensino a ser aplicada.
O objetivo da ressocialização através da educação nos presídios.
O Sistema Penitenciário Brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a ressocialização dos seus internos. A superlotação das prisões, as precárias e insalubres instalações físicas, a falta de treinamento dos funcionários responsáveis pela reeducação da população carcerária e própria condição social dos que ali habitam, são sem sombra de dúvidas, alguns dos principais fatores que contribuem para o fracasso do sistema penitenciário brasileiro no tocante a recuperação social dos seus internos.
O Estado quando condena um indivíduo que cometeu um crime contra a sociedade e por conseqüência aplica a esse uma pena restritiva da liberdade, teoricamente, acredita que após o cumprimento da sentença expedida esse indivíduo estará pronto para voltar, em harmonia, ao convívio social. O que então se costuma chamar de reeducação social, uma espécie de preparação temporária pela qual precisa passar todo criminoso condenado pela justiça.
No entanto, essa “reeducação” que objetiva o Estado na prática não existe. Primeiro porque o que tem sido a principal preocupação do sistema penitenciário ao receber um indivíduo condenado não é sua reeducação, mas sim com a privação de sua liberdade. Isso é fácil de ser constatado na medida em que analisamos as estruturas da maioria das penitenciárias brasileiras, formadas por excesso de grades, muros enormes e um forte efetivo policial, tudo isso com um único objetivo, evitar a fuga.
Enquanto isso a reincidência criminal cresce a cada dia, e na maioria das vezes constata-se que o indivíduo que deixa o cárcere após o cumprimento de sua pena, volta a cometer crimes piores do que anterior, como se a prisão o tivesse tornado ainda mais nocivo ao convívio social.
Partindo dessas considerações é possível constatar que a privação da liberdade única exclusivamente não favorece a ressocialização. Desta forma é preciso que seja feito algo no sentido, senão, de resolver, ao menos, de minimizar ao máximo esse equívoco. Para isso se faz necessário o desenvolvimento de programas educacionais dentro do sistema penitenciário voltados para Educação básica de Jovens e Adultos que visem alfabetizar e, sobretudo, trabalhar para a construção da cidadania do apenado. Conforme o sociólogo Fernando Salla (in: Educação, 1999, p. 67) “ [...] por mais que a prisão seja incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar”.
Dessa forma um outro aspecto relevante a ser aqui considerado é o perfil da população penitenciária no Brasil, que segundo os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, a maior parte da massa carcerária deste país é composta por jovens com menos de trinta anos e de baixa escolaridade (97% são analfabetos ou semi-analfabetos). O restante, quase que na totalidade, são pessoas que não tiveram condições de concluir os estudos por razões variadas inclusive por terem sido iniciadas no crime ainda cedo.
Diante desse quadro podemos afirmar que a criminalidade estar intimamente ligada à baixa escolaridade e ambas a questão econômica e social. De modo que precisam ser desenvolvidos dentro das prisões projetos educacionais que trabalhe para a conscientização dos educandos, fazendo-os o perceber a realidade e conseqüentemente seu lugar na história. Pois um indivíduo que nasceu na miséria e por conseqüência não teve acesso a uma educação satisfatória ou a de nenhum tipo, não pode agir com discernimento em seus atos.
Uma educação dentro do sistema penitenciário deve trabalhar com conceitos fundamentais, como família, amor, dignidade, liberdade, vida, morte, cidadania, governo, eleição, miséria, comunidade, dentre outros. Nesse aspecto, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) salienta a necessidade de trabalhar no reeducando “[...] o ato antissocial e as conseqüências desse ato, os transtornos legais, as perdas pessoais e o estigma social.” Em outras palavras, desenvolver nos educandos a capacidade de reflexão, fazendo-os compreender a realidade para que de posse dessa compreensão possam então desejar sua transformação. Assim como saliente o artigo... “[...] uma educação voltada para a autonomia intelectual dos alunos, oferecendo condições de análises e compreensão da realidade prisional, humana e social em que vivem”
O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e conseqüentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo. Sobre isso, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que “Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela pe a grande força de pensar”
Em sua análise Paulo Freire (1980, p. 26) afirma que:
A conscientização é[...]um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais “dês-vela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constituí, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.
A conscientização trabalha a favor da desmistificação de uma realidade e é a partir dela que uma educação dentro do sistema penitenciário vai dar o passo mais importante para uma verdadeira ressocialização de seus educandos, na medida em que conseguir superar a falsa premissa de que, “uma vez bandido, sempre bandido”.
