Análise jurídica do mercado de trabalho da mulher: proteção normativa, formas de discriminação, desafios, políticas públicas e ações afirmativas (2025)
Análise dos fundamentos jurídicos da igualdade de gênero no ambiente laboral, avaliando os progressos normativos e os obstáculos ainda presentes para a sua realização concreta. Examina-se a legislação vigente (internacional, constitucional e infraconstitucional) e diversas formas de discriminação.
1. Histórico do mercado de trabalho da mulher
A trajetória da mulher no mercado de trabalho é marcada por exclusões, preconceitos e conquistas. Historicamente, relegadas ao ambiente doméstico, as mulheres passaram a buscar o reconhecimento de seus direitos laborais, impulsionando profundas transformações na legislação e nas relações de trabalho
Durante a Revolução Industrial, no século XVIII, as mulheres começaram a laborar em fábricas, especialmente nos setores têxtil e de alimentos, em condições precárias e com salários inferiores aos dos homens. Essa participação, ainda que marginalizada, foi essencial para a construção da identidade da mulher trabalhadora
O papel exercido por parte das mulheres há séculos, como a maternidade, cuidados com a família e com a casa, entre outros, que, embora seja fundamental para a economia, não é remunerado e nem reconhecido. Além disso, há um problema acerva da discriminação da mulher em face do afastamento do trabalho devido à maternidade, bem como diferenças salariais com relação aos homens, maiores dificuldades para acessar posições de liderança e chefia, bem como a dupla e até tripla jornada de trabalho das mulheres.
Assim, a luta das mulheres pela igualdade no mercado de trabalho é histórica e reflete o processo de construção dos direitos fundamentais no Brasil e no mundo. Apesar de avanços legislativos, persistem desigualdades que impedem a plena efetivação do princípio da igualdade, previsto na Constituição Federal de 1988.
Dispositivos internacionais, constitucionais e infraconstitucional acerca da proteção da igualdade material entre homens e mulheres.
A Constituição Federal República Federativa do Brasil de 1988 superou um paradigma jurídico que declarava expressamente a organização patriarcal e a consequente preferência do homem em relação à mulher no locus da família. A Constituição Federal de 1988 é o marco jurídico da igualdade entre homens e mulheres, pois com ela desaparece a figura da chefia da sociedade conjugal e os privilégios que sustentavam a dominação masculina juridicamente.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consolidou importantes garantias de igualdade de direitos entre homens e mulheres. O artigo 5º, inciso I, estabelece a igualdade de todos perante a lei, o artigo 7º, inciso XXX, veda diferenças de salário, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo e o artigo 7º, XX protege o mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei.
Assim, os valores constitucionais que pregam a fraternidade, diversidade, pluralismo e a solidariedade social consagraram o princípio da não discriminação e da isonomia, impondo a tolerância. Nesse sentido, enaltece-se o sentimento de pertencimento e de identidade, relacionando-se com a democracia em sentido material.
Além disso, o Brasil é signatário de tratados internacionais que reafirmam o compromisso com a igualdade de gênero, como:
- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada pela ONU em 1979;
- Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente a Convenção nº 100 (Igualdade de Remuneração) e
- Convenção nº 111 (Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação).
Destaca-se que referidos tratados internacionais possuem hierarquia supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, devem respeitar a Constituição Federal, mas prevalecem diante da legislação infraconstitucional que disponham em sentido contrário aos seus preceitos, reforçando a obrigatoriedade de políticas públicas de igualdade no trabalho entre homens e mulheres.
Ademais, é importante ressaltar a Convenção 190 da OIT, que, apesar de não ter sido ratificada pelo Brasil, reconhece o assédio em razão do gênero como uma discriminação especial, pois a opressão manifesta-se de forma diferenciada em cada grupo minoritário, prevendo que é possível reconhecer um agravamento da situação de violência e assédio quando estes se dirigem à mulher.
Aliás, a violência sofrida no trabalho repercute no ambiente familiar da mulher, pois a mulher que está sofrendo um assédio no trabalho tem mais chance de demitir-se, o que influencia na sua aposentadoria e na renda familiar.
E, ainda, com relação às pessoas tuteladas pela Convenção 190 da OIT analisa-se um novo conceito de mundo do trabalho, incluindo o trabalho e o não trabalho, ou seja, desloca-se o assédio ocorrido no local de trabalho para o mundo do trabalho, no sentido de que o assédio moral e sexual relacionado ao trabalho, poderá ser reconhecido, ainda que não ocorrido no estabelecimento comercial. Cita-se o exemplo de um assédio moral ou sexual ocorrido fora do ambiente laboral, mas em decorrência do trabalho.
