A Lei Maria da Penha e seu uso por analogia frente à vulnerabilidade da vítima independentemente do gênero

A Lei Maria da Penha e seu uso por analogia frente à vulnerabilidade da vítima independentemente do gênero

Análise sobre a aplicabilidade da Lei Maria Penha e a respectiva coerência e possibilidade de seu uso por analogia, face ao homem que sofre violência doméstica. Usando como parâmetro o caso concreto, independentemente do gênero.

INTRODUÇÃO

A lei Maria da Penha é uma legislação de grande repercussão internacional, e o presente trabalho tem como intuito deslocar os casos envolvendo vítimas do gênero masculino para sua égide, tornando a citada lei mais inclusiva e a adequando ao cenário social atual, porém em relação a esse assunto, torna-se necessário contextualizar com algumas áreas do conhecimento tais como: Jurídica, Ética, Social e Moral.

O assunto tem mérito considerável, uma vez que aborda um tema familiar, pilar da sociedade, conforme citado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (…).”

Abordar a possibilidade do uso por analogia da Lei Maria da Penha, em favor de vítimas masculinas, acometidos de um mesmo ato ilícito, se mostra relevante, pois pretende-se evidenciar que diante do caso concreto essa possibilidade é plausível. Estamos perante da oportunidade de ampliarmos a proteção dada aos indivíduos no seio familiar, através do amparo equânime da vítima, por intermédio de leis com aplicabilidades similares, sendo um meio para tornar a sociedade cada vez mais uníssona, fugindo tanto do modelo patriarcal, como de modelos jurídicos segregatórios, analisando o fato jurídico e não apenas o gênero da vítima.

É sabido que por mais que os pesquisadores sejam engajados em apresentar respostas ou análises acerca de diversos assuntos, ainda falta certa volumeis de trabalhos acadêmicos ou escritos jurídicos sobre o tema de pesquisa, sendo este um dos motivos para um aprofundamento maior do objeto de estudo.

A temática é auto sustentável, pois pretende impulsionar o pensamento sobre a ressignificação da lei, utilizando como parâmetro as alterações sofrida nos perfis familiares e de seus membros até nossa hodiernidade. Esse tipo de discussão cabe em diversas esferas, por isso, houve a necessidade de desenvolver esta pesquisa singular, que terá ampla repercussão.

2. DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIOS: DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, IGUALDADE E  ISONOMIA

Apresentar as definições alusivas sobre o que é, o Princípio da Igualdade, Princípio da Isonomia e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é relevante, pois, essas três concepções são basilares para o desenvolvimento e entendimento do por que a referida lei não fere tais princípios e também da possibilidade da aplicabilidade por analogia da Lei Maria da Penha face a qualquer vítima que sofra violência doméstica e que esteja na mesma condição de vulnerabilidade que a vítima do gênero feminino.

Importante salientar que o Princípio da Igualdade divide-se em Igualdade formal e Igualdade material, sendo a parte material responsável por dar origem a Isonomia. Ambos os princípios serão apresentando em apartado, entretanto a finalidade é mostrar que isoladamente e sem se ater ao caso concreto, sua aplicação pode ser equivocada.

2.1 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Dignidade da Pessoa Humana é um importante princípio, inclusive sendo trazido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), logo de início no art. 1º, apresentando a seguinte redação “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da pessoa humana (...).”

Em adição ao texto constitucional, é importante trazer as palavras do autor a seguir: 

(…) por dignidade Da Pessoa Humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos ( WOLFGANG, 2001, p. 60).

As palavras de Sarlet, dentro do contexto da Dignidade da Pessoa Humana, trata do respeito que todos devem ter em relação ao próximo, do tratamento minimamente cortês, sendo óbice qualquer tipo tratamento cruel, excludente ou ilegal.

Nesse sentido, Flávia Piovesan diz que (2000, p. 54):

A dignidade Da Pessoa Humana, (...) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Sendo assim, as palavras de Piovesan remete ao entendimento de legitimidade da dignidade da pessoa humana frente ao ordenamento jurídico brasileiro, conferindo a este princípio status de pilar da Constituição Federal do Brasil de 1988.

A Dignidade da Pessoa Humana também é trazida na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), conforme Art. I: “Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos […]’’.

O preâmbulo da DUDH, também traz consonância entre a Dignidade da Pessoa Humana e a Igualdade, conforme se apresenta a seguir: ”Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.”

As citações extraídas de textos legais deixam explícita a ligação entre o tratamento Igualitário e a Dignidade, reforçando o entendimento que a proteção se estende a todos os membros da família, sem diferenciação, sendo relevante lembrar que esse exórdio da (DUDH) é alicerce do nosso artigo 5º da CRFB, que trata dos direitos e garantias fundamentais, consagrada pela própria Carta Magna, como cláusula pétrea, conforme pode-se ver citado em seu Art. 60, Parágrafo 4º e inciso IV. “…§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”.

Acerca desse princípio, é coeso trazer o entendimento do Professor Fernando Capez: “Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana, será materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado”. (CAPEZ, 2009, p.07).

