Tipos de aborto e a problemática do aborto de fetos anencéfalos

Tipos de aborto e a problemática do aborto de fetos anencéfalos

Mostra as classificações referentes aos tipos de abortos existentes em nosso ordenamento jurídico e a divergência em duas posições sobre a aplicação deste tipo de aborto eugênico de fetos anencéfalos.

1. Tipos de Aborto

Em relação a essa tipificação, primeiramente irá ser detectado os tipos de aborto contidos no Código Penal, onde essas modalidades de aborto se classificam em auto-aborto (art.124 do Código Penal), aborto provocado sem o consentimento da gestante (art.125 do Código Penal), aborto provocado com o consentimento da gestante (art.126 do Código Penal), aborto qualificado (art.127 do Código Penal) neste tipo estão classificados quando aos meios empregados para provocar o aborto ou quando desse aborto resultar a lesão corporal grave ou gravíssima ou ainda quando resultar na morte da grávida. E o último tipo de aborto tipificado no Código Penal, será a modalidade do aborto necessário ou legal (art.128 do Código Penal), neste caso essa exceção que não constitui crime será obtida pelo médico se não houver outro meio de salvar a vida da gestante (denominado de aborto necessário), ou então quando o aborto no caso de gravidez resultante de estupro (denominado de aborto sentimental ou Humanitário).

Segundo Capez (2007) e Mirabete (2005), esses são os crimes de aborto tipificados no ordemanento jurídico brasileiro, sendo que esses são proibições explicitas do cometimento desse ato ilícito em relação ao bem jurídico tutelado, ou a exceção explícita na lei de quando poderá ser praticado o aborto.

Porém ainda existem outras modalidades de aborto que não estão tipificadas no Código Penal, mais sim nas doutrinas existentes em relação aos crimes contra a vida no que tange ao tema do aborto, existindo ai o aborto eugenésico ou piedoso, neste caso, esta modalidade de aborto será realizada para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável, segundo Capez (2007), logo não é permitido na legislação brasileira e configura crime de aborto, onde essa expressão Eugenia, significa purificação das raças, onde este tema será o fundamento primordial para a análise do aborto anencéfalo, pois o que realmente vai ser de suma importância será a preservação da vida da gestante e do psicológico desta, onde essa aplicação dada através de laudos médicos da condição de sobrevida do feto. Significará a aplicabilidade deste tipo de aborto, visando garantir o bem-estar social e psicológico da cada gestante, sendo hoje em dia discutido por duas correntes em relação ao assunto.

Ainda existe outra modalidade de aborto não tipificada na legislação, que será o aborto social ou econômico, este segundo Capez (2007), será cometido no caso de famílias muito numerosas, em que o nascimento agravaria a crise financeira e social, aumentado o problema social denominado de miséria, onde pelo entendimento de Jesus (2000) haverá crime de aborto neste caso.

Portanto, essas duas modalidades não contidas na legislação brasileira, são de grande análise pelos doutrinadores, visando no que tange ao aborto eugenésico por anencefalia, um assunto de grande divergência pela jurisprudência no sentido de aplicar ou não.

2. Conceito de Anencefalia

A anencefalia é uma má formação que faz parte dos defeitos de fechamento do tubo neural. Quando o defeito se dá na extensão do tubo neural, acontece a espinha bífida. Quando o defeito ocorre na extremidade distal do tubo neural, tem-se a anencefalia, levando ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio. O defeito, na maioria das vezes, é recoberto por uma membrana espessa de estroma angiomatoso, mas nunca por osso ou pele normal. A anencefalia é uma má formação incompatível com a vida. Apenas 25% dos anencéfalos apresentam sinais vitais na 1ª semana após o parto. A incidência é de cerca de 2 a cada 1.000 nascidos vivos. O seu diagnóstico pode ser estabelecido mediante ultra-sonografia entre a 12ª a 15ª semana de gestação e pelo exame da alfa-fetoproteína no soro materno e no líquido amniótico, que está aumentada em 100% dos casos em torno da 11ª a 16ª semana de gestação. A gravidez do feto anencéfalo resulta em inúmeros problemas maternos durante a gestação. A FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia enumera tais complicações maternas, dentre elas: eclampsia, embolia pulmonar, aumento do volume do líquido amniótico e até a morte materna.

3. Aplicação e Divergências na Legislação Brasileira

Em relação ao estudo sobre o aborto anencéfalo, o que se têm demais importante nas jurisprudências, está no sentido da aplicabilidade deste, pois por ser considerado um aborto eugênico ou piedoso este visa à interrupção da gravidez por ter sido comprovado por laudo médico a má formação ou a enfermidade incurável da criança que virá a nascer. Dessa maneira, este tipo de aborto mesmo não estando tipificado na legislação brasileira terá importância, visando à saúde física e psíquica da mulher, pois seria inadmissível exigir que a gestante suporte a gravidez até o seu termo, com todas as conseqüências e riscos que até mesmo uma gravidez normal acarreta, para que, depois do nascimento, ocorra inevitavelmente a ocisão fetal.