No âmbito infraconstitucional, cita-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que em seu capítulo III cuidou da Proteção ao Trabalho da Mulher e instituiu legalmente uma distinção para proteger especialmente as mulheres no que diz respeito às suas condições peculiares, como a gestação, o período pós-parto, a amamentação e o trabalho com peso.
Ademais, o artigo 461 da CLT, passou a vigorar a partir de 2023 com diversas alterações em prol do combate à discriminação da mulher no mercado de trabalho.
Além disso, ainda no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 9.029/1995 e a recente Lei nº 14.611/2023 (reforça a obrigatoriedade da igualdade salarial e critérios remuneratórios), complementam essas garantias, impondo sanções para práticas discriminatórias e exigindo a promoção da igualdade de oportunidades no âmbito profissional.
2. Formas de Discriminação
2.1. Discriminação Direta
Discriminar é tratar iguais de maneira desigual com base em motivos desqualificantes, de modo que somente a existência de algum motivo razoável para o tratamento desigual pode descaracterizar a discriminação.
Doutrinariamente se diz que o ato discriminatório traz consigo uma distinção ilegítima que promove diferenças entre duas pessoas ou entre dois grupos, o que contraria o princípio da isonomia, de envergadura constitucional (art. 5º, I, CR/88) e internacional (art. 1, da DUDH).
A discriminação direta ocorre quando uma pessoa é tratada de forma diferente e desfavorável em razão de características pessoais, como sexo, raça, religião, orientação sexual, entre outros. Esta forma de discriminação é explícita e facilmente identificável.
Exemplos de discriminação direta incluem a publicação em jornais ou outros dispositivos de acesso ao público de vagas de emprego exclusivas para homens, sem quaisquer justificativas legais, bem como vagas de emprego para mulheres, ressaltando a escolha de sua etnia ou mesmo a condição de que não esteja gestante. Tais práticas são facilmente contestáveis perante os tribunais, uma vez que violam princípios constitucionais e legais que garantem a igualdade de tratamento entre os cidadãos.
O art. 5º da Constituição Federal do Brasil, que assegura a igualdade de direitos entre todos os indivíduos, é um importante instrumento jurídico para combater a discriminação direta.
2.2. Discriminação indireta ou reflexa
A discriminação indireta ou reflexa encontra previsão normativa na Convenção nº 111 da OIT, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão (ratificada pelo Decreto nº 62.150/68), e uma das Convenções Fundamentais da OIT – “Core Obligation”. Segundo a norma internacional referida, o termo discriminação compreende toda distinção, exclusão ou preferência fundada motivo desqualificante, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
Discriminação indireta é, assim, aquela que decorre da existência de norma aparentemente neutra, mas geradora de discriminação quando aplicada. Em sentido mais abrangente, é a discriminação que decorre de uma medida pública ou privada que se pretende neutra, mas que, na prática, desfavorece um grupo vulnerável.
É criação do direito norte-americano, baseada na teoria do impacto desproporcional (disparate impact doctrine) ou impacto adverso. É também conhecida como discriminação por impacto adverso. Para outros, esta é apenas uma modalidade de discriminação indireta.
A teoria do impacto desproporcional (disparate impact doctrine) ou impacto adverso defende que, por violação do princípio constitucional da igualdade material, é inválida toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, cuja aplicação resulte efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas, ainda que não tenha tal finalidade quando da sua concepção, que é justamente a discriminação indireta.
Manifesta-se em processos organizacionais que se anunciam imparciais, mas que permitem a influência de subjetividade, a exemplo de processos seletivos que parecem oferecer oportunidades iguais aos candidatos, mas acabam por permitir a escolha de certos tipos de pessoas em detrimento de outros pertencentes a grupos estigmatizados.
Para que se caracterize a discriminação indireta é prescindível o elemento volitivo, ou seja, não é preciso que haja dolo, manifestado na intenção de discriminar.
Por exemplo, exigir altura para uma vaga de trabalho, sem justificativas pertinentes, pode afetar desproporcionalmente mulheres ou pessoas de certos grupos étnicos. A discriminação indireta é mais difícil de identificar, pois não é o tratamento desigual que é proibido, mas sim o impacto dele sobre grupos específicos.
Ocorre quando práticas discriminatórias são incorporadas de forma velada nas estruturas e processos organizacionais, muitas vezes sem que os envolvidos percebam. Pode ser observada em empresas em que há pouca promoção de mulheres ou minorias raciais, mesmo sem uma política explícita que as exclua. A cultura organizacional, muitas vezes patriarcal ou homogênea, perpetua desigualdades de maneira invisível.
