Interceptação das comunicações telefônicas
Requisitos e admissibilidade do procedimento, inviolabilidade dos direitos à privacidade e à intimidade dos cidadãos, combate à criminalidade e busca da verdade real.
Preceitua o art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal que, "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". Essa norma constitucional de eficácia limitada foi regulamentada pela Lei n° 9.296/96, que possibilitou a violação das comunicações telefônicas, trazendo em seu bojo normas de natureza processual e penal. Entretanto, a interceptação telefônica ficou adstrita a alguns preceitos básicos previstos na Carta Magna, quais sejam, a exigência de autorização judicial, e que a interceptação seja realizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vale lembrar ainda que a autorização judicial poderá ser dispensada no estado de sítio e de defesa.
O procedimento de interceptação telefônica será cautelar quando realizado antes da propositura da ação penal, e incidental quando realizado durante a instrução processual penal. Haverá a concessão da quebra de sigilo telefônico apenas quando presentes certos requisitos autorizadores da mesma, são eles: a) ordem do juiz competente para o julgamento da ação principal - assim, o Promotor de Justiça e o Delegado de Polícia não podem conceder a interceptação; b) indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal - há necessidade apenas do fumus boni iuris, ou seja, que haja certo juízo de probabilidade de autoria ou participação (art. 2º, I, da Lei n° 9.296/96); c) que a infração penal investigada consista em crime punido com reclusão - tal requisito deve ser analisado segundo o princípio da proporcionalidade dos bens jurídicos envolvidos, já que não se deve sacrificar o direito ao sigilo de comunicações por um crime de pouco valor, nem deixar de investigar um crime que fere direitos fundamentais do homem; d) que não exista outro meio de se produzir a prova - assim, é necessário se comprovar o perigo de se perder a prova sem a interceptação; e) que tenha por finalidade instruir investigação policial ou processual criminal - requisito constante do art. 1° da Lei em questão.
Como percebemos, a interceptação telefônica que viola o direito de sigilo das comunicações garantido pela Constituição Federal, encontra regulamentação em nosso ordenamento jurídico com todos os elementos necessários para sua autorização. Porém, essa questão ainda causa muitos debates, tendo em vista o entendimento de uns de que elas consistem em provas ilícitas, as quais são vedadas pela Lei Maior. Vejamos:
Dignidade, privacidade e intimidade
Muitas pessoas posicionam-se contra a interceptação telefônica, já que para elas tal procedimento permite a ocorrência de muitos abusos por parte das autoridades, que acabam por fazer mau uso deste instrumento que deveria ser utilizado estritamente para o combate ao crime. Ademais, segundo a visão destes doutrinadores, por assim dizer, o direito ao sigilo de correspondências e telecomunicações garante a preservação da livre manifestação de pensamento, base do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a interceptação contraria os princípios básicos da democracia de nosso país.
Neste sentido, há projetos que tramitam no Congresso que visam dificultar o procedimento das interceptações diminuindo o prazo para sua realização e vedando a propositura de inquérito policial que tenha por base a interceptação feita em outro processo, por exemplo. Sob o aspecto dos elaboradores destes projetos, toda investigação que usar alguma informação material colhida do réu, mesmo com ordem judicial, deve ser considerada como prova ilícita, vedada em nossa Constituição.
A saber, provas são todos os meios possíveis de formar a convicção do magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. Assim, as provas consideradas ilícitas são aquelas que obtidas com infração das disposições do direito material e que são, portanto, inadmissíveis. Então, a interceptação das comunicações telefônicas nada mais seria do que um atentado aos dispositivos constitucionais, já que violam muitos dos direitos fundamentais do homem.
Além disso, entendem que mesmo com ordem judicial as escutas telefônicas são realizadas de maneira indiscriminada, ocasionando a banalização deste modo de investigação. A CPI das escutas telefônicas preocupa-se inclusive com o vazamento das informações obtidas pelas empresas, que pode gerar impacto inverso ao pretendido. O abuso na interceptações consiste também no acesso da imprensa a dados sigilosos, que acabam sendo divulgados para opinião pública, expondo pontos da intimidade e da vida privada das pessoas.
