Despesas discricionárias e obrigatórias e o Novo Arcabouço Fiscal (2024)
Elucida o conceito de despesas discricionárias e obrigatórias e a sua aplicação ao âmbito do Poder Judiciário. Alude ao Novo Arcabouço Fiscal e a sua relação com essas despesas. Demonstra a necessidade da área jurídica se concatenar com as vicissitudes econômicas.
As despesas realizadas pelo Governo podem ser classificadas como obrigatórias ou discricionárias, adotando-se como critério a liberdade que o Governo tem para executá-las.
As despesas obrigatórias são aquelas em que o Governo é obrigado, por determinações legais ou constitucionais, a executar, por exemplo, o pagamento de salários e aposentadorias, bem como de encargos da Dívida Pública. Não há como o Governo não realizar o pagamento, a não ser que sejam tomadas decisões administrativas ou que as leis que baseiam essas despesas sejam alteradas.
Por outro lado, as despesas discricionárias são aquelas em que é franqueado ao gestor público decidir pela oportunidade de seus pagamentos.
Embora não sejam impostas na Carta Magna ou em outra lei, as despesas assim chamadas são fundamentais para permitir o bom desempenho do serviço público e possibilitar a realização de políticas públicas, o financiamento de pesquisas e o investimento em infraestrutura.
As despesas discricionárias do Poder Judiciário são dedicadas, em geral, à manutenção do funcionamento do órgão com insumos de informática, comunicação, capacitação, engenharia, segurança e outros, que variam conforme a demanda, a disponibilidade de recursos financeiros e as prioridades da Administração.
Um baixo percentual de despesas discricionárias pode indicar uma rigidez do Orçamento Público, devido à pequena margem de ação dos gestores em relação ao gasto governamental.
Em um estudo do Superior Tribunal de Justiça sobre o Orçamento daquele órgão à época da vigência do antigo Teto de Gastos (EC n.º 95/2016), destacou-se que o crescimento persistente das despesas obrigatórias restringiria as despesas discricionárias a níveis críticos e que os gastos do Poder Judiciário são, sobretudo, com pessoal.
Em um seminário sobre Orçamento do Poder Judiciário, realizado em 2023 no Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Alexandre de Moraes corroborou esse entendimento ao afirmar que “sobra muito pouco para investimento, efetivamente. Os nossos orçamentos são feitos buscando sempre o pagamento de pessoal”.
Assim, somando os gastos com benefícios aos servidores e os gastos com pessoal, já se percebia, no estudo citado, o comprometimento de uma parcela de 86% (oitenta e seis por cento) do orçamento médio do Poder Judiciário com despesas obrigatórias.
Desde o início da vigência do Teto de Gastos (EC n.º 95/2016), as despesas obrigatórias passaram a consumir a maior parte dos recursos, enquanto as despesas discricionárias (investimentos em novas obras, por exemplo) não só estagnaram como decresceram.
Essa foi uma constatação apontada em diversos estudos e com a qual se preocupou o Novo Arcabouço Fiscal, ao estipular, no § 2º do art. 7º da Lei Complementar n.º 200/2023, que “o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública é de 75% (setenta e cinco por cento) do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual”, ou seja, em caso de contingenciamento, apenas 25% (vinte e cinco por cento) das despesas discricionárias poderiam ser cortadas com o intuito de preservar a máquina pública.
Segundo o caput do art. 7º da Lei Complementar n.º 200/2023,
Não configura infração à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, relativamente ao agente responsável, desde que:
I - tenha adotado, no âmbito de sua competência, as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública; e
II – não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com as vedações previstas nos arts. 6º e 8º desta Lei Complementar.
Os arts. 6º e 8º do Novo Arcabouço Fiscal, por sua vez, fazem referência ao descumprimento das metas estipuladas pelo Governo Federal (art. 5º da LC n.º 200/2023) e, ainda, ao atingimento da proporção de 95% (noventa e cinco por cento) entre a despesa primária obrigatória e a despesa primária total, resultando no dever de o agente responsável, nesses casos, adotar as medidas descritas no art. 167-A da Constituição Federal, entre as quais destacamos a vedação da:
I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;
II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:
a) as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;
b) as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;
c) as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 desta Constituição; e
d) as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;
V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV deste caput; (...).
Assim, do exposto, podemos concluir, nas palavras de PACELLI (2024), que
“As Finanças Públicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado. No entanto, a disciplina jurídica e normativa é eminentemente prática, ao passo que a ciência das finanças é especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a permanente interação com os outros campos do conhecimento formal e da realidade que se interpenetram”.
Observa-se, portanto, que compete ao agente público acompanhar a movimentação da economia e o desenvolvimento do Governo, a fim de alinhar a gestão orçamentária aos resultados econômicos e, assim, melhor gerir as despesas do órgão.
O conhecimento acerca das despesas, a sua classificação e o Novo Arcabouço Fiscal são instrumentos essenciais para os servidores públicos que atuam na área orçamentária, permitindo-lhes o acompanhamento de notícias e publicações que sejam pertinentes e auxiliem na gestão orçamentária dos tribunais.
REFERÊNCIAS
JUNIOR, Márcio de Oliveira; SANT’ANA, Paula Ramalho Nóbrega. Impactos do Novo Regime Fiscal sobre o Superior Tribunal de Justiça: uma previsão a partir do histórico de execução orçamentária. Caderno de Finanças Públicas, Brasília, v. 20, n. 3, p. 1-34, jan. 2021. Disponível em: <https://publicacoes.tesouro.gov.br/index.php/cadernos/article/view/117/84>. Acesso em: 2 maio 2024.
Novo Arcabouço fiscal. Câmara dos Deputados, 2023. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/novo-arcabouco-fiscal/index.html>. Acesso em: 2 maio 2024.
PACELLI, Giovanni. Administração Financeira e Orçamentária. 6. ed. São Paulo: Juspodivm, 2024, p. 49.
Seminário debate os desafios da gestão orçamentária no Poder Judiciário. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2023. Disponível em: <https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/seminario-debate-os-desafios-da-gestao-orcamentaria-no-poder-judiciario.htm>. Acesso em: 2 maio 2024.