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana visa preservar a honra das pessoas, tem como objetivo proteger o indivíduo contra condutas ilegais, que possam de alguma forma macular a sua integridade. Destarte, a utilização deste princípio corrobora com o entendimento que o uso da Lei Maria da Penha para proteger a vítima independente de gênero é possível, não porque aquele homem ou mulher requer mais proteção, mas sim porque a vítima precisa, e quando esta estiver em situação de indefensibilidade, a analogia da Lei Maria da Penha se tornará um escudo de defesa contra o agressor(a) e um estandarte de atuação frente ao caso real.

2.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE

 O Princípio da Igualdade, também é apresentado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 integrando em seu texto entendimento similar à da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), disciplinando no ‘TÍTULO II, DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, CAPÍTULO I, DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS’’, caput do artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, conforme se verifica in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

A doutrina trata sobre esse importante princípio, contribuindo para o cenário social, jurídico e acadêmico com seu posicionamento, conforme podemos identificar a seguir, Roger Rios diz, (RIOS. 2002, p.38): “Neste sentido negativo, a igualdade não deixa espaço senão para a aplicação absolutamente igual da norma jurídica, seja quais forem as diferenças e as semelhanças verificáveis entre os sujeitos e as situações envolvidas”.

A igualdade em seu sentido puramente formal, também denominada igualdade perante a lei ou igualdade jurídica, consiste no tratamento equânime conferido pela lei aos indivíduos, visando subordinar todos ao crivo da legislação, independentemente de raça, cor, sexo, credo ou etnia, ou qualquer característica que possa considerar as peculiaridades de determinado grupo ou indivíduo.

É mister reforçar que este princípio serve como base para que a analogia da Lei 11.340 possa ser empregada, entretanto não de forma isolada, tão pouco sem as ponderações que cada caso exigirá.

2.3 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O Princípio da Isonomia, deriva do Princípio da Igualdade formal, entretanto não devem ser confundidos com aquela. Conceituada por alguns como igualdade real ou substancial, este princípio é a parte material do princípio da igualdade, tendo por finalidade igualar os indivíduos, que essencialmente são desiguais, ou seja, leva em consideração as peculiaridades de determinado grupo ou indivíduo, ou seja, este princípio é a base para sustentação da constitucionalidade da lei maria da penha, entre outros.

O filósofo grego Aristóteles, no século IV antes de Cristo, nos deixou de legado a ideia de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”. Outros escritores seguindo este entendimento contribuíram para a expansão e consolidação desse princípio, o qual visa igualar os indivíduos, que essencialmente são desiguais.

De acordo com o professor Alexandre de Moraes, a igualdade assegurada pela Constituição de 1988 atua em duas faces: em relação ao poder legislativo ou executivo, este quando edita leis em sentido amplo, na medida em que obsta a criação de normas que violem a isonomia entre indivíduos que se encontram na mesma situação; E, também, em relação ao intérprete da lei, ao impor que este a aplique de forma igualitária, sem quaisquer diferenciações.

O legislador ao criar a lei Maria da Penha, entendeu que a referida lei deveria considerar as desigualdades existentes entre os gêneros masculino e feminino, compreendendo que o gênero feminino carecia de tal proteção, tanto na forma cautelar, assistencial, como punitiva aplicada ao agressor(a).

O trabalho acadêmico em questão respalda esse entendimento do legislador, compreendendo que o equilíbrio só é possível em razão da compensação provocada, todavia, busca-se com a pesquisa, demonstrar que o princípio da isonomia não deve ser aplicado apenas em função de um sujeito passivo específico, e sim diante do caso concreto, sendo esta a palavra direcionadora do por que a lei deve ser executada naquela situação, permitindo a utilização de todos métodos e instrumentos legais que estejam disponíveis, nos termos da lei.

3.  CONCEITO ANTIGO E ATUAL DE FAMÍLIA

A família é considerada a associação de pessoas mais antiga que se tem conhecimento, principalmente se levarmos em consideração que todo indivíduo nasce em razão da família e, em regra, no âmbito desta, interagindo com seus demais integrantes.

A etimologia da palavra família, derivada Do latim familia (la), que significa o conjunto das propriedades de alguém, incluindo escravos e parentes; família vem de famulus (la), que significa escravo doméstico. Com isso pode-se perceber a que o significado e aplicabilidade da palavra família é inconstante, sofrendo alterações que acompanham o processo de variação e adaptação das populações ao longo do tempo.

A visão que temos de família em nossa contemporaneidade não é a mesma de outrora, o conceito do que vem a ser família está sendo ampliado, tanto no campo social, como jurídico e os dois tópicos seguintes apresentarão essas evoluções.

