Lei n° 11.418/06 – Os requisitos do recurso extraordinário

Lei n° 11.418/06 – Os requisitos do recurso extraordinário

A nova lei trata dos requisitos que o recurso extraordinário deverá preencher para ser recebido pelo Supremo Tribunal Federal.

Introdução

O Supremo Tribunal Federal é o órgão do Poder Judiciário responsável pela proteção das normas constitucionais e pela garantia de sua aplicação em todo o País.

A Suprema Corte é formada por 11 Ministros, que se dividem em duas Turmas para julgar determinadas matérias ou se reúnem em Plenário.

A formação do Supremo com 11 Ministros tem vem previsão no art. 101, da Constituição Federal. No entanto, esse número de julgadores para a Corte Suprema tem-se mostrado insuficiente em face da grande demanda de recursos e ações que o STF recebe por ano.

De acordo com as pesquisas efetuadas pelo Ministro Gilmar Mendes [1], o STF tem recebido uma quantidade enorme de processos por ano. O quadro abaixo relata a situação caótica em que se encontra a Suprema Corte:

Supremo Tribunal Federal

Movimento Processual nos anos de 1950 a 2004

Ano

No. De Processos Recebidos

Ano

No. de Processos Recebidos

1950

3.091

1977

7.072

1951

3.305

1978

8.146

1952

3.956

1979

8.277

1953

4.903

1980

9.555

1954

4.710

1981

12.494

1955

5.015

1982

13.648

1956

6.556

1983

14.668

1957

6.597

1984

16.386

1958

7.114

1985

18.206

1959

6.470

1986

22.514

1960

6.504

1987

20.430

1961

6.751

1988

21.328

1962

7.705

1989

14.721

1963

8.126

1990

18.564

1964

8.960

1991

18.438

1965

8.456

1992

27.447

1966

7.378

1993

24.377

1967

7.614

1994

24.295

1968

8.612

1995

27.743

1969

8.023

1996

28.134

1970

6.367

1997

36.490

1971

5.921

1998

52.636

1972

6.253

1999

68.369

1973

7.093

2000

105.307

1974

7.352

2001

110.771

1975

8.775

2002

160.453

1976

6.877

2003

87.186*

2004

65.710 **

Fonte: Relatórios Anuais e Secretaria de Informática do Supremo Tribunal Federal * O decréscimo verificado em 2003 decorre, certamente, das medidas tomadas no âmbito da Administração Federal e do encerramento das questões ligadas ao ciclo inflacionário.

** Processos recebidos até 24.10.2004.

O eminente Ministro tenta explicar a razão do alargado número de processos:

Sem dúvida, não há uma causa única capaz de explicar essa explosão numérica. É verdade que a massificação das demandas nas relações homogêneas é um fator decisivo para essa crise. As discussões que se encetaram nesse período sobre planos econômicos, sistema financeiro de habitação, FGTS, índices de reajuste do INSS, podem explicar plausivelmente a multiplicação de demandas, especialmente em um modelo que trata cada controvérsia judicial instaurada como um processo singular. A falta de um mecanismo com caráter minimamente objetivo para solver essas causas de massas permite que uma avalanche de processos sobre um só tema chegue até ao STF pela via do recurso extraordinário. As defesas por parte do Tribunal para essas causas pareciam ainda tímidas. A Lei n. 8.038, de 1990, previu a possibilidade de o relator inadmitir o recurso, se a matéria já estivesse pacificada pelo Tribunal. Posteriormente, a Lei n. 9.756, de 1998, acolheu modificação para deferir ao relator, no caso de matéria pacificada, o poder de prover ou desprover o recurso extraordinário por decisão monocrática, cabendo, nessa hipótese, a interposição de agravo, no prazo de cinco dias, para o órgão recursal competente. Certamente, essa última modificação foi decisiva para a superação da crise numérica que assoberba as Cortes judiciais, porque ela permite que o Tribunal, por seus vários órgãos, responda à excepcional demanda de serviços”.

Na busca de trazer mecanismos objetivos de filtragem para a interposição e recebimento dos recursos extraordinários, foram editadas as Lei 11.417/06 e 11.418/06.

A Lei 11.417/06 regulamenta a edição de súmulas vinculantes pelo STF.

Já a Lei 11.418/06 trata dos requisitos que o recurso extraordinário deverá preencher para ser recebido pelo Supremo Tribunal Federal.

Recurso Extraordinário

O recurso extraordinário é um mecanismo processual que viabiliza a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de questões constitucionais do caso concreto.

Para que o recurso chegue à Suprema Corte é necessário que o jurisdicionado tenha se valido de todos os meios ordinários, ou seja, que tenha percorrido as demais instâncias judiciais do País. Também se exige que o recorrente preencha alguns requisitos legais para que o recurso extraordinário possa ser recebido pelo STF.

