A responsabilidade dos provedores de internet pela publicação de terceiros (2025)

A responsabilidade dos provedores de internet pela publicação de terceiros (2025)

Até que ponto, para se preservar o direito de liberdade de imprensa, seria permitida aos órgãos formadores de opinião (TV, Rádio, Internet e outros) a divulgação de dados que possam denigri outrem, sem que antes tais dados fossem realmente confirmados.

1. INTRODUÇÃO

O mês era março do ano de 1994, a Escola denominada BASE, localizada no Bairro da Aclimação na cidade de São Paulo. Estes dados dizem respeito a um dos mais emblemáticos casos noticiados, pela mídia nacional, que ao final se comprovou serem totalmente falsas as imputações difundidas pela mídia televisiva. Naquela época os danos da Escola BASE e um funcionário foram injustamente acusados de abuso sexual. Como consequência, gerou-se uma revolta na opinião pública sem precedentes, que culminou no encerramento das atividades da escola, além dos traumas sofridos pelos proprietários do estabelecimento de ensino.

Por que citar este caso marcante da mídia nacional? É neste contexto, que este artigo se desenvolverá procurando demonstrar a relevância no cuidado na divulgação de informações na Internet tendo em vista o conflito existente entre os direitos constitucionais da liberdade de manifestação versus direito à privacidade, o papel dos provedores de hospedagem e de conteúdo com base na Lei nº 12965/2014 (Marco Civil da Internet) e a possibilidade da aplicação da responsabilidade civil.

Este trabalho não focará na definição de conceitos ou termos básicos da internet, pois estes são de conhecimento público e acessível a todos. No entanto, será trabalhado o conceito e entendimento do que vem a ser provedor de hospedagem e de conteúdo, uma vez serem estes os focos da abordagem desta pesquisa.

A internet dos dias atuais não é a mesma da década de 90. Atualmente o Brasil tem milhões de cidadãos conectados à rede mundial, diferente do início dos anos 90 quando esta havia sido disponibilizada, inicialmente, para a pesquisa em algumas universidades. Em 1995 a internet começou a ser disponibilizada para a população brasileira em geral.

Diferente da época em que ocorreu o caso das Escola BASE, em que a internet começava a adquirir contornos de rede mundial de popularização da informação, a mídia responsável por difundir os fatos ocorridos, naquela instituição de ensino, foi a televisiva e esta não possuía os mesmos contornos, abrangência e mobilidade, que hoje estão presentes na internet. 

Hoje tem-se disponíveis tablet, smartfone, rede móvel de internet e muitos outros recursos, que tornam a propagação possível em poucos segundos e com o simples contato dos dedos nas telas de cristal líquido destes equipamentos.

Devido a isso, este estudo demonstrará que os efeitos da exposição e divulgação da intimidade na internet tendem causar estragos incomensuráveis nas vidas dos envolvidos e por conta disso o Judiciário e a Legislação deverão ser céleres ao ponto de garantirem uma resposta ao demandante, na mesma proporção que a exposição se alastra pelo mundo virtual.

Será debatido também o conflito entre o direito constitucionais da liberdade de imprensa e livre manifestação, e o direito à privacidade/intimidade. Em análise a este choque existente, procurar-se-á demonstrar que existe sim a necessidade de se punir também os provedores, objetos deste estudo, pela falta efetiva de filtros ou mecanismos que permitam uma análise célere ou cientificação clara dos autores quanto às responsabilidades de publicações ofensivas, pejorativas e ou depreciativas. 

No entanto, também será demonstrado que apesar dos grandes avanços trazidos pela Lei do Marco Civil da Internet (Lei nº 12965/2014) este mesmo dispositivo garante a isenção de responsabilidade dos provedores, respeitados os requisitos definidos na lei.

Dessa forma, mesmo de encontro ao texto da Lei nº 12965/2014, este estudo demonstrará que não pode correr a sobreposição de uma garantia constitucional coletiva (liberdade de impressa/manifestação) em desfavor do direito à privacidade/intimidade. Assim sendo surge a necessidade de uma análise mais criteriosa deste dispositivo e, possivelmente, como consequência sua revisão.

2. METODOLOGIA

A pesquisa estruturou-se principalmente nos estudos Da Constituição Federal de 1988, Código Civil de 2002, Código de Defesa do Consumidor de 1990 e, principalmente, os artigos 18 e principalmente art. 19 da Lei nº 12965/14, não se excluindo, é claro, os demais dispositivos legais que contribuirão para sustentar os objetivos desejados nesta pesquisa. Também se realizou uma interpelação dialética da bibliografia disponível, artigos, estudos mais aprofundados e decisões das Cortes Superiores.

