Alimentos gravídicos (Lei 11.804/08)
Esta lei disciplina o direito a alimentos à gestante durante sua gravidez. Discutiremos aqui as polêmicas em relação a lei, a subjetividade atribuída ao juiz, os artigos revogados e o exame de DNA para o reconhecimento da paternidade.
Alimentos gravídicos são aqueles devidos a mulher na constância de sua gravidez. De acordo com o disposto pela Lei 11.804 de 2008, que veio inovar neste sentido, estes alimentos compreendem "os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes".
Antes da vigência da Lei em questão, o Código Civil, a Lei de Alimentos e a Lei que regulamenta a investigação de paternidade não previam o período anterior da concepção da criança e, por isso, os alimentos só eram fixados após o nascimento do bebê. A criação desta nova norma pretende atender as necessidades da mulher na constância de sua gravidez, possibilitando o custeamento das despesas até o parto, inclusive com consultas, atendimentos pré-hospitalares, alimentos especiais, internações, medicamentos, etc.
O equilíbrio das necessidades da gestante e do suposto pai deve sempre existir, para que não se condene o pagamento de tal pensão por quem não possa, sendo que a outra parte tem condições suficientes para fazê-lo. Assim esta lei continua afirmando que tais despesas devem ser divididas entre as partes.
A Lei 11.804/08 beneficia, inclusive, as pessoas que não estão amparadas pela situação do casamento, posto que não há objeção da prestação dos alimentos nestes casos, desde que hajam provas e indícios fortes da paternidade.
São devidos tais alimentos desde o despacho da petição inicial e, após o nascimento da criança, serão convertidos em pensão alimentícia. Por isso deve o juiz fixar estes alimentos na data em que despachar a petição inicial.
A Lei de alimentos (5.478/68) exigia, para que estes fossem prestados, a comprovação da relação de parentesco ou da obrigação alimentar. Hoje a relação de parentesco deve ser admitida por presunção à critério do juiz.
Polêmica
A polêmica causada por esta Lei surge no que tange à falta de prova real do reconhecimento da paternidade para a fixação dos alimentos. O juiz não tem base fundamentada da paternidade, uma vez que a Lei não prevê a necessidade de estarem os supostos pais casados. Com isso, abre-se espaço à subjetividade do juiz que poderá, de acordo com a sua percepção, decidir se os alimentos serão ou não fixados.
O artigo 1.597 do CC dispõe acerca da presunção da paternidade, afirmando-se presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; b) nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Desta forma, se os alimentos gravídicos são requeridos pela gestante que se enquadre em uma dessas hipóteses, o juiz deve entender que tal paternidade é presumida.
O artigo 6° da Lei 11.804/08 dispõe que "convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré". Seu parágrafo único, por sua vez, institui que "após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão".
Indenização
O projeto de Lei prescrevia que a mulher que propunha a ação contra quem acreditava ser pai de seu filho, caso este não o fosse, poderia ser processada e, por isso, deveria pagar indenização àquele que, por ora, havia sido condenado ao pagamento dos alimentos durante sua gestação.
O artigo que estabelecia expressamente a configuração da indenização por danos morais e materiais no caso da negativa de posterior investigação da paternidade, como observaremos abaixo, foi vetado e, com isso, tornou esta Lei mais cruel ainda. Assim, a gestante não se enquadrará nenhuma pena por ter requerido alimentos em face de alguém que não é o legítimo pai de seu filho e, por assim ser, o magistrado deve, mais uma vez, agir com grande cautela e certeza para não arriscar e prejudicar uma das partes.
Exame de investigaçãoAcredita-se que o exame de paternidade intra-uterino é muito perigoso para o bebê, que poderá sofrer lesões na região do crânio, posto que apresenta uma maior sensibilidade por estar em formação e, por consequência, pode comprometer a gestação.
O exame de DNA amniótico representa grande risco, conforme já alertaram muitos estudiosos. Amniocentese é a coleta do líquido amniótico, que é o fluído que envolve o embrião e preenche a bolsa amniótica, e que contém as células fetais. Tal exame só pode ser realizado após a 14° semana de gravidez, sendo que a bolsa amniótica se forma na segunda semana da gestação.
