O dano existencial como consequência do assédio moral no meio ambiente de trabalho (2025)
Busca-se definir o assédio moral, identificando como essa conduta lesiva pode ocorrer no meio ambiente de trabalho, evidenciando as consequências nocivas para a saúde do trabalhador assediado.
Introdução
O presente artigo tem o objetivo de abordar a figura jurídica do dano existencial ressaltando a sua introdução na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Lei 13.467, de 11 de novembro de 2017, evidenciando suas características peculiares e as diretrizes capazes de auxiliar sua constatação no caso concreto. Para isso, tenta-se demonstrar a relação entre o “sepultamento dos projetos de vida” de um indivíduo e o próprio conceito de “dano existencial”.
Ainda, busca-se definir o assédio moral, identificando como essa conduta lesiva pode ocorrer no meio ambiente de trabalho, evidenciando as consequências nocivas para a saúde do trabalhador assediado.
Ademais, pauta-se na demonstração da possibilidade de indenização por dano existencial em decorrência do assédio moral no ambiente laboral, ressaltando a importância da verificação da ocorrência do assédio por meio de perícia técnica psicológica e psiquiátrica, a fim de se constatar a existência de nexo de causalidade no que tange ao adoecimento físico-psíquico do trabalhador.
O dano existencial e a Reforma Trabalhista de 2017
O instituto do dano existencial foi introduzido na CLT pela Lei N. 13.467, de 11 de novembro de 2017, consubstanciado no art. 223-B, de forma expressa:
“Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”.
Relevante enfatizar também o art. 223-B do mesmo Texto Consolidado, o qual preconiza bens juridicamente tutelados e que são inerentes à pessoa física, quais sejam, a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física.
Neste sentido, o dano existencial emerge como uma nova espécie de dano extrapatrimonial ou imaterial. Assim, verifica-se que a reparação pelo dano existencial foi incluída no rol dos direitos trabalhistas, fato que potencializa “o princípio da dignidade do trabalhador”, tendo em vista a frequente ocorrência de lesões provocadas por danos de natureza extrapatrimonial nas relações de labor. (Oliveira, 2019: 315-324).
Não raro os empregadores, por meio de suas condutas, acabam por afetar bens jurídicos imateriais dos empregados acarretando, desse modo, os danos existenciais.
O assédio moral, neste contexto, é uma das condutas ensejadoras da indenização por dano existencial (Oliveira, 2019:324).
O “sepultamento dos projetos de vida” e sua relação com o conceito de dano existencial
De acordo com o renomado doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira, o dano existencial tem sua origem no direito italiano, tendo como elemento nuclear o desmonte ou a ofensa ao projeto de vida da vítima e a necessidade de adaptação forçada a um roteiro de sobrevivência desprovido de escolha.
Neste passo, há a substituição das aspirações pelas imposições e “o futuro apresenta-se como uma cena trágica paralisada e o projeto de vida é amputado pelo vazio existencial”. Assim, deixam de existir os planos no âmbito profissional ou de lazer, sepultando-se o projeto de vida “para improvisar um modo de sobrevivência possível[1]”.
Nesta esteira cumpre evidenciar a diferença entre dano moral e dano existencial. O dano moral está relacionado a um sentimento (como angústia, medo, humilhação), provocando dor pelo dano injusto, atingindo “as sensações de bem-estar imediato”. O dano existencial, por sua vez, está ligado a um impedimento, interrupção.
Desse modo, o dano existencial impede que atividades que são incorporadas ao modo de vida, por exemplo, esporte, convívio, religião fruam livremente, interrompendo o modo natural de realização das atividades. Com isso, é necessária uma “adaptação forçada e frustrante para a sobrevivência possível”, comprometendo as aspirações relativas à autorrealização e ao projeto de vida[2].
Nesta linha de raciocínio, vale destacar a doutrina de Flaviana Rampazzo (Soares, 2009: 44) que ao definir o dano existencial estabelece que é a “lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito”.
Essa lesão é capaz de atingir tanto a ordem pessoal como social de forma negativa, ocorrendo de forma total ou parcial, permanente ou temporária.
Tudo isso pode estar relacionado a uma atividade ou a um conjunto de atividades que havia ou haviam sido incorporadas normalmente ao cotidiano da vítima do dano. Contudo, em virtude do efeito lesivo, levou-a a modificar o modo de realização de tais atividades ou até aboli-las de sua rotina.
Neste diapasão, salienta-se que “o vazio existencial que toma conta da pessoa lesada” é capaz de provocar a “perda do sentido da própria existência”.