3. APARENTE CONFLITO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS

Inicialmente é importante esclarecer o entendimento quando à privacidade e à intimidade. Para algumas jurisprudências e vários autores, não existe a distinção entre privacidade e intimidade. Todavia, há alguns estudiosos que afirmam que o direito a intimidade faz parte do direito a privacidade, sendo este último mais abrangente do que aquele. 

Neste sentindo tem-se em Ferreira Filho (1997, p. 35) o seguinte entendimento: “intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto que a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc”.

Apesar do entendimento de Ferreira Filho este estudo analisará a privacidade e intimidade como sinônimas, sem distinção entre ambas.

Iniciando o estudo sobre o possível conflito de garantias constitucionais tem-se que Constituição Federal de 1988 (CF/88) consagrou em seu art. 5°, inciso IX, a livre expressão da atividade intelectual, artística e outros, independentemente de censura ou licença. 

Também nossa Carta Magna, mas à frente, em seu art. 220, §1º, regula que nenhuma lei conterá dispositivos que criem embaraços à plena liberdade de informação jornalística, respeitados os incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º desta (Grifo nosso). Além destes dois dispositivos têm-se também o caráter constitucional dado relações de consumo, conforme se vê no Art. 5º, XXXII, que regula “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

É possível observar a existência clara que um colisão entre o direito à liberdade de imprensa, o direito à privacidade e a proteção à relação de consumo, pois ao analisar o art. 18 e art. 19 da Lei nº 12965/14, observa-se que o legislador focou apenas na proteção à liberdade de imprensa, não demonstrou preocupação com as demais garantias constitucionais. Também, o Legislador constituinte foi bem claro ao definir no art. 220, 1º da CF/88 que fica vedado o anonimato, sendo garantido o direito à indenização, bem como protegidas a intimidade, vida privada, honra e imagem.

É sabido e não existem dúvidas que o papel da imprensa é essencial para a manutenção do Estado democrático de direito, mas isso também não significa uma permissão para se divulgar tudo e a qualquer custo.

O poder de formação de opinião que existe tanto da imprensa quanto da TV também está presente na internet, contudo nesta existe um agravante, ou seja, nela é possível ao usuário responsável pela postagem/publcações anexar fotos, áudios, vídeo e outros, o que contribui grandemente para elevar os efeitos causados com suas publicações. Por conta disso, até que ponto seria admissível a ausência de filtros ou a análise de conteúdos publicados na internet relacionados a terceiros, e que comprometam a imagem, a honra e dignidade de uma pessoa.

Visando destacar e elevar ainda mais a importância do direito à privacidade, não poderia deixar de ser citado Moraes (2007, p. 48) que argumenta: “a proteção constitucional consagrada no inciso X do art.5° refere-se tanto a pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas, etc)”. 

Privacidade é a capacidade que qualquer indivíduo possui de controlar a exposição e a disponibilidade de informações acerca de si, ou seja, está intrinsecamente relacionada com a capacidade de existir na sociedade.

Para Larissa Savadintzky (2006. p. 02), “A intimidade e a privacidade são consideradas no Direito Civil brasileiro como direitos da personalidade e, segundo a nossa Constituição, como um direito fundamental”.

Seguindo este mesmo raciocínio o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 221 em que esta egrégia corte reconhecer como forma de proteção ao direito da intimidade/privacidade que são passíveis de terem que ressarcir o dano causado a outros, quando da publicação pela impressa, tanto o autor do ato quanto o veículo responsável pela divulgação.

Súmula 221 - São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação. (Súmula 221, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/1999, DJ 26/05/1999. (Grifo nosso)

Em que pese alguns doutrinadores entenderem que a interpretação extensiva enfraquece os dispositivos legais, pois o significado da norma é ampliado, passando a englobar mais objetos do que seu sentido literal, no caso da súmula citada é imperioso que a análise do termo imprensa, seja ampliada englobando assim os outros diversos meios de comunicação, neste caso a internet. Essa extensão do entendimento decorre da necessidade de ser entender o quanto é importante a correta compreensão da responsabilidade civil e quem deveria ser sancionado pela lei.

