Desafios e avanços da Lei Maria da Penha na atualidade: entre proteção e autonomia da mulher (2025)
O artigo analisa as recentes alterações legislativas na Lei Maria da Penha, com destaque para a ação penal incondicionada no crime de ameaça e o sigilo automático da vítima.
Desde sua promulgação em 2006, a Lei Maria da Penha tem sido um marco na proteção da mulher contra a violência doméstica. Em 2024 e 2025, novas alterações ampliaram essa proteção, mas também suscitaram debates sobre a autonomia da vítima e a sobrecarga do sistema judiciário.
Criada com o mote de combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei nº 11.340/2006 vem evoluindo para responder aos desafios contemporâneos, as alterações legislativas recentes refletem avanços, mas também provocam discussões sobre direitos individuais e o protagonismo da vítima.
Houve algumas alterações em âmbitos da lei, como: ação penal incondicionada (Lei 14.994/24): o Ministério Público pode prosseguir com ações mesmo sem a representação da vítima nos casos de ameaça, a adoção do sigilo automático (Lei 14.857/24), nome da vítima é mantido em segredo nos processos, ampliando sua proteção e o uso da tecnologia a favor da segurança em que dispositivos de alerta conectados ao monitoramento eletrônico do agressor vêm sendo implementados com maior frequência.
É inegável o quanto a Maria da Penha foi um avanço no direito e proteção às mulheres e sua integridade física-psicológica.
E embora esta lei seja de suma importância, o protagonismo da vítima, sua autonomia e decisão deve ser corroborada sempre, há críticas quanto à infantilização da mulher, cujo poder de decisão pode ser reduzido diante da atuação automática do Estado, autonomia feminina deve ser garantida, inclusive para decidir se quer seguir com uma denúncia ou manter sigilo, sem presunções paternalistas, equilíbrio entre proteção e protagonismo jurídico é o novo desafio da Lei Maria da Penha.
Essas alterações demonstram uma clara evolução normativa em resposta às demandas sociais e ao aumento dos índices de violência de gênero.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que, apenas em 2024, foram registrados 1.467 casos de feminicídio no Brasil, uma média alarmante de quatro mulheres mortas por dia, somado a isso, mais de 540 mil medidas protetivas foram concedidas no mesmo ano, evidenciando a urgência e a relevância das atualizações legislativas.
No entanto, o movimento de fortalecimento do aparato estatal protetivo deve ser cauteloso diante da complexidade que envolve a subjetividade da vítima.
O protagonismo feminino não pode ser suprimido em nome da eficiência institucional. A atuação automática do Ministério Público, por exemplo, sem a anuência da mulher, pode configurar uma afronta ao princípio da autodeterminação, base ética e jurídica da liberdade individual.
A Desembargadora Maria Berenice Dias, reforça a necessidade de que as mulheres tenham sempre essa protagonismo: “A autonomia da mulher não pode ser suprimida por uma atuação automática do Estado. A proteção deve caminhar com o protagonismo feminino.”
A jurisprudência recente também tem acompanhado esse tensionamento, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em decisões de 2025, que o gênero feminino da vítima basta para aplicação da Lei Maria da Penha, mesmo em casos que envolvam menores de idade em outra decisão importante foi a que estabelece que a aproximação do agressor à vítima configura crime, ainda que haja consentimento, apontando para uma política criminal mais rígida.
A ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal classifica a lei Maria da Penha assim: “A Lei Maria da Penha é uma das mais avançadas do mundo no enfrentamento à violência doméstica. Mas sua efetividade depende da atuação integrada do Judiciário com a rede de proteção.” e reconhece a necessidade da coordenação entre as várias frentes de combate contra a violência contra as mulheres. Além disso, a introdução de mecanismos tecnológicos, como monitoramento eletrônico e dispositivos de alerta, vem se mostrando eficaz na proteção imediata, mas levanta debates sobre privacidade, controle e limites da tutela estatal.
Assim, percebe-se que o verdadeiro avanço legislativo não se limita à ampliação de sanções e medidas preventivas, mas também à incorporação de um olhar crítico que preserve os direitos fundamentais das mulheres como agentes de sua própria história.
Em resumo, as recentes modificações legislativas fortalecem a efetividade da Lei Maria da Penha, mas exigem cautela interpretativa, a mulher não deve ser apenas objeto de proteção, mas sujeito de direitos.
É uma construção de uma aplicação mais humana e contextualizada da lei depende da sensibilidade dos operadores do Direito e da escuta ativa das vítimas.
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