Justifica-se a afirmação em razão da perda de referências construídas, que foram alvo de planejamento ao longo de sua vida anteriormente ao dano. Percebe-se então, que quando se constata a perda involuntária desses referenciais “a pessoa não é mais a mesma e o dano sofrido é manifesto” podendo causar graves frustrações (Soares, 2009: 44).
Sob esta ótica, assevera-se que os danos existenciais estão intrinsecamente vinculados à perturbação da vida, da perda da sua qualidade, com a consequente modificação de hábitos e planos, gerando “estados duradouros de desânimo e a dor de alma (mesmo que não psicopatológica)” (Carneiro, 2017: 195). No mesmo sentido, enfatizam-se as lições de Luiz Otávio Linhares Renault:
O dano existencial ofende, transgride e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador, ulcerando, vilipendiando, malferindo diretamente os direitos típicos da dignidade da pessoa humana, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual, assim como ao lazer e à perene busca da felicidade pela pessoa humana, restringida que fica em suas relações sociais e familiares afetivas[3].
Assédio Moral no meio ambiente de trabalho
É cediço que a qualidade de vida do trabalhador está diretamente relacionada a um meio ambiente de trabalho hígido e salutar, garantindo a salvaguarda de sua integridade física e, também, psíquica.
Nas lições do psicólogo Heinz Leymann o assédio moral está consubstanciado “em uma psicologia do terror, ou, simplesmente, psico-terror, manifestado no ambiente de trabalho por uma comunicação hostil e sem ética direcionada a um indivíduo ou mais” (Leymann, 1996:19).
Neste contexto, a vítima, como meio de se defender, se reprime e acaba por desenvolver um perfil que “alimentará” o agressor no sentido de praticar ainda mais “outras formas de assédio moral”. As condutas hostis reiteradamente praticadas têm como consequência grave sofrimento mental “psicossomático e social aos trabalhadores que são vítimas do assédio moral” (Leymann, 1996:19).
À luz deste mesmo raciocínio, tem-se que o assédio moral caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, ferindo a dignidade psíquica “de forma repetitiva e prolongada”.
Além disso, “expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras” que causam ofensa “à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica”. O efeito da conduta abusiva é “excluir o empregado de sua função ou deteriorar o ambiente de trabalho” (Nascimento, 2011: 14).
Neste ínterim, tem-se que o assédio moral está relacionado a toda e qualquer conduta abusiva e pode se manifestar por meio de comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos, capazes de gerar danos à personalidade, à dignidade ou a integridade física e psíquica do trabalhador, colocando em perigo o seu emprego ou provocando a degradação do ambiente laboral[4].
Pode-se afirmar que o assédio moral é uma forma de violência que busca fazer com que o trabalhador se sinta desestabilizado tanto emocional como profissionalmente, podendo acontecer através de ações diretas (acusações, insultos, gritos, humilhações públicas) e de ações indiretas (tais como boatos, isolamento, fofocas, exclusão social)[5].
O assédio moral no serviço público, por exemplo, é caracterizado quando se verifica que o agente público extrapola os limites de suas funções repetindo a conduta abusiva (por ação ou omissão, gestos ou palavras) com a finalidade de “atingir a autoestima, a autodeterminação, a evolução na carreira ou a estabilidade emocional de outro agente público” provocando danos ao ambiente de labor[6].
Com efeito, assevera-se que a humilhação de forma reiterada e por longo período é capaz de interferir na vida profissional do indivíduo, causando crises de identidade, ferindo a dignidade, desestabilizando relações de natureza afetiva e social, degradando sua saúde física e mental.
Neste sentido, não há como negar que tudo isso pode causar consequências drásticas como a incapacidade de trabalhar, o desemprego e até mesmo a morte[7].
Neste passo, salientam-se alguns requisitos essenciais para a condenação por assédio moral, quais sejam: “a existência de ato praticado pelo agente público, pelo empregador, por seus prepostos ou demais empregados e a comprovação da materialidade do ato; reflexos lesivos na esfera trabalhista e profissional com prejuízo manifesto por parte do empregado e nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo sofrido pelo trabalhador”[8].
Dano existencial em decorrência de assédio moral no meio ambiente de trabalho
O dano existencial e o assédio moral estão intrinsecamente ligados às violações à dignidade da pessoa humana do trabalhador. E ainda, os interesses relativos à existência da pessoa estão diretamente vinculados aos direitos fundamentais e, como consequência, aos direitos da personalidade (Soares, 2009:37).