Por configurar perigo ao feto, tal possibilidade foi vetada pela Lei em questão e, por isso, a presunção de paternidade é realizada única e exclusivamente pelo juiz de direito, que deverá analisar o caso concreto.
Artigos e parágrafos vetadosDentre as determinações vetadas estão a necessidade de uma audiência inicial, como instrução sumária, a fim de discutir as provas e indícios da paternidade, e os exames periciais para caso a paternidade fosse contestada pelo suposto pai. Segue as redações dos artigos vetados e suas respectivas razões de veto:
Art. 3° Aplica-se, para a aferição do foro competente para o processamento e julgamento das ações de que trata esta Lei, o art. 94 da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
“O dispositivo está dissociado da sistemática prevista no Código de Processo Civil, que estabelece como foro competente para a propositura da ação de alimentos o do domicílio do alimentando. O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência.”
Art. 4° Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades.
“O dispositivo determina que a autora terá, obrigatoriamente, que juntar à petição inicial laudo sobre a viabilidade da gravidez. No entanto, a gestante, independentemente da sua gravidez ser viável ou não, necessita de cuidados especiais, o que enseja dispêndio financeiro. O próprio art. 2° do Projeto de Lei dispõe sobre o que compreende os alimentos gravídicos: ‘valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive referente à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis (...)’. Esses gastos ocorrerão de qualquer forma, não sendo adequado que a gestante arque com sua totalidade, motivo pelo qual é medida justa que haja compartilhamento dessas despesas com aquele que viria a ser o pai da criança.”
Art. 5° Recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas e requisitar documentos.
“O art. 5° ao estabelecer o procedimento a ser adotado, determina que será obrigatória a designação de audiência de justificação, procedimento que não é obrigatório para nenhuma outra ação de alimentos e que causará retardamento, por vezes, desnecessário para o processo.”
Art. 8° Havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor dependerá da realização de exame pericial pertinente.
“O dispositivo condiciona a sentença de procedência à realização de exame pericial, medida que destoa da sistemática processual atualmente existente, onde a perícia não é colocada como condição para a procedência da demanda, mas sim como elemento prova necessário sempre que ausente outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia.”
Art. 9° Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu.
“O art. 9° prevê que os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. Ocorre que a prática judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não-existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato citatório. Dessa forma, o auxílio financeiro devido à gestante teria início no final da gravidez, ou até mesmo após o nascimento da criança, o que tornaria o dispositivo carente de efetividade.”
Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos.“Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.”
Aplicação da lei
Esta lei começou a ser aplicada em novembro de 2008 e, no entanto, como já era previsto, cada magistrado a está aplicando de forma diversa. Antes da publicação desta lei já haviam entendimentos no sentido de serem ou não cabíveis tais alimentos e, desta maneira, a nova norma reguladora dos alimentos gravídicos vêm apenas para dirimir estas discussões existentes.
Tendo a lei permitido o livre convencimento do juiz ao fixar tais alimentos, percebe-se que na prática o resultado da demanda dependerá do magistrado selecionado para julgar o processo. Com isso, muito provavelmente os julgamentos não serão isonômicos, porque discriminarão a vontade do juiz bem como seu próprio entendimento sobre o tema.
Assim, como finais considerações em relação a Lei dos alimentos gravídicos, podemos expor que ela se apresentará com os seguintes critérios:
a) Critérios para a fixação dos alimentos: a necessidade da gestante e a possibilidade do suposto pai; b) Foro competente: domicílio do alimentado, ou seja, da autora da ação; c) Pressuposto: indícios da paternidade; d) Resposta do réu: o suposto pai poderá contestar a ação em até 5 (cinco) dias; e) Duração: período da gestação, pois o nascimento com vida converterá os alimentos gravídicos em pensão alimentícia; f) Incidência dos alimentos: são devidos desde o despacho da petição inicial.
Referências bibliográficas
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