3.1 CONCEITO ANTIGO DE FAMÍLIA

O conceito de família era norteado por 4 (quatro) palavras: Patriarca(L), Patrimônio(AL), Matrimonio(AL) e Heteroparental. a) Patriarcal porque tínhamos o homem como chefe da família, era o líder, o centro do grupo familiar e único responsável pela tomada das decisões; b) Patrimonial porque as uniões entre pessoas não se davam pela afeição entre as mesmas, mas sim pelas escolhas dos patriarcas, com o interesse de aumentar o poder e o patrimônio de suas famílias; c) Matrimonial porque a família era constituída unicamente pelo casamento, não havia que se falar em nenhum outro meio de constituição familiar, como a união estável. Como consequência de tais fatos, a figura do divórcio era inconcebível àquela época. e) Heteroparental, porque os cônjuges tinham que ser de sexo oposto (Homem e Mulher), jamais se imaginava famílias tendo como cônjuge pessoas do mesmo sexo.

Neste cenário a mulher era moeda de troca, suas opiniões não tinham valor e era impensável tê-las como líder familiar, nitidamente a mulher era instruída a ser submissa, e tinham como exemplo a própria mãe e a sociedade em geral, mães e/ou mulheres essas que viviam em exclusiva servidão ao lar.

O direito consuetudinário (costumes) e a legislação eram os principais instrumentos que legitimavam esses comportamentos, a lei Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916, nosso antigo CC/1916 (código civil de 1916) apresentava vários posicionamentos que hoje são considerados um absurdo, mas que naquele período eram ditos como normais. O CC/1916 tinham capítulos onde eram citados os direitos e deveres do marido e da esposa, no capítulo correspondente ao marido, o art. 233 e seus incisos apresentavam a seguinte redação:

“Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal (…), Compete-lhe: I. A representação legal da família(…), IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal”. O que reforça a condição dominadora do homem na família e consequentemente na relação conjugal.

Quando falamos dos direitos e deveres da esposa ficamos mais chocados e de certo modo conseguimos mais facilmente entender todo o contexto que se embasou essa exclusividade de proteção, onde analisa-se apenas o gênero da vítima para enquadramento da Lei Maria da Penha.

O CC/1916 em seu art. 242 apresenta a seguinte oração:

“Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):

I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235).

II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, nº II, III, VIII,269,275e310).

III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.

IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.

V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.

VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, anão ser nos casos indicados nos arts. 248e251.

VII. Exercer profissão (art. 233, nº IV).

VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.

IX. Aceitar mandato (art. 1.299)”.

Não era concedido a mulher a capacidade plena, ou seja, ela não podia realizar os atos da vida civil de forma independente, precisando ser assistida ou ter seus atos ratificados.

O contexto supracitado não é o mais comum em nossa hodiernidade, a mulher atual contribui economicamente para o sustento da família e é líder familiar, em várias situações é vista como quem domina a relação, e em muitos casos que ocorrem violência doméstica é reconhecida como a agressora, inclusive sendo responsável por praticar ações que acabam por definirem aquela relação como abusiva. É nestes casos que o estudo baseia o seu entendimento que a aplicabilidade da Lei Maria da Penha é possível e assertiva, não deixando novamente de mencionar que é extremamente importante que seu uso seja de acordo ao caso fático.

3.2 CONCEITO ATUAL DE FAMÍLIA

O conceito atual de família nos permite uma inclusão inimaginável de possibilidades, tanto referente a constituição de seus membros, como as características e peculiaridades dos  sujeitos que formam a relação conjugal. A legitimidade dessas novas modalidades de família são garantidas pelo estado por meio da figura das leis recepcionadas pela CRFB/88 (Constituição da República Federativa do Brasil), sendo estes posicionamentos uma revolução sociojurídica.

O modelo legislativo relacionado ao âmbito familiar, é atualmente guiado pelos ideais de, Democracia; Igualdade; e Dignidade da Pessoa Humana; essas duas últimas nomenclaturas bem trabalhadas no tópico 2 (dois) desse material de estudo. Com o advento da lei No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, o CC/2002 (Código Civil de 2002) e alterações que este e outros diplomas normativos vêm sofrendo desde daquele período até os dias atuais, podemos perceber um movimento para adequar a legislação em geral à realidade social do Brasil.

O art. 1.511 do CC/2002 é um retrato desse novo perfil familiar. Conduzido pelos sentimentos citados no 2º parágrafo desse tópico, o citado artigo tem como objetivo proporcionar que todos os membros familiares tenham suas necessidades atendidas, fazendo da felicidade de cada indivíduo um elemento essencial. A redação a seguir expressa esse entendimento da seguinte forma:

“Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

O modelo patriarcal foi excluído, o conceito de pátrio poder foi substituído pelo poder familiar, os cônjuges são considerados iguais perante a lei, tanto em direitos como em obrigações. Seguindo esse entendimento também é interessante citarmos alguns outros artigos do CC/2002;

“Art. 1.565 (…), § 1oQualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Antes apenas a mulher acrescia o sobrenome do marido ao seu.

“§ 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”. Fala-se em decisão do casal e não apenas do marido.

“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:” Os deveres e obrigações não tem divisão, sendo de responsabilidade pluralista.