De acordo com Maria Helena Diniz a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz a requerimento do interessado, adotará as medidas cabíveis e necessárias para impedir ou fazer cessar o ato contrário a esta norma. Contudo, com a velocidade com que se divulga informações na internet, será que o judiciário também está preparado para dar a resposta na mesma rapidez? Depois que a informação foi “jogada” na rede, os estragos causados são incomensuráveis e como consequência os reparos e retrações dificilmente surtirão algum efeito.

4. OS PROVEDORES DE INTERNET FRENTE A LEI Nº 12965/2014

Como já dito anteriormente o objetivo deste trabalho não é conceituar as várias modalidades e provedores de internet existente, ainda mais que tais definições estão disponíveis na internet bem como a Lei do Marco Civil da Internet, bem como esgotar o tema. Para fins didáticos será apenas diferenciado o que é provedor de serviços de acesso, provedor de hospedagem e provedor de conteúdo ou de aplicação de internet. 

Este é o que presta o serviço o qual disponibiliza ao usuário a possibilidade de publicação e compartilhamento de informações, como exemplo tem-se os sites do UOL e o Terra. O provedor de hospedagem é aquele que oferece dois serviços distintos: o armazenamento de arquivos em um servidor e a possibilidade de acesso a tais arquivos; no Brasil pode-se citar como exemplos desta modalidade de provedor as plataformas prontas como o YouTube e redes sociais (Facebook, Twitter, Google+ e outros). Já o primeiro, é apenas um intermediário, ou seja, é o que possibilita de forma técnica a conexão do usuário à internet.

De acordo com o art. 10, §1º da Lei nº 12965/14, o provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput mediante ordem judicial, ou seja, não havendo nenhuma ordem judicial contrária, os dados constante de um provedor não deverão ser divulgados. Percebe-se neste dispositivo, como se vê logo à frente, que o legislador procurou garantir uma proteção a intimidade, a honra e a imagem do indivíduo frente a sua vulnerabilidade na internet.

Ora, o caput do art. 10 do mesmo diploma legal é bem claro ao afirmar que a proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem devem ser garantidos, in verbis.

Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso as aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

§ 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º. (Grifo nosso)

O que dizer então quando um usuário, valendo-se das diversas formas de se navegar/explorar a na internet, utilizando-se do anonimato, divulga na internet informações que possibilitem identificar certa pessoa, sendo tais informações falsas e por consequência de tal ato, tem-se malucada, “depredada”, manchada e destruída a honra, intimidade e outros direitos individuais de um cidadão?

A própria CF/88 em seu art. 5º, inciso IV, estabelece que é livre a manifestação de pensamento, contudo fica vedado o anonimato. Percebe-se o quanto é emblemático o que é regulado em tal dispositivo e o que vem a ser definido como responsabilidade dos provedores, pela Lei do Marco Civil da Internet.

Da mesma forma que a CF/88 protege a liberdade de expressão ela também veda o anonimato. Então como fica o papel dos provedores de hospedagem e de conteúdo, quando de forma anônima ou com dados (perfis) que não permitam a identificação do autor, é postada em uma página informações falsas que firam a intimidade de um cidadão?

A Lei nº 12965/14 é bem categórica ao afirmar que em seu art. 18 que os provedores de conexão (acesso à internet), não serão responsabilizados civilmente por danos causados por terceiros. No entanto, logo no art. 19 da mesma lei é estabelecida uma exceção a esta regra, qual seja, ao provedor de aplicação (provedor de conteúdo) somente poderá ser responsabilizado civilmente por dano, apenas, quando recebendo uma ordem judicial específica, como a de tornar indisponível tal publicação, este não a cumpra. Como pode observar:

Art. 18.  O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

O que se está discutindo é, principalmente, esta questão frente a velocidade que se espelha as informações na internet, pois é sabido que o judiciário não acompanha o mesmo ritmo. Como então fica a liberdade de expressão e direito a intimidade, quando se fala de internet e judiciário lento.

No próximo título discutir-se-á a aplicação do art. 18 e art. 19 frente ao Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que o legislador quando da edição da Lei nº 12965/14 não considerou julgados do STJ.

5. A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA APLICABILIDADE AOS PROVEDORES

No Código Civil Brasileiro a responsabilidade civil está prevista no art. 927, o qual determina que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Visando uma melhor análise do referido artigo, torna-se necessário compreender corretamente o conceito de ato ilícito também trazido pelo art. 186 do mesmo diploma legal. Este regula que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Grifo nosso).