Assim, através das grandes divergências surgem duas correntes em relação a esse tipo de aborto, a primeira defende a aplicação do aborto, por garantir o direito à vida da gestante conforme o art.5º, caput da Constituição Federal de 1988 e também para garantir a saúde física e psíquica da mulher, não vindo a confrontar com o direito a vida do feto, pois este já foi diagnosticado por laudo médico que não possui capacidade de viver ao nascer, podendo vir a causar uma gestação indesejada e com altos riscos a mulher, essa corrente é defendida por alguns juízes em seus julgados, onde através de todas as circunstâncias acabam dando à liminar e garantindo o aborto anencéfalo. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou ausência de perfusão sanguínea cerebral, tendo respaldo na Resolução 1.480 de 08 de Agosto de 1997 e também na sua Resolução 1.752/04.

Em relação a segunda corrente esta defendida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), diz que esse tipo de aborto é vedado, sendo inconstitucional, vindo a confrontar de forma direta com os direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988. Onde recentemente o Supremo Tribunal Federal derrubou liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio de Mello ao pedido da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de nº. 54, para a antecipação terapêutica da gravidez de anencéfalos, baseado nos princípios constitucionais da liberdade e preservação da autonomia da vontade, da legalidade, do direito a saúde e da dignidade da pessoa humana. Logo, essas condutas não são necessárias, já que o ato é atípico e se a conduta não é típica, não há que se cogitar de ilícito penal.

Conforme o Ministro Marco Aurélio de Mello, a interrupção da gravidez no caso de feto anencéfalo não caracteriza aborto, porque não há expectativa de vida fora do útero. De acordo com o Ministro. Joaquim Barbosa do Supremo Tribunal Federal, “o feto anencefálico, mesmo estando biologicamente vivo (porque feito de células e tecidos), não tem proteção jurídica”. Segundo o Professor Claus Roxin, a vida vegetativa não é suficiente para fazer de algo um homem e com a morte encefálica termia a proteção à vida. A própria lei de Transplante de órgãos (lei 9.434/97), ao fixar como momento da morte do ser humano a morte encefálica, reforça esse argumento.

Dessa forma, o feto desde sua concepção até o momento que se constatou clinicamente a anencefalia, era merecedor de tutela penal, pelo pressuposto da existência de vida. Mas, a partir do momento em que se comprovou a morte encefálica, deixou de ser amparado pelo art.124 do Código Penal.

A conclusão tida em relação ao exposto é tida pelo motivo da inexistência de vida deste feto com anencefalia, e tendo ainda que se constatar a atipicidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, por não haver bem jurídico a ser tutelado, desde que comprovada e registrada por no mínimo 2 laudos médicos, possibilitando-se, assim, à gestante, a opção de antecipação terapêutica do parto deste anencéfalo.

Portanto, a grande divergência está em aplicar ou não este tipo de aborto, tendo nos julgados casos que adotam a corrente que permite os casos que utilizam a aplicação deste, pois o intuito desta exposição visa mostrar detalhadamente alguns julgados e mostrar as duas correntes na prática, sendo que pela preservação da saúde da mulher será de maior importância mostrar a adoção da corrente que entende ser viável a aplicação do aborto anencéfalo, tendo esta aplicação em alguns julgamentos tidos no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como exemplo o julgamento de liminares dando a concessão do aborto anencéfalo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do

Brasil. Brasília, DF: Senado, 2005.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Deferimento de pedido de medida cautelar. ADPF 54.Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde. Relator: Marco Aurélio. 01 jul. 2004.Disponível em: <http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nphbrs?d=ADPF&s1=anencefalia&u=http://www.stf.gov.br/Processos/adi/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=ADPFN&p=1&r=1&f=G&n=&l=20>Acesso em 16 maio. 2008.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal; parte geral. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2008. v. 1.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal; parte especial. 7. ed. São Paulo, Saraiva, 2007. v. 2.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 15. ed. São Paulo, Saraiva, 2008.

FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), Rio de Janeiro. 2006. Disponível em <www.febrasgo.org.br/> Acesso em 16 maio. 2008.

FRANCO, Geraldo Francisco Pinheiro apud SÃO PAULO. Comarca de Campinas. Autorização de Interrupção de gravidez. Processo nº 000/1999. Maria Maria Maria e MinistérioPúblico. Relator: José Henriques Rodrigues Torres. 23 abr 1999. Disponível em:<http://www.jep.org.br/downloads/JEP/Abortamento/voto_aborto_maria_maria_maria_torres.htm> Acesso em 16 maio. 2008.

HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979. v. 5.

JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 10. ed. São Paulo, Saraiva, 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. São Paulo, Atlas, 2005.

WIKIPEDIA, Contribuidores da. Interrupção da Gravidez. Wikipédia: a Enciclopédia livre,2006.Disponívelem:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Interrup%C3%A7%C3%A3o_da_gravidez> Acessoem 16 maio. 2008.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar A. R. C. Curso de Direito Processual Penal, Salvador, Jus Podivm, 2008.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1999.

Sobre o(a) autor(a)
João Paulo Bentes Martins
João Paulo Bentes Martins, sou formado pela Universidades Estácio de Sá , com especialização em ciências criminais pela Universidade Cândido Mendes , e doutorando em direito penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA),e sempre...
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