Assim, em razão da ampla tutela dos direitos fundamentais pode-se constatar a valorização “de todas as atividades que o indivíduo realiza ou possa realizar, pois tais atividades são capazes de fazer com que o indivíduo” alcance a felicidade e exerça, de forma plena, “todas as suas faculdades físicas e psíquicas, e a felicidade é, em última análise, a razão de ser da existência humana” (Soares, 2009:37).
Nesta toada, destaca-se que os direitos da personalidade têm como finalidade garantir a integridade do indivíduo em suas várias nuances, quais sejam: física, psíquica, moral e intelectual, em consonância com a dignidade da pessoa humana, valor supremo no ordenamento jurídico pátrio (Moresco; Aguerra: 2017: 1-15).
Com efeito, no âmbito da seara trabalhista, o dano existencial pode estar presente como consequência de assédio moral. É cediço que o assédio moral afeta seriamente a saúde do trabalhador desencadeando vários sintomas: sintomas físicos, ao provocar dores generalizadas, dentre outros males; e sintomas psíquicos e psicossomáticos que acarretam distúrbios do sono, ansiedade, depressão, pensamentos suicidas.
O Assédio moral é capaz de causar graves prejuízos de natureza patrimonial (ao comprometer a capacidade de trabalho), além de causar extremo sofrimento, angústia, abatimento (dano moral) e ainda é capaz de causar danos ao projeto de vida do trabalhador, às suas atividades do cotidiano e à paz de espírito (dano existencial) (Lora, 2013: 21).
O trabalhador que sofre assédio moral no ambiente de trabalho, muitas vezes, torna-se um uma pessoa apática, triste e desanimado, reduzindo, assim, sua produtividade laboral e, por vezes, sente-se incapaz de realizar determinara tarefa que apresenta nível baixo de dificuldade.
Isso porque as condutas abusivas praticadas de forma reiterada pelo empregador-assediador ou gestor-assediador geram no trabalhador assediado um sentimento de insegurança e medo de errar, mesmo no que se refere às mais simples atividades.
Por outro lado, o trabalhador assediado pode vir a tornar-se um indivíduo agressivo ou raivoso em seu ambiente familiar ou mesmo em seu relacionamento social, em razão de passar a maior parte do tempo em um ambiente de trabalho hostil, desagregador e desequilibrado emocionalmente, o que provoca interferência direta no estado de ânimo do trabalhador.
Nas duas situações mencionadas anteriormente não raro torna-se imperiosa a necessidade de acompanhamento psiquiátrico e terapêutico, bem como do uso de medicamentos psicotrópicos por parte do assediado, visando o alcance da restauração de sua saúde física e psíquica.
Sob este prisma, ressalta-se que o assédio moral afeta o modo de viver do indivíduo, atingindo sua dignidade como trabalhador, trazendo prejuízos à realização do trabalho, à sua vida de relação, provocando, muitas vezes, a necessidade de alteração de sua rotina e de seus projetos de realização pessoal.
Frisa-se, desse modo, que esse complexo de eventos está umbilicalmente relacionado à ocorrência do dano existencial.
Neste passo, afirma-se que o dano existencial impõe ao indivíduo um “reprogramar-se”, trazendo prejuízo às suas escolhas (Oliveira, 2019: 320), causando a frustração de sua realização pessoal e prejudicando a sua qualidade de vida, podendo sua comprovação ocorrer de forma objetiva (Filho, 2013: 247).
Sob esta linha, o renomado jurista Sebastião Geraldo de Oliveira (Oliveira, 2019: 320) enfatiza as lições da professora Flaviana Rampazzo e demonstra as diretrizes capazes de auxiliar na constatação do dano existencial por meio da análise de quatro situações, são elas:
1) “Um não mais poder fazer” – quando o indivíduo, em razão da conduta lesiva do qual foi vítima deixa de ter condições de praticar algo que habitualmente fazia (tanto na vida pessoal quanto na profissional); 2) “Um ter que fazer diferente” – quando o indivíduo, posteriormente ao ato danoso, precisa passar por um processo de readaptação ou reabilitação para que consiga continuar sua atividade, geralmente a produtividade é reduzida, causando sérias implicações em sua rotina fora do trabalho; 3) “Um ter que fazer que não necessitava fazer antes” – quando, em razão do dano injusto, não há alternativa para a vítima a não ser alterar sua rotina, incorporando, de forma impositiva, outras atividades que requerem tempo, esforço ou incômodo (como fisioterapia, consultas, assistência para deslocamento); 4) “Uma necessidade de auxílio para poder fazer” – quando, em decorrência do ato danoso, há a necessidade (permanente ou temporária) de ajuda de outra pessoa para que a vítima consiga realizar suas atividades do dia-a-dia (de cunho pessoal ou profissional).
