Discriminação social, racial e de gênero no Brasil
A autora, com fulcro na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aborda a temática da discriminação social, racial e de gênero no Brasil, fazendo inclusive, uma crítica à discriminação velada.
O racismo e a discriminação a qualquer título são abomináveis aos olhos daqueles que vivem a verdadeira humanidade e que tratam aos outros com igualdade, respeito e amor independente da cor, da raça, do sexo, da idade, da profissão, etc...
O Brasil é um país de cultura escravocrata e com grande miscigenação de raças, fatores estes que contribuíram para a existência de diversidades de culturas, valores e crenças. Somando-se a isso encontramos as desigualdades oriundas dos vários anos de exploração econômica do proletariado, aos 350 anos de escravidão negra e da subseqüente abolição sem a acolhida no mercado de trabalho dos negros e sem que fossem propiciadas as condições mínimas para eles subsistissem; além das desigualdades relativas às mulheres, aos idosos e às crianças, que também foram oprimidos durante a longa conquista da cidadania no Brasil.
O Ministério do trabalho lançou um documento chamado: " Brasil, Gênero e Raça" em que distingue Racismo, Preconceito, Estereótipo e Discriminação.
Racismo [1] é a ideologia que postula a existência de hierarquia entre grupos humanos, que no caso em tela pode ser traduzida na pretensão da existência de uma certa hierarquia entre negros e brancos. Segundo Ferreira [2], o racismo é a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças, podendo representar ainda o preconceito ou discriminação em relação à indivíduos considerados de outras raças.
Preconceito [3] é uma indisposição, um julgamento prévio negativo que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos. Compulsando a obra de Ferreira [4] aprendemos que preconceito é uma idéia pré-concebida ou mais precisamente, a suspeita, a intolerância e a aversão a outras raças religiões e credos.
O Estereótipo [5] consiste em um atributo dirigido a determinadas pessoas e grupos que funciona como uma espécie de carimbo ou rótulo, que retrata um pré-julgamento. As pessoas rotuladas são sempre tratadas e vistas de acordo com o carimbo que recebem em detrimento de suas verdadeiras qualidades.
A Discriminação [6] é a denominação atribuída a uma ação ou omissão violadora do direito das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como: raça, sexo, idade, crença, opção religiosa, nacionalidade, etc... FERREIRA [7] define a discriminação como sendo o tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc...
O racismo é crime inafiançável e imprescritível segundo o art. 5º inciso XLII da Constituição Federal, o qual ganhou efetividade através das leis nºs. 7.716/89 e 9.459/97 e do livre acesso à justiça assegurado constitucionalmente, bem como da assistência judiciária gratuita.
A discriminação ocorre com maior freqüência contra a raça negra e mais precisamente em relação aos negros pobres, se agravando contra as mulheres, crianças e idosos negros e pobres.
Embora haja na nossa legislação diversas fontes e recursos de combate contra a discriminação e o racismo para que haja eficácia nessa batalha, é necessário a existência de uma consciência [8]. Faz-se mister que aqueles que são discriminados estejam conscientes da discriminação sofrida e reajam de forma inequívoca contra seus discriminadores, inclusive denunciando-os à justiça.
Por outro lado, é necessário que o povo brasileiro crie uma consciência das discriminações que existem no Brasil, eis que, comumente a sociedade nega a ocorrência de discriminações atribuindo eventuais casos que caem no domínio público a comportamentos isolados de pessoas inescrupulosas.
Ocorre que, as discriminações existem e são reais e devem ser encaradas como fatos concretos que precisam ser combatidos e resolvidos, não bastando a mera maquiagem da realidade que por si só é discriminatória e corrobora para o crescimento do preconceito, do racismo, dos estereótipos e das discriminações sociais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos [9] em seu artigo I, preconiza que:
"todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade e que sendo dotados de consciência e razão devem agir de forma fraterna em relação aos outros."
A Constituição da República Federativa do Brasil [10] consagra referidos princípios (igualdade, liberdade, fraternidade) no artigo 5.º:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Nesse dispositivo constitucional está inserido o princípio da isonomia que significa que todos (brasileiros e estrangeiros, brancos e negros, adultos, idosos e crianças, homens e mulheres, ricos e pobres,) são iguais perante a Lei, sem qualquer distinção.
Há que se ressaltar aqui a "imprecisão" dos legisladores que ao desejarem alcançar a perfeição e cercar de proteção toda a população brasileira, se olvidaram dos estrangeiros que vem ao país temporariamente, seja a turismo ou a trabalho. Entretanto, por extensão os Tribunais tem assegurado a eles todos os direitos e garantias fundamentais de nossa Carta Magna e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Os principais direitos humanos fundamentais são a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.
A igualdade em nossa legislação não está restrita ao gênero masculino, é para todos, independente de sexo:
"CF/88. Art. 5º...
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição."
Ao ler esse artigo que trata do direito de igualdade das mulheres lembramos da conquista da cidadania feminina, da igualdade de direitos e deveres existente entre homens e mulheres, da proibição da discriminação em razão do sexo(gênero), do direito de acesso aos cargos públicos pelas mulheres e da garantia que a classe feminina ganhou para escolher e exercer livremente toda e qualquer profissão.
Na mesma esteira de pensamento e proteção, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, estabeleceu a proibição da tortura e da humilhação de todo e qualquer indivíduo, independente de sexo, raça, cor, idade, etc...
"Art, 5º...
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;"
Reconhecendo que o Brasil é um país de muitas faces, com diversas religiões, culturas e povos, cada qual preservando suas crenças específicas e em respeito a essa diversidade, os legisladores asseguraram constitucionalmente a liberdade de crença e de culto religiosa, ratificando os dizeres da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
"Art 5º...