Ora senhores, observem como é gritante e contraditório o que é previsto na Lei do Marco Civil da Internet, ao definir a não responsabilização dos provedores por publicações de terceiros (art. 18) e as regras definidas no art. 19. Quando se analisa a proteção aos direitos individuais incumpridos na CF/88, bem como o que é definido no art. 927 e art. 186 do CC 2002, e art. 12 do CDC, deparamos com uma incógnita. Seria legal a não responsabilização direta do provedor, pelo simples fato do legislador entender tal questão, sem, contudo, levar em conta dispositivos como a CF/88, CC 2002 e o CDC?

Quanto a esta questão, inicialmente o STJ já tem julgados pacificando serem relações de consumo a existente entre os provedores e os usuários, mesmo que seja de forma gratuita. Segundo a própria Ministra Nancy Andrighi, no REsp. 1186616/MG, ja modulou a aplicação da responsabilidade do provedor de objetiva para subjetiva, ou seja, vê-se que o julgador, analisando a literalidade de lei, adequou-o para a realidade.

EMENTA CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇAO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇAO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇAO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇAO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. 3º, 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site , sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo .7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que registra o número de protocolo (IP) na internet dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet8. Recurso especial provido. 

É possível analisar neste julgado e conforme as palavras de LIMA (2015, p. 172) que “Assim, entendia-se suficiente a notificação extrajudicial do ilícito.”, e não a notificação judicial prevista hoje no art. 19 da Lei nº 12965/14.

Também verificando alguns julgados do STJ, em especial o citado anteriormente, tem-se que a conduta tanto do provedor quando de um terceiro, que propaga falsas informações de outrem na internet, estaria sim enquadrada na prática de ato ilícito, pois a amplitude da rede mundial de computadores vai causar reflexos altamente negativos daquela vítima. Quanto à conduta do autor da propagação das informações falsas, sua responsabilidade não resta dúvida. Todavia, com a edição da lei do Marco Civil da Internet, o que se pode dizer da responsabilização do provedor.

Analisando o art. 186 do CC 2002 percebe-se claramente a possibilidade da responsabilidade do provedor, uma vez que tal dispositivo regula que o ato ilícito é aquele que por ação ou omissão viola direitos e causa danos a outrem. Dessa forma fica claro que não caberia ao provedor alegar isenção de responsabilidade, pelo simples fatos de terceiros terem utilizado de seu “espaço” para ofender outrem, pois ficou bem claro no art. 186 que o mesmo ato ilícito pode ser praticado por ação ou omissão.

Inicialmente não resta dúvida de que a relação entre o provedor e o usuário é de consumo, pois primeiro atua como fornecedor (art. 3º do CDC), ao passo que o segunda figura como consumidor (art. 2º do CDC), adquirindo ou utilizando o serviço prestado como destinatário final.

Quanto a forma de responsabilidade tem-se que a subjetiva é aquela que depende da existência de dolo ou culpa por parte do agente causador do dano. Desta forma, a obrigação de indenizar e o direito de ser indenizado surgem apenas se comprovado o dolo ou a culpa do agente causador do dano. Já a responsabilidade objetiva não depende da comprovação do dolo ou da culpa do agente causador do dano, apenas do nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado à vítima, ou seja, mesmo que o agente causador não tenha agido com dolo ou culpa, deverá indenizar a vítima.

É importante enfatizar que existe sim a responsabilidade dos provedores de internet (art. 18 da Lei nº 12965/14), contudo ela ocorreria apenas quando os mesmos deixassem de cumprir ordem judicial, que os determinava excluir o conteúdo ofensiva vinculado a outrem.

No entanto, como foi possível observar neste estudo, o que se questiona é se na atual conjuntura de “todos” e em todos os lugares estarem conectados em tempo real, através da internet, se é cabível uma responsabilidade dos provedores apenas quando estes deixassem se cumprir uma ordem judicial.

Segundo dados recentes[1] o mundo possui 3,2 bilhões de pessoas conectadas à internet e no Brasil, 58%[2] da população brasileira usam a rede mundial de computadores. Vê-se que um simples toque na tela de um celular, com rede móvel de internet, pode resultar em estragos estrondosos na vida de qualquer pessoa, vítima de autores inconsequentes.

6. CONCLUSÃO

A Lei do Marco Civil da Internet foi um grande avanço, principalmente nas proteções ofertadas aos usuários no quesito garantia da manutenção do serviço e segurança contra a suspensão dos serviços de forma irregular. Também é importante enfatizar que a liberdade de imprensa é uma das maiores expressões do Estado Democrático de Direito.