Referente ao casamento, a letra da lei ainda fala de casamento homem e mulher, entretanto, em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 175, que passou a garantir aos casais homoafetivos o direito de se casarem no civil. Com a resolução, tabeliães e juízes ficaram proibidos de se recusar a registrar a união e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 10 de maio de 2017 equiparar os direitos sucessórios de uma união estável homossexual com a de um casamento civil. Todos esses fatos corroboram com a reconhecimento dessa r/evolução no perfil familiar e da remodelação  do desenho conjugal.

Sabe-se que a lei Maria da Penha é um marco legislativo, com amplo impacto social, destinada a proteger o ceio familiar, tendo como objetivo coibir a violência doméstica contra a mulher e lhe dar apoio posterior à agressão sofrida. Não há falha em proteger o gênero feminino, não há discussão sobre qual gênero é mais agredido, isso é fato notório, entretanto o cerne da questão aqui é, possibilitarmos o uso da respectiva lei para proteger a vítima seja ela mulher ou homem.

Como podemos perceber, comportamentos sofrem mudanças e aquilo que era comum passa a não ser mais, a questão de termos sempre a mulher como parte frágil da relação não é mais absoluta, não cabe falarmos que apenas o homem é o líder familiar, tão pouco que não existam relações em que o homem seja a parte frágil. 

4. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA X GÊNERO MASCULINO COMO VÍTIMA

Conforme elucidado, a criação da lei maria da penha tem o objetivo de amparar e proteger de forma diferenciada e específica vítimas do gênero feminino, tipificando e definindo a violência doméstica e familiar contra a mulher, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Mas o que fazer quando a vítima é do gênero oposto, e encontra-se em mesma situação de vulnerabilidade que o gênero protegido?

Para isso é imprescindível conceituarmos as palavras, vítima e vulnerabilidade. SUMARIVA (2014, p. 52) classifica o primeiro: “Vítima é quem sofreu ou foi agredido de alguma forma em virtude de uma ação delituosa, praticada por um agente”. Diante de tal definição pode-se perceber que o indivíduo para ser vítima independe de gênero específico.

Já vulnerabilidade é definido por HOUAISS como, “que pode ser fisicamente ferido; sujeito a ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido”. O conceito nos remete ao entendimento de que todos somos vulneráveis, o que não é infundado, inclusive por este motivo carecemos de atuação e proteção do estado, entre elas a criação de leis, seu acompanhamento e sua aplicação diante das mais inusitadas situações. Mas quando usa-se essa terminologia no âmbito jurídico, ela se fecha, a exemplo no ramo do direito do consumidor, onde temos uma excelente definição da Claudia Lima Marque, conceito este que pode ser facilmente aplicado nos casos de violência doméstica ou em outros, conforme podemos confirmar a seguir. Vulnerabilidade é:

"Uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção" ( MARQUES, op. Cit., p. 87).

Desse modo, evidencia-se que qualquer pessoa, por diversos motivos, pode sim estar em um ambiente de agressão e ser a parte vulnerável da relação, não sendo necessário citar se falamos de homem ou mulher, uma vez que o foco é demonstrar que diante do caso concreto o limitador de gênero específico no polo passivo, torna-se um equívoco, principalmente quando não analisado as peculiaridades de cada caso.

Sabe-se que o dito patriarca familiar é um conceito ultrapassado, a r/evolução social e as oportunidades merecidamente oferecidas as mulheres criaram novos perfis, e caracterizar quem precisa de proteção da LEI 11.340/2006 apenas pelo gênero é um mecanismo que já não se encaixa com os perfis familiares existentes, lembrando que já temos inúmeros casos de homens que são donos de casa e mulheres que são as chefes da família.

Quando somos surpreendidos com notícias que falam dessa mudança de comportamento, achamos lindo e parabenizamos, pois trata-se de uma quebra de paradigma, mas é interessante que a recíproca ocorra. É importante que tenhamos consciência que o homem pode ser agredido e que essa situação na pode ser tratada como piada, que está vítima poderá precisar de proteção e acompanhamento psicológico que o ajudem a superar toda agressão sofrida, somado a disponibilidade de uma equipe multidisciplinar para apoiá-lo.

Em face dos comentários anteriores, também se pode notar que o tratamento desigual tendo como base o princípio da isonomia, não é errado, assim como não é inconstitucional, entretanto, para não ferir a Dignidade da Pessoa Humana, essa desigualdade devem ser pautado pela proporcionalidade e pela razoabilidade, que também serão definidos a seguir:

Sobre a razoabilidade, Alexandre de Moraes (2006, p. 98) propõe que:

“o princípio da razoabilidade utiliza-se do meio-termo aristotélico, que, conforme Kelsen, é norma de justiça, ou seja: ‘Como norma referida ao modo de tratar os homens, surge também o preceito geral do comedimento, a idéia de que a conduta reta consiste em não exagerar para um de mais nem para um de menos, em manter, portanto, o áureo meio-termo”.

