Discussão sobre a legalização do aborto de feto anencéfalo

Discussão sobre a legalização do aborto de feto anencéfalo

Deve ser considerado aborto quando o feto é anencéfalo? Discussão acerca das posições divergentes a respeito da criminalização deste fato, tendo em vista os conceitos conflitantes de morte e vida.

A anencefalia é uma má-formação congênita, isto é, uma anomalia que se configura pela ausência total do cérebro. Discute-se muito se o aborto, nesta qualidade, deveria ou não configurar crime.

Considera-se aborto a interrupção da gravidez, com ou sem expulsão do feto, da qual decorre a morte do nascituro. Em nosso Código Penal esta prática é considerada crime quando provocada pela gestante ou quando provocada por terceiro com ou sem o consentimento da gestante, conforme disciplinada dos artigos 124, 125 e 126 do CP.

O objeto jurídico deste crime é a vida do feto, mas conforme expõe o jurista Guilherme Nucci, trata-se da vida útil e viável. O aborto é um crime sim! Mas aí devemos entrar no tocante do conceito de morte. Para o Direito Penal o que vale é a morte clínica caracterizada pela parada cárdio-respiratória, já para a Lei 9434/97, mais recente, que trata dos casos de transplante de órgãos, o conceito de morte é disciplinado respeitando o critério da morte cerebral.

A Resolução n° 1.752/04, do Conselho Federal de Medicina, afirma que o ser proveniente da gestação anencéfala não tem como escapar de uma fatal parada cárdio-respiratória durante as primeiras horas após o parto, como também posterior a isso. O feto anencéfalo não possui expectativa de vida pois, por não possuir cérebro, é cientificamente provada sua impossibilidade de viver. O fato é que não se conhece nenhum adulto que tenha sobrevivido a essas circunstâncias.

De forma extraordinária a lei permite a prática do aborto no artigo 128 do Código Penal, o qual dispõe que a ilicitude não fica caracterizada no caso de aborto necessário, ou seja, quando não há outro meio de salvar a vida da mulher ou no caso da gravidez ter sido resultado de estupro, desde que o aborto tenha sido consentido pela gestante ou, se for incapaz, pelo seu representante legal.

A tentativa de se discutir o assunto não é para viabilizar o aborto de qualquer feto que poderá apresentar uma anomalia, mas sim inibir o sofrimento de uma mãe que trará consigo em seu ventre por 9 meses uma criança sem expectativa de vida e que, embora soe forte, caracterizaria uma tortura psicológica. Imagine a seguinte situação:

Amiga da mãe diz: Que maravilha!!! Você está grávida.

Mãe responde: Estou sim, mas meu bebê é anencéfalo e eu não poderei vê-lo crescer, pois irei perdê-lo momentos depois de ver seu rosto.

Esse é um exemplo do que poderia acontecer. A discussão existe e para toda discussão deve haver justificativas plausíveis. Se a mãe realmente quer ter a oportunidade de ver seu filho, ela poderá optar por ter viabilizada sua gravidez, caso contrário, ela deveria ser autorizada a cometer o aborto a fim de não postergar seu sofrimento.

Sabe-se que as pessoas em melhor situação financeira têm acesso a médicos particulares que, mesmo sendo contrário a lei, providenciam o término desta gravidez, posto que o sofrimento que a mãe sofre é irreparável. Já as mulheres que se enquadram na classe menos privilegiada de nosso país não têm esse recurso pois têm que recorrer ao serviço médico público, que de fato não irão transpor leis, burlando assim seu próprio sistema. Este sofrimento pode trazer consequências graves a saúde psicológica da mulher.

Fundamentos Jurídicos

O artigo 5°, inciso III da Constituição Federal determina que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Este artigo traduz um dos direitos e garantias fundamentais amparados pela nossa Carta Magna. O direito a vida é outra garantia fundamental, mas aí adentramos novamente à discussão de se a vida do feto anencéfalo pode ser considerada, posto que não é viável. Valendo dizer que se amparados pela Lei do transplante de órgãos este nascituro já será considerado morto.

É direito da mãe, por sua vez, ter preservada sua dignidade humana, sua integridade física e psíquica. As consequências trazidas por uma gestação nestas condições são eternas.

Outros princípios e garantias fundamentais que devem ser observados são o da liberdade e autonomia da vontade, direitos estes que são básicos e irrenunciáveis de toda e qualquer sociedade que se diga democrática. A submissão da gestante à vontade estatal que denega seu pedido de interrupção de parto de feto anencéfalo resulta em violência ao que se trata os princípios elencados, posto que fere a integridade física, moral e psicológica.

A discussão perante o STF vai ser árdua, posto que ocorreu um caso singular da menina Marcela que mesmo classificada como anencéfala viveu por 1 ano e 8 meses. Ocorre que Marcela não apresentava a ausência total do cérebro e por isso, pode manter suas funções vitais por todo este tempo. Marcela sofria de uma má-formação do crânio, cientificamente chamada de encefalocele, caracterizada pelo desenvolvimento reduzido do cérebro, ou seja, microcefalia. A anencefalia, como já mencionada, é caracterizada pela ausência total do cérebro e da caixa craniana, sem possibilidade de sobrevivência.

Conclusão

É impossível falar para uma mãe não amar seu filho, e com o nascimento este amor só cresce. Se por opção dela, este sofrimento deve ser extinto, deve-se atender seu apelo tomando por critério a decisão por livre arbítrio, pois mesmo sabendo os riscos que pode correr a gestante deve decidir o caminho a ser seguido. Só encerro esta coluna com algumas questões que serão dignas de reflexão.

Como fica o psicológico de uma gestante ao saber que não será necessário comprar roupinhas para seu filho? Ou que nunca poderá vê-lo jogar bola? Que nunca ouvirá ele chamar "mamãe"?

Sabendo, a todo instante, que este poderia ser o último.

Referências Bibliográficas

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Editora RT. 2006.

JusNavigandi - Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5167, acessado em 06 de agosto de 2008.

DireitoNet - Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/23/25/2325/, acessado em 06 de agosto de 2008.

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Monografias.com - Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos2/legalidade-do-aborto/legalidade-do-aborto.shtml, acessado em 06 de agosto de 2008.

Globo - Disponível em http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/08/06/tumulo_de_bebe_que_nasceu_com_anencefalia_vira_ponto_de_romaria_-547594052.asp, acessado em 06 de agosto de 2008.

Sobre o(a) autor(a)
Natália Droichi de Almeida
Advogada, formada pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). Estuda para concursos da Magistratura do Trabalho e Defensoria Pública do Estado.
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