Combate ao crime
Para muitos operadores do Direito, a escuta telefônica consiste num dos principais métodos de investigação para o combate à criminalidade, principalmente ao crime organizado. Com o mesmo posicionamento, tramita também no congresso o Projeto Lei 3272/08 que prevê o prazo máximo de 360 dias ininterruptos para o procedimento, admitindo ainda certas exceções. No entanto, o Projeto de Lei de autoria do Executivo tende a não aceitar a interceptação da conversa entre o defensor e o investigado, o que consiste em outro ponto negativo debatido pelos favoráveis ao procedimento em questão, posto que para eles os defensores, por vezes, são os principais integrantes de organizações criminosas, e dão aparência legal às condutas ilícitas.
A iniciativa do PL oriundo dos congressistas de retirar do Ministério Público a possibilidade de requerer a interceptação no curso do inquérito policial é outro fato atacado pelos "simpatizantes" do procedimento, uma vez que para eles tal medida só visa enfraquecer a instituição, que é a única desvinculada dos compromissos políticos. Ademais, evidente que as disfunções do procedimento devem ser corrigidas, mas nunca utilizadas como argumento para inviabilizá-lo, já que se usado de maneira correta só traria benefícios à sociedade.
Ademais, ressalta-se ainda que o principal objetivo do processo penal é a busca da verdade real, sendo assim não há que se falar no impedimento das interceptações telefônicas, que constituem, como já mencionado, uma das principais fontes para descobrir o crime. Além disso, os direitos do homem não podem ser entendidos de maneira absoluta, já que não se permitem que sejam realizados do modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias.
O fundamento das escutas telefônicas é a própria permissão constitucional brasileira, face ao caráter relativo da inviolabilidade. A utilização correta da Lei nº 9.296/96 contribuirá e muito para apuração dos delitos, que é alvo inclusive do interesse público. O procedimento do "grampos" é previsto em lei, que abrange seus requisitos, as possibilidade de realização e a competência para sua solicitação. Ademais, a interceptação será utilizada como prova fundamental para pôr fim à atividade de máfias, e será produzida dentro do devido processo legal, com respeito ao contraditório e ampla defesa, e, por isso, não há motivos concretos para sua não utilização.
Conclusão
O protecionismo aos direitos fundamentais à dignidade, à privacidade e à intimidade dos cidadãos não pode sobrepor-se à justiça, indispensável à estrutura de qualquer sociedade ordenada. Sem vida, não há porquê se preocupar com esses direitos! A necessidade de se impor limites ao direito de prova é evidente, uma vez que o processo deve seguir regras éticas e morais, porém, se as autoridades competentes se fazerem de "surdas e mudas", a criminalidade tomará conta de toda a sociedade, pois os infratores não terão o que temer, já que sabem que não há meios eficazes para que sejam desmascarados. O interesse do Estado na investigação de possíveis infrações deve respeitar, obviamente, o direito personalíssimo, entretanto, o bom senso e prudência na utilização do novo instrumento jurídico só trará segurança à vida em sociedade.
Assim, percebe-se que a valoração dos princípios e direitos em jogo é mais delicada do que aparenta ser, uma vez que se aniquilarmos as maneiras de investigação, que embora sejam vistas como ofensivas a certas garantias fundamentais do ser humano são extremamente eficazes para o fim a que se dispõe, estaremos acobertando o crime que, consequentemente, destrói a privacidade, a dignidade e muitas vidas. Portanto, resta sopesar os valores essenciais da humanidade, o que vale é o bem maior (vida), em detrimento do menor (privacidade).
Referências bibliográficas
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. Editora Saraiva. 14ª Edição - 2007.
PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio da proibição das provas ilícitas e os direitos fundamentais. Revista do Curso de Direito. Vol 2 - 2001.
QUEIROGA, Alessandra Elias. A quem interessa limitar as escutas telefônicas? Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/joomla/index.php?option=com_content&task=view&id=749&Itemid=93. Acessado em 30/10/2008.