A proporcionalidade, segundo Alexy (2009, p. 9), por sua vez, é:

“colisões de direitos fundamentais sejam solucionadas por ponderação. A teoria dos princípios pode mostrar que se trata, na ponderação, de uma estrutura racional de argumentar jurídico-constitucional. Mas ela também torna claro que a ponderação deve ser assentada em uma teoria da jurisdição constitucional, se ponderação deve desenvolver plenamente o seu potencial de racionalidade”.

Nesse sentido, segundo ensina Celso Antônio Bandeira de Melo, “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita”, devendo haver uma “adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo.”

É sabido que a Lei Maria da Penha surgiu devido à necessidade de se ter uma lei que fosse mais eficaz e pudesse contribuir para diminuição dos altos indicies de violências que acometem o gênero feminino no Brasil, entretanto, por mais que existam 99% (noventa e nove por cento) de vítimas femininas e apenas 1% (um por cento) de vítimas masculinas, essa vítima em menor número também deverão ser similarmente protegidas, lembrando que o caso concreto é quem deverá embasar essa aplicabilidade e que seu uso deve ser com base qualitativa e não quantitativa.

 4.1 ESTUDOS DE CASOS

Desde 2006 a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), faz parte do Ordenamento Jurídico Brasileiro, sendo essa aplicável para proteger exclusivamente o gênero feminino.  

A referida lei é um marco, tendo a intenção de proteger a parte agredida da relação, entretanto, o intuito do estudo é mostrar que essa parte agredida, que sofre violência, não será em todos os casos o gênero feminino, pois se fosse para aplicar a lei apenas em face ao exemplo ensejador da criação da lei ou com base em números que correspondem a maioria dos casos, a lei deveria em tese proteger apenas casais heterossexuais ou que tenham relação conjugal, ou seja, aplicável quando homem agride mulher, marido agride esposa. Então, qual o óbice de seu uso por analogia para proteger vítimas masculinas?

No nosso dia a dia, com certeza já presenciamos alguma situação envolvendo briga de casais, onde foi possível perceber o comportamento de quem observa aquela situação. Nos casos em que a mulher agride o homem, a mesma é ovacionada, inclusive com comentários como “ele merece”, “tem que apanhar mesmo”, comentários que incentivam a agressão ou a legitima. Os comportamentos são de apoio a uma ação que deveria ser coibida, evidenciando que a agressão sofrida pelo gênero masculino é vista como algo engraçado, justificável, ou por fim, encarado pelo paradigma da seguinte frase: “apanha porque gosta, fica porque que”.

A violência doméstica contra homens é uma realidade, todavia esse tema é pouco debatido, seja porque os Poderes Públicos não dão a devida atenção ao caso, seja porque o senso social pensa que apenas a figura masculina é agressora, ou ainda, porque os homens agredidos não prestam queixa na delegacia, por vergonha, acreditando que seriam expostos ao ridículo.

Ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, Países considerados de primeiro mundo, há serviços de atendimento por telefone que oferecem apoio a Homens vítima de violência doméstica, as ONGs britânicas Men's Advice Line e ManKind Initiative são algumas delas, o que tornara possível a apresentação de dados que reforce o ora exposto, com a intenção de desmistificar a tese popular que só existe um gênero agressor e um gênero agredido.

A British Broadcasting Corporation (Corporação Britânica de Radiodifusão, mais conhecida pela sigla BBC), fez em julho de 2016 um documentário com o seguinte título: (Além de arranhões e bofetadas: o fenômeno oculto dos homens que são agredidos pelas mulheres).

O documentário citado tratou sobre casos de homens que sofrem violência doméstica e suas consequências, somado ao tabu que é falar desse tipo de violência, pois em uma sociedade machista, um homem que denuncia violência doméstica será certamente ridicularizado. Esse documentário apresenta vários depoimentos como podemos ver a seguir:

A professora da Escola Nacional de Assistência Social da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), Nelia Tello diz:

“Apesar de raro, o abuso doméstico cometido por mulheres é um drama vivido por muitos homens, que não são necessariamente agressores. Não falo de um homem que foi agredido pela esposa porque foi agredida por ele. Isso seria um caso de violência intrafamiliar. Me refiro, por outro lado, a uma relação em que a mulher usa a força, se impõe, calunia e destrói o companheiro”.

Mark Brooks, diretor da ManKind Initiative (tradução: Iniciativa Humanidade) relata alguns fatos interessantes, que contribuem para ilustrar um pouco desse cenário pouco discutido.

“Recebemos entre oito a dez telefonemas diários. No ano, são 1,5 mil”.

 “Na maioria dos casos, as mulheres são identificadas como agressoras”.

“Temos de acabar com o mito de que alguns dos homens que nos telefonam são, na verdade, agressores camuflados, não há nenhuma evidência que demonstre isso, assinala”.

Segundo Brooks, cerca de 90% dos homens que telefonaram à ONG, fundada em 2001, sofreram abuso psicológico, enquanto que 70% foram alvo de violência física por parte de suas companheiras. “As agressões físicas mencionadas por eles vão desde socos e arranhões a outras formas mais extremas”.