Desse modo, em se vislumbrando que a vítima: tornou-se incapaz de fazer o que fazia antes; será obrigada a fazer o que não queria; terá que fazer de forma distinta o que habitualmente fazia; terá que fazer algo que anteriormente ao dano nunca fazia ou terá que ter auxílio para fazer o que faria sozinha, constatar-se-á o dano existencial (Oliveira, 2019: 320).
Salienta-se, entretanto, que basta identificar uma ou algumas dessas situações expostas para que haja a configuração do dano existencial, cabendo, portanto, o “deferimento da respectiva indenização” (Oliveira, 2019: 320-321).
Neste contexto assevera-se que as repercussões psicológicas decorrentes do assédio moral são de ordem gravíssima e caracterizam o dano existencial a partir do momento em que ocorre. (Markman; Misailidis, 2019: 140).
Diante da problemática concernente ao assédio moral imperiosa é a afirmativa de que o psicólogo forense é elemento essencial para a verificação da ocorrência do assédio e estabelecimento da extensão de seus efeitos psicológicos, psiquiátricos e psicossomáticos (Markman; Misailidis, 2019: 142.).
Sob esta ótica, o psicólogo forense é capaz de afirmar se existem provas suficientes capazes de sustentar os danos alegados pela vítima. Para isso, pode se utilizar de procedimentos voltados às suas atribuições, como por exemplo, realizando “testes psicológicos adequados e padronizados” (Markman; Misailidis, 2019: 142.).
Assim sendo, sustenta-se que ao se considerar a matéria pericial em psicologia, constata-se a aptidão desse setor para fornecer critérios objetivos e palpáveis, possibilitando a diminuição da margem de discricionariedade judicial relativa à “fixação do quantum indenizatório” (Markman; Misailidis, 2019: 142).
Outra questão relevante diz respeito ao nexo causal relativo ao dano existencial como consequência do assédio moral. Nesse caso, de extrema importância dissociar os fatores da personalidade que já existiam anteriormente aos traumas provocados pelo assédio moral dos fatores desencadeados pelo próprio assédio.
Assim, ao analisar o caso concreto o perito terá a competência de indicar se existe ou não relação relevante entre o dano psíquico causado à vítima e o assédio moral ocorrido no meio ambiente de trabalho. A perícia psicológica e psicotécnica é capaz de demonstrar a relação existente entre o dano existencial e o assédio moral possibilitando, assim, maior segurança jurídica no que tange à reparação do dano (Rovinski, 2007: 158 e Markman; Misailidis, 2019: 142).
Considerações finais
Em virtude do que foi exposto, pode-se afirmar que o dano existencial ocasiona o “desmonte traumático” dos projetos de vida de uma pessoa provocando, de forma inevitável, o sepultamento do de seus projetos de vida, interrompendo sonhos e “roubando futuros” (Rodrigues, 2019: 436), gerando enorme vazio existencial em razão da necessidade de adaptação impositiva em relação a seus hábitos e escolhas, afetando desse modo, a sua qualidade de vida (Oliveira, 2019: 321).
O dano existencial altera, portanto, “a rotina de vida da vítima” violando sua dignidade e obstando seu desenvolvimento rumo à concretização de seu projeto de vida e suas realizações nos âmbitos pessoal e profissional.
Demonstrou-se, ao longo deste artigo, que a qualidade de vida do obreiro encontra-se diretamente ligada ao local onde exerce suas atividades laborativas. Ora, se o meio ambiente em que desenvolve suas atividades for prejudicial à sua saúde física e psíquica, certamente o trabalhador será contaminado pelo ambiente adoecido, desenvolvendo patologias e doenças psicossomáticas.
Sob este prisma, evidenciou-se o assédio moral no ambiente de trabalho, conduta abusiva capaz de causar graves danos à saúde do indivíduo, afetando diretamente seu emocional, comprometendo suas relações sociais, familiares e profissionais, em razão de exposição a situações de humilhação ocorridas reiteradamente no ambiente de labor.
Neste contexto buscou-se demonstrar a existência da possibilidade de reparação por dano existencial como consequência do assédio moral no ambiente de trabalho.