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;"
A fé é um direito precioso que está atrelado aos valores de cada ser humano e muitas vezes confunde-se com sua própria identidade e motivação para viver.
Não haveria liberdade e igualdade, nem exercício pleno da cidadania e tão pouco direito de expressão se houvesse repressão ao direito de crença e culto religioso.
Por outro lado, existia o perigo, iminente, da retaliação aos que manifestassem suas crenças e realizassem seus cultos e para resolver a questão os constituintes preconizaram:
"Art.5º...
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;"
Destarte, se alguém por motivos de crença religiosa, convicção filosófica ou política estiver impossibilitado de cumprir obrigação legal, não precisará se privar de suas crenças e convicções mas deverá cumprir prestação alternativa.Ex: Os protestantes de sétimo dia que não votarem aos sábados deverão justificar sua ausência ou então pagar a multa.
Pensar em igualdade e combate á discriminação envolve a proteção à privacidade, à dignidade e à honra.
É cediço que o tempo não retroage e que as feridas ainda que cicatrizem, deixam marcas que podem ser permanentes, marcas estas que retratam a dor moral que surge quando o ser humano tem sua privacidade, honra e dignidade atingidas pelo preconceito e pela discriminação.
A dor moral não tem remédio mas pode ser aliviada, compensada pela punição do autor do ato ilícito, compensação esta que traz um certo alívio para quem recebe a indenização e coíbe o infrator para que não reincida em suas infrações. A indenização por danos morais, bem como a por danos materiais está claramente disciplinada na Constituição de 1988, no art. 5º, X :
"Art 5º...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"
Observe ainda que a CF/88, artigo. 3º, ao dispor sobre os objetivos fundamentais do Estado afirma categoricamente que são objetivos da República Federativa do Brasil:
?A construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
?Assegurar o desenvolvimento nacional;
?Erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduziras desigualdades sociais e regionais;
?Promover o "bem de todos" (não fala em bem comum), sem preconceito de raça, sexo, cor, idade, nível cultural, nacionalidade ou qualquer outra espécie de preconceito, combatendo a discriminação.
Fica claro que o Brasil tem interesse em combater o racismo e toda e qualquer espécie de discriminação para construir um país mais justo e solidário, onde os cidadãos participem ativamente do governo, seja através de seus representantes, seja através da fiscalização e do controle das ações dos políticos e governantes.
O combate ao racismo e a discriminação devem estar presentes na consciência do povo brasileiro, inclusive a nível internacional, isto é, em suas relações no exterior e em seu relacionamento com os estrangeiros (art.4º da CF/88) eis que dentre os objetivos da política brasileira nas relações internacionais destacam-se a Prevalência dos Direitos Humanos;
a Igualdade entre os Estados, a Defesa da Paz e o Combate ao Racismo e ao terrorismo, bem como a Integração econômica, social política e cultural com os povos da América Latina (Mercosul).
Observa-se, entretanto, que apesar de toda a legislação e facilidades de acesso à justiça, o preconceito e a discriminação continuam a existir e ferir injustamente os negros, afro-descendentes, as mulheres, os idosos, as crianças, os pobres e miseráveis.
A tratar da discriminação e preconceito racial, Valente [11] nos lembra que:
"...em todo lugar e a todo momento, atitudes de preconceito e de discriminação acontecem. Mas as pessoas fingem não ver e preferem não discutir esse fato. As conversas sobre o assunto são evitadas. No Brasil é comum ouvir-se: Aqui não temos esse tipo de problema! Brancos, índios e negros vivem na mais perfeita harmonia!"
Conclui-se que não basta haver uma legislação protetiva, acesso à justiça e diversas ações afirmativas que tenham por objetivo combater o preconceito e a discriminação, é necessário falar sobre o assunto, conscientizar a população de que o preconceito e a discriminação existem e de que não são corretos, nem normais e que aqueles que praticam a discriminação devem ser denunciados e punidos.
O silêncio e a aceitação da discriminação como fato natural, além de conduzir à impunidade, retratam o conformismo e retardam a conquista efetiva da cidadania dos discriminados.
[1] Brasil, Gênero e Raça. Ministério do Trabalho. In: http://www.mp.os.gov.br
[2] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini-Aurélio século XXI: O Mini Dicionário da Língua Portuguesa, coord. ANJOS, Margarida dos e FERREIRA, Marina Baird et aut. 4ª ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 2.000.p. 578.
[3] Brasil, Gênero e Raça. Ministério do Trabalho. In: http://www.mp.os.gov.br
[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini-Aurélio século XXI: O Mini Dicionário da Língua Portuguesa, coord. ANJOS, Margarida dos e FERREIRA, Marina Baird et aut. 4ª ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 2.000.p. 551.
[5] Brasil, Gênero e Raça. Ministério do Trabalho. In: http://www.mp.os.gov.br
[6] Brasil, Gênero e Raça. Ministério do Trabalho. In: http://www.mp.os.gov.br
[7] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini-Aurélio século XXI: O Mini Dicionário da Língua Portuguesa, coord. ANJOS, Margarida dos e FERREIRA, Marina Baird et aut. 4ª ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 2.000, p. 239.
[8] SILVA, Zacarias Anselmo da Combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação social. Natal/RN, 2.001 in http://www.mp.pr.gov.br/gt_racismo/artigos_doutrina/combate_racismo.pdf , acesso em 24/03/2005 às 23hs20.
[9] Declaração Universal dos Direitos Humanos.
[10] Constituição da República Federativa do Brasil.8ª ed.São Paulo: Revista dos Tribunais,2003
[11] VALENTE, Ana Lucia E. F., Ser negro no Brasil hoje.11ed. rev. e amp.Coleção Polêmica.São Paulo: Moderna, 1994, p.07.