A educação de presos nos presídios do Estado da Bahia
O Sistema Penitenciário Baiano tem aplicado programas voltados para a educação de jovens e adultos nos presídios de seis municípios do Estado. São eles: Salvador, Teixeira de Freitas, Jequié, Feira de Santana, Valença e Ilhéus. Os programas são viabilizados através do sistema de parceria entre a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SJDH e a Secretaria de Educação do Estado, por meio do projeto estadual “Educar para Integrar’. Este projeto está integrado a um projeto social mais abrangente para o Estado: “Menos Presos, mais Cidadão”.
Os internos aptos a participarem do projeto de alfabetização são os de baixa periculosidade. A classificação é feita de três maneiras: “analfabeto absoluto”, aquele que nuca teve acesso a educação escolarizada, portanto, não escreve, nem lê; o “analfabeto recessivo”, aquele que já teve algum contato com a leitura e escrita, mas que abandonou; ou ainda o “analfabeto funcional”, aquela pessoa que apenas assina o nome sem no entanto saber lê fluentemente.
Os alunos passam por um processo inicial de diagnóstico, sendo em seguida encaminhados para uma turma de alfabetização nível 1 (alfabetização). O programa também oferece possibilidade para os detentos que não concluíram as primeiras séries do Ensino Fundamental, que podem ingressar nas turmas de níveis 2 e 3 (1ª e 2ª séries e 3ª e 4ª séries, respectivamente). À medida que o aluno vai avançando, é possível permutar par o próximo nível.
Os professores que atuam nos programas são selecionados por liderança municipal e passam por uma capacitação inicial de 40 horas. As aulas acontecem 4 dias por semana, sendo reservado um dia para planejamento, que normalmente acontece nos dias de visita dos internos, portanto, varia de uma unidade para outra.
O Programa Educar para Reintegrar (alfabetização) teve sua implantação no município de Salvador com seis turmas distribuídas nas unidades do Hospital de Custodia e Tratamento – HCT, duas turmas, local cuja aplicação do programa, trás dificuldades devido ao fato de os internos apresentarem problemas mentais e estarem constantemente dopados, a função do projeto nesta unidade funciona de forma mais terapêutica do que pedagógica; na Penitenciária Lemos Brito, funcionam duas turmas; e no Presídio Regional de Salvador mais duas turmas. Em Feira de Santana, funcionam 02 turmas, em Vitória da Conquista e Teixeira de Freitas , uma turma em cada cidade e em Jequié, duas turmas.
Todas as unidades estão vinculadas a escolas oficiais do município, que certificam o aluno que conclui o curso. Este certificado valida a continuidade dos estudos em qualquer escola normal para os alunos que desejarem.
Embora o Telecurso não esteja integrado ao programa Educar para Reintegrar, o material deste projeto é utilizado para os alunos que não concluíram o ensino fundamental. São contratados professores, com carga horária de 20 horas semanais para ministrar as aulas, sendo 10h/a em sala e 10h/a a distância.
Este programa da SJDH para a EJA nos presídios: “Menos Presos e mais cidadãos” é fruto de um acordo com a SEC, num atendimento ao principio fundamental do direito à educação para todos, proporcionando Ensino Fundamental para os alunos das unidades penais.
O projeto é referenciado legalmente pela Lei de Execução Penal , Lei 7210 de 11 de julho de 1984, Art. 18º e 20º; a Lei nº 6324 de 12 de outubro de 1991, que prevêem a obrigatoriedade de ensino fundamental nas unidades carcerárias, em convênio com entidades pública e privada. Em atendimento ao previsto nestas Leis, e detectando a existência de internos analfabetos e com ensino fundamental incompleto.
A Constituição de 1988, no Artigo 208 reza como dever do Estado proporcionar educação para todos, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996, no Artigo 1º incentiva a criação de propostas de educação para promover igualdade de condições para o acesso e a permanência do aluno o processo educativo. O Artigo 5º reza que o Ensino Fundamental é um direito público subjetivo de todos os cidadãos. E por fim, o específico para a EJA, o Artigo 37º, que expressa que a Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuada de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. (BAHIA, 2002)
O objetivo geral do projeto é “oportunizar aos reclusos o acesso ou retorno ao Ensino Fundamental com vistas a ampliação da consciência crítica, resgate da auto-estima, incentivo e retomada da trajetória escolar, para possibilitar o exercício pleno da cidadania” (BAHIA, 2002, p. 7).