Mark Brooks continua seu relato dizendo;

 “Ouvi certa vez de um homem que ele foi esfaqueado pela esposa. Outro me contou que sua mulher o atacou com uma chaleira elétrica que tinha água fervente e com um ferro de passar. Também temos muitos casos de envenenamento”.

Brooks encerra a entrevista dizendo o seguinte:

“Assim como há um consenso na hora de condenar a violência contra as mulheres, o mesmo deve ser feito contra os homens”.

"Meu desafio é dizer às pessoas que acreditam que a violência doméstica só afeta as mulheres, que também é preciso falar dos homens vítimas desse tipo de abuso. Deixar de fazê-lo é discriminatório e sexista, conclui”.

 Em continuidade aos depoimentos supracitados e reforçando o objetivo do trabalho científico, Guilherme Nucci  define violência, trazendo o entendimento que sua utilização não pode ser discriminada. Para Nucci (2013, p.609), “Violência significa, em linhas gerais, qualquer forma de constrangimento ou força, que pode ser física ou moral (…)”.

Portanto, não se fala apenas em violência física, mas também moral e psicológica, tão pouco se diz que violência é ato contra um gênero específico. Conservando mais uma vez o entendimento, que violências iguais, caracterizado por vítimas em mesma situação de vulnerabilidade, deveriam ter proteções iguais.

Dando continuidade a outros casos de violência contra o gênero masculino, é mister trazer os dados apresentado pelo Estudo Internacional sobre a Violência no Namoro, de 2006, que investigou a violência conjugal entre 13.601 estudantes de 32 nações, dos quais, cerca de 1/4 dos alunos de ambos os sexos, masculino e feminino, foram agredidos fisicamente por um parceiro durante o ano.

O estudo informou que 24,4% dos homens sofreram violência conjugal leve e 7,6% tinham sofrido agressão grave. Straus, Murray A. (Março 2008).

Em 2012, foram realizados dois estudos suecos por Krantz Gunilla, um no mês de abril e o outro no mês de setembro, e foram lançados, mostrando que homens sofreram violência conjugal tão frequentemente quanto mulheres – 8% por ano em um estudo e de 11% por ano nos outros.

O Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, realizou um estudo sobre agressões no namoro com 3.200 estudantes de 104 escolas públicas e particulares, em 10 estados, e revela que 9 em cada 10 adolescentes praticam ou sofrem violência no namoro; 30% das meninas agridem fisicamente o namorado (tapa, puxar cabelo, empurrar, desferir soco e chute); 17% dos meninos agridem.

Mais uma vez reforçando o entendimento que ambos os gêneros precisam de  proteção, sendo imprescindível utilizar o caso concreto como parâmetro para o uso da lei Maria da Penha para proteção indiscriminada.

4.2 JURISPRUDÊNCIA

No cenário jurídico brasileiro existem alguns casos em que o juiz conexo com o entendimento do objeto de estudo, aplicou por analogia a lei Maria da Penha para proteção de vítimas do gênero masculina. Nesses casos foram utilizados o princípio da igualdade e acertadamente o caso concreto para fundamentar as decisões dos respectivos juízes.

Um desses casos, envolve uma relação homoafetiva entre dois homens, o juiz determinou a seguinte medida protetiva, que o agressor mantivesse distância mínima de 250 metros de seu companheiro. Diante do caso a ex-ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes se posicionou na época dizendo “a Lei Maria da Penha é muito clara, é uma lei para defender as mulheres, tem recorte de gênero”. “Qualquer decisão fora disso é desvirtuar a lei”. Um posicionamento que destoa do interesse do respectivo estudo científico, estudo este que entende que o pensamento da ex-ministra carece de uma análise mais humana e não somente ideológica.

Outro caso, envolvendo um casal homossexual, foi no estado de São Paulo, nesta situação foi usada a Lei Maria da Penha para punir um dos parceiros. São Paulo – Estadão, 2011. Disponível em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,justica-usa-lei-maria-da-penha-para-punir-gay-imp-,708704>. Acesso em: 09 de Set. de 2018.

Coadunando com o entendimento favorável ao uso por analogia da Lei 11.340, o juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, acatou os pedidos do autor da ação, este disse sofrer agressões físicas, psicológicas e financeiras por parte da sua ex-mulher, percebe-se que o caso traz as razões que são citadas pela Lei Maria da Penha para que se figure proteção para vítima, sendo que nesse episódio o agredido é um homem e a agressora uma mulher.

Ainda em relação ao caso supracitado, o juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, determinou como medida protetiva, que a agressora permanecesse a pelo menos 500 metros de distância do agredido, incluindo sua moradia e local de trabalho, ela também não pode manter qualquer contato com ele, seja por telefone, e-mail ou qualquer outro meio direto ou indireto, entre outros impedimentos citados na decisão interlocutória (Autos de 1074 /2008).

