Poderia a Fazenda Pública recorrer de sua própria decisão em processo administrativo tributário?

Poderia a Fazenda Pública recorrer de sua própria decisão em processo administrativo tributário?

Aborda a possibilidade de a Fazenda Pública recorrer de sua própria decisão, quando a si desfavorável, em sede de processo administrativo tributário.

Indaga-se a necessidade da existência daquilo que se chama de processo administrativo no âmbito do direito tributário, já que é direito do contribuinte levar a questão, mesmo com decisão administrativa definitiva, ao conhecimento do Poder Judiciário para que este se manifeste, mantendo ou modificando o que lá se concluiu.

O que se cogita e entendemos desta forma, é que o processo administrativo existe para que haja um controle da legalidade exercido pela própria Fazenda Pública, ao questionar ela mesma o lançamento e decidir acerca do crédito tributário perseguido.

Antevendo a legalidade dos próprios atos administrativos no que tange à cobrança desses créditos tributários estaria a Fazenda Pública evitando a propositura de infindáveis ações judiciais e, por conseqüência, condenações em sucumbência que onerariam muito o erário público.

Visa corrigir falhas na constituição de créditos tributários, sejam elas formais ou materiais, exercendo uma verdadeira atividade de autocontrole. Essa atividade deve seguir os estritos parâmetros da lei, sob pena de ser anulada, o que falharia em um de seus objetivos, que é evitar a atribulação do Judiciário com infindáveis execuções fiscais, restando à própria Administração a resolução desses conflitos.

Boa parte da doutrina entende que a existência do processo administrativo tributário serve para um controle interno de legalidade dos atos da própria administração pública e que, tal processo, guarda proteção aos basilares princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Leia-se Klaus Eduardo Rodrigues Marques:

“Trata-se, na verdade, de uma espécie de controle interno ou controle “desde dentro”, que se dá no âmago da própria Administração e que se diferencia do controle operado de fora, pelo Judiciário. São institutos jurídicos processuais distintos, que têm como principal diferença o fato do exercício da jurisdição ser realizado unicamente pelo Poder Judiciário”.1

Uma vez dado ao contribuinte exercer seu direito de defesa, o processo administrativo encontra autorização constitucional através do artigo 5º, inciso XXXIV, “a”, bem como inciso LV, onde a todos é assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra legalidade ou abuso de poder e à Administração é assegurada a legitimidade para atuar.

Nesse contexto, indaga-se se, decidido a favor do contribuinte um processo administrativo, anulando-se o lançamento, se teria a Administração o direito de recorrer ao Judiciário, já que é a própria Constituição Federal que assegura tal garantia no inciso XXXV de seu artigo 5º.

Em um primeiro momento, entendendo pela vedação à Administração Pública em recorrer ao Judiciário, concluiríamos pela inconstitucionalidade do ato, haja vista que o inciso XXXV do Artigo 5º não faz distinção de quem seria privilegiado pelo mandamento, aliás, direcionado a todos.

No entanto, não há que se cogitar a inconstitucionalidade.

No processo administrativo tributário, é a própria Administração quem exerce a função judicante. Quem decide é a própria Fazenda e não outro órgão, como o Poder Judiciário. Dizendo ela mesma, a Administração, se o lançamento deva ser anulado, ao recorrer ao Judiciário ela estaria impugnando seu próprio ato (desde que decisão contrária a si), ou seja, litigando em juízo contra si própria. Faltar-lhe-ía o interesse de agir e o processo judicial sucumbiria, pois ela seria autora e ré.

Este é o posicionamento de Eduardo Botallo: "as decisões administrativas em matéria tributária se apresentam, assim, em relação aos contribuintes, com feições distintas daquelas de que se revestem perante a própria Administração: no que diz respeito aos primeiros, tais decisões são sempre passíveis de revisão perante o Judiciário; quanto a esta, ao contrário (...), tais decisões são definitivas na medida em que geram, em benefício dos contribuintes, direitos subjetivos".2

No que tange aos precedentes judiciais, temos que já se manifestou o Ministro do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, nos autos do Recurso Especial nº 238.309:

“... Nestes autos, a União – que entende ser ilegal o lançamento de Imposto de Renda com base em extratos bancários, pede a reforma de decisão coincidente com tal entendimento. Vale dizer: a União quer que o Poder Judiciário substitua a própria vontade dela. Não alcanço o sentido de semelhante pretensão. A atividade jurisdicional move-se à base de interesse legítimo (moral ou econômico). Como ninguém pode ter interesse em ver contrariado seu próprio interesse, não tenho dúvida em declarar extinto este processo, por falta de interesse, ou – no dizer de nosso Regimento interno – por falta de objeto.”

Forçoso concluir, portanto, que não restarão feridos os princípios constitucionais ao negar à Administração Pública questionar, no Judiciário, sua própria decisão exarada no âmbito do processo administrativo tributário quando contrária a si, já que, tendo optado em exercer o direito que a própria Constituição lhe assegura, a ele deve estar adstrito e cumprir fielmente o que ela mesmo decide.

Entender o contrário seria aplicarmos uma impropriedade processual no contexto do processo civil, restando defeituosa a relação processual autor/réu/juiz, já que teríamos o réu substituído pela própria figura do autor.

Ademais, a existência do processo administrativo tributário desafoga as prateleiras do Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que controla a legalidade dos próprios atos da Administração Pública (controle interno), dando maior consistência na constituição do crédito tributário, desde que obedecidos todos os parâmetros legais e constitucionais.

REFERÊNCIAS

1. MARQUES, Klaus Eduardo Rodrigues. O duplo grau no processo administrativo e a exigência de depósito para admissibilidade de recursos administrativos em matéria fiscal. In coletânea Processo Administrativo Tributário, coordenação Marcelo Viana Salomão e Aldo de Paula Júnior, São Paulo: MP Editora, 2005

2. BOTTALLO, Eduardo, Processo Administrativo Tributário, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 190.

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Paulo Rogério Westhofer
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