Direitos fundamentais: Colisões e conformações

Direitos fundamentais: Colisões e conformações

Nos casos de conflitos entre direitos constitucionalmente protegidos, o intérprete e, especialmente, o magistrado, deverá valer-se do princípio da proporcionalidade para aferir qual o direito deverá prevalecer no caso concreto.

Introdução

A dignidade da pessoa humana é o grande vetor do Estado Democrático de Direito, de forma que os direitos, deveres estatais devem ser instituídos com a finalidade de proteger e dar maior eficácia a esse fundamento constitucional.

Desse modo, o objetivo da Constituição Federal é estabelecer a estrutura do Estado juntamente com a organização de seus órgãos, a forma de aquisição do poder e o seu respectivo exercício, os limites de sua atuação, assegurando os direitos e garantias individuais. Além disso, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-econômicos do Estado, e, especialmente, os fundamentos dos direitos sociais.

Ocorre que, ao disciplinar, os vários direitos fundamentais e a estruturação do Estado, a Constituição Federal trouxe regras aparentemente conflitantes.

Nos casos de conflitos entre direitos constitucionalmente protegidos, o intérprete e, especialmente, o magistrado, deverá valer-se de mecanismos para aferir qual o direito deverá prevalecer no caso concreto.

Colisões entre direitos fundamentais

Muitas vezes, estaremos diante de um conflito entre direitos fundamentais ou entre um direito fundamental e um outro direito constitucional. Nesses casos, será necessário indagar se esse direito fundamental em colisão visa proteger a dignidade humana.

Em casos em que o direito fundamental colidir com um direito relacionado à segurança do Estado, a indagação acima se mostra ainda mais pertinente, de forma que se a resposta for afirmativa, estaremos diante de um caso em que a segurança do Estado sucumbirá ao direito fundamental em questão. No entanto, se a resposta for negativa, poderemos afirmar que haverá casos em que a segurança do Estado poderá sobrepor-se a um direito fundamental, tendo em vista a proteção da sociedade como um todo.

Nesse sentido, cabe trazer à colação o ensinamento de Fábio K. Comparato, que, ao analisar a restrição à publicidade de dados do governo, fez a seguinte reflexão[1]:

Em primeiro lugar, num Estado de Direito republicano, a segurança da sociedade e do Estado não pode sobrepor-se ao princípio da dignidade da pessoa humana (Constituição, art.1º.). Um Estado totalitário é capaz de manter-se em condições de segurança absoluta durante certo tempo; mas ninguém ousará sustentar que ele defende, com isso, a dignidade humana.

Em segundo lugar, mesmo nas hipóteses em que, longe de todo acobertamento de crimes, as autoridade públicas são admitidas a manter segredo sobre certos fatos para a preservação da segurança do Estado e da sociedade, compete a elas provar, caso a caso, a legitimidade do sigilo, pois que se trata de uma exceção ao princípio da publicidade de todos os atos oficiais (Constituição, art.37, caput), e o ônus da prova incumbe, sempre, àquele que invoca a exceção contra o princípio de direito”.

É certo que não existem direitos fundamentais absolutos. Havendo o conflito entre direitos fundamentais ou mesmo entre estes e outra disposição constitucional, caberá ao intérprete proceder à compatibilização entre os mesmos, mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, levando-se em conta o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Diversas vezes também nos deparamos com conflitos relacionados à proteção constitucional ao sigilo da correspondência, que vem esculpida no art. 5º, XII, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

O sigilo da correspondência também tem proteção dada pelo Código Penal, que, em seu art. 151, tipifica o seguinte fato:

"Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Parágrafo 1º. Na mesma pena incorre: I – quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói".

O direito ao sigilo de correspondência está inserido no rol dos direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e tem como fundamento a proteção da intimidade das pessoas, especialmente no tocante ao direito de liberdade de se comunicar sem que seja revelado a terceiros o conteúdo das mensagens.

Pelo artigo 60, §4º, da Constituição Federal, os direitos fundamentais individuais são considerados cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser abolidos pelo legislador constituinte reformador e, muito menos, pelo ordinário.

Embora não possam ser abolidos, os direitos fundamentais podem ser limitados pelo legislador infraconstitucional, notadamente, nos casos em que a própria Carta Magna assim determinar.

O inciso XII em comento prevê expressamente que o legislador ordinário poderá restringir o sigilo das comunicações telefônicas “por meio de ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

O dispositivo constitucional exige um maior rigor nos casos de interceptações telefônicas para fins de investigações criminais, estabelecendo que a regulamentação dessa medida restritiva deverá vir por meio de lei específica. Isso não significa, entretanto, que o sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas e de dados não possa ser restringido em determinadas hipóteses.

É certo que os direitos fundamentais não são absolutos, de forma que, ocorrendo o conflito de direitos, um deles deverá ser sucumbido em detrimento de outro de maior valor para o caso concreto.

Em relação ao sigilo de correspondência, devemos analisar a situação fática em que é invocado e fazer uma comparação, um juízo de proporcionalidade entre esse direito e outro direito fundamental em colisão.

Assim, por exemplo, podemos citar o conflito entre o direito ao sigilo de correspondência do preso e a segurança pública. Qual direito deverá prevalecer?

Para tal resposta, oportuno trazer à baila os dizeres de Renato Bernardi sobre os direitos fundamentais[2]:

Os direitos e garantias fundamentais não podem ser utilizados como escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para o afastamento ou a redução da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de consagração do desrespeito ao Estado de Direito”.

Foi sobrepesando esses direitos dois direitos fundamentais (correspondência X segurança pública), que o Congresso Nacional editou o Parágrafo Único do art. 41, da Lei 7.210/84, que prevê que o direito ao sigilo de correspondência do preso poderá ser suspenso ou restringido mediante ato motivado do diretor do estabelecimento prisional.

Conclusão

Conforme já dito, diante de aparentes conflitos entre direitos fundamentais, cabe ao intérprete da Constituição Federal aplicar o princípio da proporcionalidade a fim de que possa extrair o direito prevalente.

Na aplicação do referido princípio, devem ser observadas as ponderações feitas pelo Ministro Gilmar Mendes[3]:

(...) também no Direito brasileiro, o princípio da dignidade humana assume relevo ímpar na decisão do processo de ponderação entre as posições em conflito. É certo, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal está a se utilizar, conscientemente, do princípio da propor­cionalidade como “lei de ponderação”, rejeitando a intervenção que impõe ao atingido um ônus intolerável e desproporcional”.

Assim, podemos concluir que, uma vez que não existem direitos fundamentais absolutos, surgindo uma situação na qual se apresentem em posições antagônicas, impõe-se proceder à compatibilização entre os mesmos, mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, o qual permitirá, por meio de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto, harmonizá-los. Em casos de colisões entre direitos fundamentais devemos inclinar a balança do lado daquele que seja mais valioso ao caso concreto.

Referências 

[1] COMPARATO, Fábio K. Opinião: Tortura e perdão. Revista Reportagem, 65, fev./2005.

[2] BERNARDI, Renato. Quebra de sigilo: Justiça deve privilegiar interesse público sobre o privado. Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2004 (http://conjur.estadao.com.br/static/text/25286,1).

[3] MENDES, Gilmar. Direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. Material da 4ª aula da Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG.

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Luciana Andrade Maia
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