Diferente do entendimento dessas decisões, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fala em sua página oficial sobre a não possibilidade da evocação do uso da lei Maria da Penha para o homem, se posicionando da seguinte forma “(...) O fato de a lei não amparar o homem não significa que ele esteja fora da proteção legal nos casos de agressão.

Algumas medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha têm servido de inspiração aos juízes de varas comuns no exercício de suas funções, inclusive em casos de violência contra homens. Ao se sentir agredido, o homem deve recorrer às delegacias e aos juizados especiais ou varas criminais, para crimes com menor potencial ofensivo, como, por exemplo, ameaça ou lesão corporal leve.”(...). CNJ Serviço: para quem a Lei Maria da Penha pode ser evocada?. CNJ, 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83078-cnj-servico-para-quem-a-lei-maria-da-penha-pode-ser-aplicada>. Acesso em: 15 de Abr. de 2018.

O CNJ apresenta um discurso simplista e com uma visão míope, informando através de seu texto que igualdade é conseguida com mecanismos distintos, e que proteções desiguais criam equilíbrio, mesmo quando os indivíduos estão em mesma situação de vulnerabilidade. O estudo busca contribuir para o entendimento que a proteção dada a vítima precisa ocorrer em sua plenitude, permitindo o uso de todo meio que possa contribuir na recuperação desta, independente do gênero.

Os princípios, as definições doutrinárias, somadas aos casos expostos no respectivo estudo, deixam claro que tratar a violência sofrida por uma vítima, como de menor potencial ofensivo, só pelo motivo dessa vítima ser homem, é um equívoco, pois generaliza um fato típico, esquivando-se do que pregam a justiça e o direito, ou seja, deixando dispor sobre um caso específico e de aplicar o que melhor se encaixar naquele fato jurídico, sempre com objetivo de proteger a vítima e punir o agressor de forma justa, nos ditames da lei.

Incorporando com tudo que já fora supracitado, é conveniente trazer as palavras do Filosofo de Nacionalidade Florentina, Galileu Galilei (1564 – 1642) que disse: “Meça o que pode ser medido e faça medível o que ainda não é”. Com essas palavras podemos compreender que não há como afirmar que a dor de um homem em face da agressão recebida é de menor complexidade ou de menor intensidade em relação a da mulher, não sendo adequado existir posicionamentos que deem a entender que o gênero masculino é imune a agressões, que homens não podem sofrer de igual forma ou mais que determinada pessoa, só porque são de gêneros distintos.

 Apropriado expor nesse momento o significado segundo o Dicionário Aurélio, da palavra discriminação, definido como:

Discriminação: 1 - Estabelecer diferenças; 2 - Colocar algo ou alguém de parte; 3 - Tratar de modo desigual ou injusto, com base em preconceitos de alguma ordem, notadamente sexual, religioso, étnico, etc; 4 - Afastar-se ou colocar-se à parte.

Nota-se que diante da definição de Discriminação, a Lei Maria da Penha apresenta todas as 4 (quatro) definições que o dicionário Aurélio nos apresenta.

Realmente a lei por seu texto e ânimo estabelece diferenças entre os sujeitos, mesmo que essas diferenças sejam permitidas e até pacificadas pelo STF por meio da ADC 19/DF, pacificação que não é imutável diga-se de passagem. Tratar um gênero como onipotente é um entendimento precipitado, atribui ao outro gênero à síndrome do eterno agressor e ao outro o de eterna vítima.

Por fim, nos parece incompreensível que ainda que seja configurado que a infração sofrida pela vítima masculina, tem todas as características que a enquadram na Lei Maria da Penha, esta não fique sob a proteção desta lei, o que por vários motivos se mostra discrepante.

4.3 A NECESSIDADE DE APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA EM AMPARO AO GÊNERO MASCULINO

Conforme observa-se, o legislador considerou como mais justo que a Constituição da República Federativa do Brasil e as leis esparsas adotassem o posicionamento de Igualdade divididas em duas vertentes, perante a lei e na lei. Por igualdade perante a lei compreendendo o dever de aplicar o direito no caso concreto; e por sua vez, a igualdade na lei que pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas.

Notadamente o presente artigo entende que tal posicionamento é assertivo, porém, não absoluto, sendo óbice sua utilização de forma isolada, tanto, que neste material de estudo foi elucidado o porque da Lei Maria da Penha não ser inconstitucional, todavia, a forma exclusiva que lei Maria da Penha é aplicada acaba por promover estereótipos baseados em crenças e afirmações dogmáticas. Sabemos que esse entendimento tem forte influência histórica, reflexo da cultura e tradições de outrora, tendo como resultado grande influência na formulação das leis, contudo, a legislação precisa acompanhar a evolução da sociedade e principalmente se adequar a realidade do meio que deseja interferir e tutelar.