Contudo, da mesma, do outro lado da “linha” tem-se o cidadão comum que pode vir a ser vítima de publicações ou exposições na internet que venham a macular sua vida privada e profissional.

Até que ponto, para se preservar o direito de liberdade de imprensa, seria permitida aos órgãos formadores de opinião (TV, Rádio, Internet e outros) a divulgação de dados que possam denigri outrem, sem que antes tais dados fossem realmente confirmados.

A própria Lei nº Lei nº 12965/2014, em seu art. 21, regulou que os provedores responderão por publicações de terceiros de forma subsidiária quando ocorrer a violação da intimidade pela divulgação de imagens, vídeos ou qualquer outro material que contenha cenas de nudez ou atos sexuais. O legislador definiu com critério para estabelecer a responsabilidade ou não o descumprimento da notificação por parte do participante ou seu representante.

Na atual conjuntura com um Judiciário assoberbado[3] de processos, que tonam humanamente impossível sua análise pelos Magistrados, exigir que a vítima procure a Tutela Jurisdicional a fim de que este expeça uma ordem judicial determinando ao provedor tirar do ar uma publicação dita ofensiva, seria algo inviável devido a rapidez com que a internet prolifera as informações.

Entende-se que a Lei do Marco Civil da Internet deveria ter criado mecanismo mais efetivos que levariam tanto o provedor quanto o autor de uma postagem a ficarem mais atentos acerca de suas atividades.

De forma alguma este trabalho defende mecanismos de censura ou filtragem de postagens, mas acredita que a legislação deveria ter definido também que a “vítima” através de seu advogado, poderia inicialmente notificar o provedor acerca de uma postagem ofensiva envolvendo seu cliente, ao mesmo tempo que também demandaria a tutela jurisdicional, para fins judiciais. É claro que aquela pessoa que demandar o provedor alegando, em tese, suposta ofensa em postagem e ao final esta não se comprovar, a este caberia em contrapartida uma responsabilização por crimes de denunciação caluniosa e ou comunicação falsa de crime, conforme se vê nos dispositivos já existentes no Código Penal Brasileiro, em seus art. 339 e art. 340.

Diante do que se viu é possível concluir que existem mecanismos que possibilitem a coibição de conduta ilícitas tanto por conta dos provedores por falta de controle, quanto dos autores ou até mesmo das supostas vítimas.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República: Casa Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 jun. 2017.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República: Casa Civil, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 20 jun. 2017.

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 11 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm >. Acesso em: 27 jun. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal Militar. Súmula nº 221. Brasília, 1999. SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/05/1999, DJ 26/05/1999. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?materia=%27DIREITO%20CIVIL%27.mat.> . Acesso em: 20 set. 2017

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1186616/MG. Relator: ANDRIGHI, Nancy. TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe31/08/2011. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21078237/recurso-especial-resp-1186616-mg-2010-0051226-3-stj/inteiro-teor-21078238?ref=juris-tabs>. Acesso em: 22 set. 2017.

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LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. [on-line]. v. 110: São Paulo, 2015. p. 155 – 176 jan./dez. 2015. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/115489>. Acesso em: 22 set. 2017

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VINHA, Pedro. Responsabilidade civil pelo fato da imprensa. Curitiba: Juruá, 2001.

[1] Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/mundo-tem-32-bilhoes-de-pessoas-conectadas-internet-diz-uit.html>. Acesso em: 19 set. 2017.

[2]  Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2016-09/pesquisa-mostra-que-58-da-populacao-brasileira-usam-internet>. Acesso em: 19 set. 2017.

[3]  O Poder Judiciário brasileiro encerrou 2015 com quase 74 milhões de processos em tramitação, com o ingresso de 27.280.287 novos casos e 28.479.058 ações baixadas. (...) Nos tribunais superiores, esse índice é de 7.703, enquanto na Justiça Federal ficou em 2.169. A Justiça Estadual registrou 1.804 casos por magistrado e a Justiça do Trabalho, 1.279. (...) Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83680-em-media-cada-magistrado-soluciona-7-3-processos-por-dia-no-brasil.>Acesso em: 21 set. 2017.

Sobre o(a) autor(a)
Umberto Peluso
Graduado com licenciatura plena em História e bacharel em Direito, com aprovação no XXVIII Exame de Ordem Unificado da OAB, realizado em 2019. Pós-graduado em Educação a Distância, Direito e Processo do Trabalho, Direito...
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