O art. 102, III, da Constituição Federal, elenca as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (…) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

A EC 45/04 acrescentou o §3º a esse artigo, passando a exigir que o recorrente demonstre no recurso extraordinário a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Esse novo requisito da demonstração da repercussão geral dos recursos extraordinários visa selecionar os recursos que realmente tenham uma importância para toda a sociedade e, não apenas, ao caso individual.

Não podemos nos esquecer que o STF é um órgão composto por um número limitado de Ministros e que tem jurisdição nacional, ou seja, tem competência para receber recursos de todas as partes do Brasil.

Sendo assim, o número de decisões a serem tomadas pelos Ministros é enorme, de forma, que eles têm que otimizar as causas a serem analisadas. Por isso, a demonstração da repercussão geral da questão constitucional é vista com bons olhos pelo STF.

Outro requisito a ser preenchido pelo impetrante é o do prequestionamento da matéria constitucional. Por esse requisito, o recorrente deve argüir a controvérsia constitucional em todas as instâncias, de forma que a matéria já tenha sido discutida pelos demais órgãos jurisdicionais antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal.

O requisito da repercussão geral precisava ser regulamentado por lei para que pudesse ser exigido. Assim, foi editada a Lei 11.418/06, que trouxe as regras processuais acerca do assunto.

Regras trazidas pela Lei 11.418/06

A Lei 11.418/06 criou as letras “A” e “B” do art. 543, do Código de Processo Civil, visando regulamentar o requisito da repercussão geral nos recursos extraordinários, estabelecida pelo art. 102, §3º, da Constituição Federal.

Dispõe o novo dispositivo legal que “O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”.

O § 1º, do art. 543-A, estabelece o que será considerado como “repercussão geral”: “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.

Tem-se, assim, que a matéria discutida em sede de recurso extraordinário deverá ser relevante para a coletividade e não apenas ao recorrente.

A repercussão geral deverá ser demonstrada pelo impetrante em preliminar do recurso (§2º).

Por sua vez, o §3º, do mesmo dispositivo legal, completa a noção da repercussão geral ao dispor que: “Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”.

Percebe-se pela leitura desse dispositivo que, além das hipóteses de ofensa direta à Constituição Federal, o recurso extraordinário também poderá ser impetrado quando houver discussão relativa à interpretação do texto constitucional dada pelo Supremo Tribunal Federal em súmula ou jurisprudência dominante.

Dispõe o art. 102, §3º, da Constituição Federal, que o STF poderá recusar em receber o recurso extraordinário se houver a manifestação de dois terços de seus membros, ou seja, pelo voto de 8 Ministros.

Em relação a essa regra, o art. 543-A, § 4º, do Código de Processo Civil, estabeleceu que: “Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário”, uma vez que não será mais possível obter o quorum qualificado de dois terços para a recusa do recurso.

Por outro lado, se o STF negar “a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal” (§5º).

O § 6º do art. 543-A, CPC, prevê uma possível intervenção do amicus curiae no recurso extraordinário, que deverá ser autorizada pelo relator quando da análise da repercussão geral, nos seguintes termos:

O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.

O amicus curiae é um terceiro, em relação à causa discutida, mas que pode trazer elementos técnicos e de interesse da sociedade para ajudar na decisão da causa pelo STF. Sua figura já é admitida no controle abstrato de constitucionalidade, passando, agora, a ser aceito também no controle difuso.

Visando mais uma vez otimizar a decisão do STF, o § 7º, do artigo em comento, dispõe que “A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão”.

O art. 543-B, do Código de Processo Civil, também traz regras relacionadas à tentativa de diminuir os processos no STF. Vejamos o que diz seu caput e §1º:

Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1o  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte”.

A regra é direcionada aos Tribunais de 2ª instância, que devem selecionar alguns recursos representativos da controvérsia constitucional para encaminhar ao Supremo e determinar que os demais processos fundados na mesma questão aguardem a decisão final da Suprema Corte.

Negada a existência de repercussão geral pelo STF nos casos a ele remetidos, os demais recursos sobre a mesma matéria que estiverem sobrestados deverão ser considerados automaticamente não admitidos (§2º).

Por outro lado, se for julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se (§3º).

Se for mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada (§4º).

Conclusão

A Lei 11.418/06 mostra mais uma vez o empenho da Secretaria da Reforma do Judiciário em promover a agilização aos procedimentos judiciais e, com isso, diminuir o número de processos e garantir maior eficiência da prestação jurisdicional.

Sem dúvida, as novidades trazidas pela Lei em relação ao recurso extraordinário são de grande valia na otimização das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que poderá com uma decisão fazer repercutir seu pensamento em diversas demandas com objetos idênticos.

Agora, só nos resta aguardar para ver se, na prática, os requisitos estabelecidos para o recebimento do recurso extraordinário não serão um óbice ao jurisdicionado na tentativa de obter um pronunciamento do mais elevado Tribunal do País.

Notas

[1] MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade. Material da 1ª aula da Disciplina Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG.

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Luciana Andrade Maia
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