Em 2009 (Dois mil e nove) com o advento da Lei 12.015/09, ocorreram alterações no código penal brasileiro, ocasionando por exemplo, a união em um mesmo tipo penal dos antigos crimes de “estupro” e “atentado violento ao pudor”, uma das inovações foi a possibilidade da mulher integrar o polo ativo do crime, enquanto que tornou possível que o homem figurasse como vítima, situações absolutamente insustentáveis décadas atrás. Com isso o crime de estupro deixou de ser próprio, para ser crime comum. O crime de estupro é um crime considerado hediondo, conforme Art. 1°, Inciso V da LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990.

O posicionamento supracitado tinha como alicerce o entendimento que em regra o homem é fisicamente mais forte que a mulher e esta não teria meios eficazes para consumação do crime. Podemos considerar que antes da alteração legislativa, caso a ação típica fosse cometida pelo gênero feminino, estaríamos diante de um crime impossível. Todavia, a abrangência do que caracteriza o estupro possibilitou a inclusão do gênero feminino no polo ativo, somado as questões que envolvem a igualdade de gênero diante desse crime, pois sim, a mulher pode vir a constranger o homem a ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso idôneo.

Na leitura desse estudo e no nosso dia a dia, com certeza é possível identificar mais coerência na analogia da Lei Maria da Penha para proteger o homem agredido, do que pensarmos em uma mulher respondendo por um crime de estupro contra um homem abusado.

Mister reforçar, que o caso concreto deve ser o cerne da possibilidade do uso por analogia da lei Maria da Penha, pois é mais salutar proteger a vítima vulnerável do que isoladamente olhar para qual gênero esta pertence.

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O respectivo trabalho científico tratou da possibilidade do uso por analogia da Lei Maria da Penha para proteger vítimas masculinas, ideal este considerado polêmico, pois utilizar uma lei que tem em seu fundamento a proteção exclusiva das mulheres e que representa a vitória de uma classe, é considerado inconcebível. Entretanto mesmo diante das interpretações preconceituosas, o trabalho foi sendo traçado, visando trazer um entendimento que pretende contribuir para melhor utilização da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha).

O desenvolvimento da pesquisa acadêmica, proporcionou termos uma visão do atual formato de aplicabilidade da Lei Maria da Penha, lei 11.340 de 2006 e suas oportunidades. Como isso foi necessário adentrarmos nas características inerentes dos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Igualdade e Isonomia, a fim de balizarmos o terreno que estava sendo analisado. Em contrapartida podemos analisar um pouco da r/evolução social e familiar, sendo mostrado que o status da mulher em via de regra, não é mais de submissão, ou seja, existe uma quebra de paradigma. Estes fatores tornaram possível entender o porque das características exclusivas de proteção a mulher, sendo por sua vez, confrontados por argumentos que tiveram como base as mudanças nos perfis das relações e dos membros familiares, a observação do caso concreto e o estado de vulnerabilidade da vítima, independente de gênero.

Para se atingir uma compreensão da possibilidade do uso da Lei Maria da Penha por analogia, definiram-se alguns objetivos específicos. O primeiro caminho utilizado foi mostrar a coerência da pesquisa, onde foi necessário analisar as questões humanas e particulares de cada indivíduo, chegando a conclusão que o contexto do ilícito e o estado de indefensibilidade de cada vítima devem ser o responsável por legitimar a utilização da respectiva lei.

Posteriormente foi necessário um aprofundamento conceitual e a exposição de alguns depoimentos de estudiosos das mais varáveis áreas do conhecimento, inclusive jurídica e humana, acompanhado de declarações de homens e instituições que relataram episódios de agressões praticada pela mulher face ao homem, levando a conclusão que a violência sofrida no âmbito doméstico não é exclusividade de um gênero específico. Observou-se que vários julgados foram decididos usando como parâmetro a Lei Maria da Penha para proteger o gênero masculino como vítima, tanto em casos envolvendo relação heterossexual como em relações homoafetivas, ou seja, considerando o caso concreto para aplicação da decisão. Fatos  sentenciatórios estes que mostram a razoabilidade e plausabilidade do artigo exposto.

Como já esmiuçado no decorrer desse artigo, o proveito da Lei Maria da Penha face a vítima independente de gênero, tem todos os fundamentos necessários para sua utilização, inclusive o respaldo de decisões que compartilham do mesmo entendimento do objetivo da pesquisa.

Em consonância com tudo que já foi explanado, pode-se perceber que o principal desafio da pesquisa está ligado a um pensamento estagnado no passado, preso em um período em que a vulnerabilidade era exclusiva de um gênero e a liderança era exercida unicamente pelo homem. O reconhecimento que existem casos de homens que são agredidos, que são vulneráveis e que precisam dos benefícios disponibilizados pela Lei Maria da Penha é imprescindível para que o uso por analogia da lei 11.340/2006 seja permitido e cause menos resistência.

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Sobre o(a) autor(a)
Cleidinei Azevedo Gomes
Negro, Soteropolitano, 35 anos, Advogado, formado em Direito pela Faculdade Dois de Julho, formado em Recursos Humanos pela Universidade Jorge Amado, Pós-Graduando em Ciências Criminais. Atuando como administrador e criador de...
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