No Brasil, a discriminação indireta é combatida por princípios constitucionais como o da igualdade material, que busca garantir oportunidades equitativas, sem que políticas aparentemente justas tenham efeitos desproporcionais.
2.3. Discriminação oculta
A discriminação oculta é um tipo de tratamento desigual caracterizado pela intencionalidade (não encontrada na discriminação indireta). A discriminação oculta é disfarçada pelo emprego de instrumentos aparentemente neutros, ocultando real intenção efetivamente discriminatória.
2.4. Discriminação institucional
A discriminação institucional é uma forma sistêmica de discriminação presente em organizações e instituições, em que políticas, práticas e estruturas reforçam desigualdades históricas. Esta forma de discriminação não é apenas um resultado de ações individuais, mas sim das normas e práticas estabelecidas que favorecem certos grupos em detrimento de outros.
No mercado de trabalho, a discriminação institucional pode ser observada em práticas que dificultam a ascensão de mulheres ou minorias raciais a posições de liderança, mesmo que essas práticas não sejam explícitas. Muitas vezes, as estruturas de poder são dominadas por grupos privilegiados, o que cria um ambiente desigual para aqueles que não pertencem a esses grupos.
A discriminação institucional exige mudanças estruturais, como a implementação de políticas de diversidade, inclusão e igualdade de oportunidades.
3. Políticas públicas e ações afirmativas/discriminações positivas
As políticas públicas voltadas à capacitação feminina, à inclusão de mulheres em setores estratégicos e à fiscalização do cumprimento da igualdade salarial são essenciais para alterar o cenário atual.
As ações afirmativas podem ser conceituadas como medidas transitórias de cunho legislativo, administrativo ou até mesmo privado, destinadas a neutralizar as desigualdades vivenciadas por grupos historicamente discriminados, não se limitando a estabelecer cotas, e sim também contemplando, por exemplo, incentivos fiscais e sistema de bônus. Por isso também são chamadas de discriminação positiva.
Como exemplos de ações afirmativas em relação ao mercado de trabalho da mulher cita-se, dentre outras:
1)- artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/97, que prevê que cada partido preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
2)- artigo 4º da Convenção da ONU sobre a Eliminação da Discriminação em face da Mulher de 1979, que prevê medidas especiais de caráter temporário por parte dos países signatários destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher, enquanto persistir a desigualdade substancial;
3)- artigo 373-A p.ú CLT, também prevê medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.
4)- artigo 17, §§7ª e 8º da CF, incluídos em 2022 na CF pela Emenda Constitucional nº 117, prevê que o montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas, deverão ser de, no mínimo, 30% (trinta por cento), proporcional ao número de candidatas, e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário.
5)- Lei nº. 14.457/2022, denominada “Lei Emprega mais Mulheres”, que traz diversas ações afirmativas em prol das mulheres no mercado de trabalho;
6)- Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), no seu art. 25, §9º, I, prevê que o edital da licitação poderá exigir que percentual mínimo da mão-de-obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica;
7)- Lei nº.14.683/2023, que instituiu o selo empresa amiga da amamentação concedido pelo Poder Executivo para estimular o desenvolvimento de ações de incentivo ao aleitamento materno. Visa ao cumprimento do art. 386 da CLT, que prevê a manutenção de locais, horário e condições adequadas para uso das mulheres lactantes para amamentação ou coleta de leite materno, execução de campanhas internas para conscientização da importância do aleitamento materno e iluminação de seus espaços com a cor dourada do mês de agosto. O selo será válido por 1 ano e pode ser utilizado em anúncios publicitário e embalagens;
8)- Lei nº. 14.151/2021, no seu artigo 1º, previu, no período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, que a empregada gestante deveria permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração;
9)- Lei nº. 13.872/2019, que prevê que as mães têm o direito de amamentar os filhos durante a realização de concurso na Adm. Pública Direta e Indireta dos Poderes da União.
Nesse sentido, também há decisões afirmativas em prol da proteção da mulher no mercado de trabalho na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), senão vejamos:
No RE-AgR 140.3904, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 386 da CLT, que estabelece a obrigatoriedade de o empregador organizar escala de revezamento quinzenal para que o repouso semanal remunerado das empregadas coincida com o domingo pelo menos uma vez a cada quinze dias, não sendo aplicável às mulheres a regra geral do art. 6º da Lei 10.101/2000, que estabelece a obrigatoriedade de o repouso semanal remunerado, nas atividades do comércio, coincidir com o domingo pelo menos uma vez a cada três semanas, mas sim a regra específica do art. 386 da CLT.
A decisão do Supremo Tribunal Federal reforça a noção de que as normas trabalhistas devem ser interpretadas à luz da realidade socioeconômica das trabalhadoras brasileiras, pois não há igualdade entre homens e mulheres no exercício de uma mesma atividade. Nos últimos anos, infelizmente, o que se viu foi o aprofundamento das desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Há que se registrar que esse cenário perdura desde 1943, data da criação da CLT, quando o legislador celetista lançou um olhar diferenciado sobre o trabalho da mulher, considerando especiais os aspectos físicos e sociais da trabalhadora, o que, por si só, torna o art. 386 da CLT atualíssimo. A decisão, sem dúvidas, é uma grande vitória para todas as trabalhadoras do Brasil que lutam para não perderem os direitos legalmente garantidos.
Nesse contexto, também decidiu o TST:
Prevalência do art. 386 da CLT em detrimento do art. 6º da Lei 10.101/2000 – julgamento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais - PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER - ART. 7º, XX, DA CF/88. TRABALHO AOS DOMINGOS NAS ATIVIDADES DO COMÉRCIO EM GERAL. APLICAÇÃO DA ESCALA DE REVEZAMENTO QUINZENAL PREVISTA NO ART. 386 DA CLT, que permanece intacto com a reforma trabalhista. Fundamentos: o ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha uma mulher trabalhadora" e "o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher; condição fisiológica da mulher e histórica exclusão do mercado de trabalho. a) o art. 7º, XX da Constituição prevê, entre os direitos fundamentais, a "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei", o que induz à relevância de preceitos de lei que viabilizem progressivamente o ingresso das mulheres no mundo institucional do trabalho, sem embargo do tempo maior que dedicam à reprodução, formação e sociabilização da força de trabalho. b) o art. 386 da CLT revela um estágio evolutivo na concretização do art. 7º, XX da Constituição que não comporta retrocesso se a restrição que se busca, por meio da atividade jurisdicional, não atende à exigência de ser "medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática" (art. 4º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais); c) a progressividade dos direitos humanos e fundamentais - prevista no art. 2º.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos e, na espécie, no caput do art. 7º da Constituição - reveste-se de caráter normativo e se submete ao controle jurisdicional; e) o critério da especialidade, entre aqueles que servem à resolução de antinomias entre normas jurídicas, não é oponível à prevalência do art. 386 da CLT, em lugar do art. 6º da Lei n. 10.101/2000, dado que é aquele, e não este, o dispositivo que veicula a norma especial, vale dizer: da norma generalíssima contida na Lei n. 605/1949, raiz de todo o debate, destacam-se os destinatários da Lei n. 10.101/2000 (art. 6º), ou seja, todos os trabalhadores do comércio, e, dentre estes, destacam-se as mulheres trabalhadoras no comércio em geral - tuteladas, com maior especificidade, pelo art. 386 da CLT (Processo: E-ED-RR - 619-11.2017.5.12.0054 Data de Julgamento: 02/12/2021, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 11/02/2022)”.
Outro exemplo de ações afirmativa, encontra-se no Tema 542 do STF, decidido em 2023, em que foi firmada a tese de que: “a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
Referido tema superou o Incidente de Assunção de Competência nº. 02 do TST, cuja tese, firmada em agosto de 2020, entendeu que a empregada temporária não teria direito à garantia provisória de emprego, não sendo aplicado a ela o item 244, III S. TST.
Foi reconhecida, ainda, pelo STF, a recepção do art. 384 da CLT pela Constituição Federal, em acórdão publicado 06/12/21 no tema 528 , com os seguintes fundamentos:
“O princípio da igualdade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discriminação apresentada e a razão do tratamento desigual (homens e mulheres são diferentes fisicamente/biologicamente).
A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a justificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma”.
Dessa forma, foi firmada a seguinte tese jurídica: “O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras”.
Importante salientar que a decisão do STF quanto à recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras” refere-se apenas às situações jurídicas anteriores à 11/11/2017. A partir de tal data, houve a revogação de tal norma com a Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017).
Conclusão
O direito à igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho é um princípio fundamental que encontra respaldo na Constituição e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, além da legislação infraconstitucional. Contudo, sua efetividade ainda depende de políticas públicas eficazes, de uma mudança cultural profunda e da responsabilização de práticas discriminatórias. O desafio contemporâneo é transformar a igualdade formal prevista em lei em igualdade real nas relações laborais.
A discriminação da mulher no mercado de trabalho constitui uma grave violação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Embora haja avanços legislativos relevantes, a realidade demonstra que a efetividade desses direitos depende de mudanças estruturais na sociedade e no ambiente organizacional. Urge a adoção de políticas públicas eficazes, campanhas de conscientização e mecanismos de punição rigorosos para práticas discriminatórias, a fim de promover um mercado de trabalho mais justo e igualitário.
Referências
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