Quando um gestor-assediador, por exemplo, submete seu subordinado a constantes situações vexatórias como: ignorar sua presença; gritar ou falar de forma desrespeitosa; espalhar fofocas, criticar sua vida particular; fazer com que fique isolado fisicamente para que não se comunique com os demais colegas; ironizar ou desconsiderar de forma injustificada suas opiniões; impor tarefas humilhantes, sobrecarrega-lo com novas tarefas ou retirar-lhe o trabalho cuja execução habitualmente lhe competia, gerando a “sensação de inutilidade e de incompetência”; advertir arbitrariamente; instigar o controle de um trabalhador sobre o outro em um contexto não relacionado à estrutura hierárquica no intuito de gerar desconfiança e evitar a solidariedade entre os colegas[9], está-se diante do aviltamento da dignidade humana do trabalhador, ferindo sua existência.
Assevera-se que os interesses existenciais estão intrinsecamente vinculados aos direitos fundamentais, cuja tutela deve ocorrer de forma ampla a fim de que todas as atividades que o trabalhador desempenha ou venha a desempenhar sejam valorizadas, tendo em vista que estão relacionadas à felicidade individual, protegendo-se, neste sentido, “a própria razão da existência humana”. (Soares, 2009: 37).
Assim, evidenciou-se a possibilidade de reparação por dano existencial como consequência do assédio moral no ambiente de trabalho destacando que a perícia técnica psicológica e psiquiátrica, na qualidade de “perícia forense”, é fundamental para que se verifiquem os elementos de caracterização do assédio, visando identificar a extensão de seus efeitos psicológicos, psiquiátricos e psicossomáticos.
Frisou-se, então, que os peritos técnicos na matéria, são agentes competentes para proceder à averiguação da existência de nexo de causalidade envolvendo a conduta abusiva “assédio moral” e sua relação com o adoecimento físico-psíquico do trabalhador, já que estão hábeis a fornecer critérios “objetivos e palpáveis” permitindo, desse modo, a redução da margem de discricionariedade judicial no que tange ao estabelecimento do valor da indenização. (Markman; Misailidis, 2019: 142).
A conduta lesiva provocada pelo assédio moral no ambiente de labor é incompatível com a Constituição da República Federativa do Brasil e com variadas leis que abarcam a dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho[10].
A frequência e a duração do comportamento hostil somados ao abuso, geram sofrimentos psicológicos, psicossomáticos e sociais, por vezes, irreparáveis à condição humana e existência, frustrando e interrompendo grandes projetos de vida (Leymann, 1996: 172).
Neste sentido, vale à pena mencionar as lições de Amaro Alves de Almeida Neto (Neto, 2005: 53):
(...) toda pessoa tem o direito de não ser molestada por quem quer que seja, sem qualquer aspecto da vida, seja físico, psíquico ou social. (...) O ser humano tem o direito de programar o transcorrer de sua vida da melhor forma que lhe pareça, sem a interferência nociva de ninguém. Tem a pessoa o direito a sua expectativa aos seus anseios, aos seus projetos, aos seus ideais desde os mais singelos até os mais grandiosos, tem o direito (...) a construir uma família, estudar e adquirir capacitação técnica, obter o seu sustento e o seu lazer, ter saúde física e mental, ler, praticar esporte, divertir-se, conviver com os amigos praticar suas crenças, seu culto, descansar na velhice, enfim, gozar a vida com dignidade. Essa é a agenda do ser humano: caminhar com tranquilidade, no ambiente em que sua vida se manifesta rumo ao seu projeto de vida.
Referências
BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o Direito do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 79, n. 2, p. 240-261, abr.-jun. 2013, p. 243.
LEYMANN, H. La pérsecution au travail. Paris: Éditions du Sueil, 1996.
LORA, Ilse Marcelina Bernardi Dano existencial no direito do trabalho: Revista Eletrõnica Tribunal Regional do Paraná, v. 02, nº 22, setembro de 2013, Curitiba, Paraná.
MORESCO, Katia; Aguerra Pedro Henrique Sanches. Dano moral existencial: Justiça do Trabalho. 5º Simpósio de Sustentabilidade e Contemporaneidade nas ciências sociais. ISSN 23180633.
NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 14).
NETO, Amaro Alves de Almeida, Dano existencial a tutela da dignidade da pessoa humana, REVISTA DE DIREITO PRIVADO, São Paulo, Revista dos Tribunais v.6, n º 24 out/dez 2005.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. O dano extrapatrimonial trabalhista após a lei n. 13.467/2017. Revista Eletrônica – Dano Extrapatrimonial. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 8, n. 76, março/2019.
RODRIGUES, Elaine Barbosa. Revista Eletrônica – “Futuro roubado”: o dano existencial coletivo na hipótese de acidente de trabalho ampliado. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, v. 65, n. 100, jul/dez. 2019.
ROVINSKI, Sonia Liane Reichert. Fundamentos da perícia psicológica forense. 23 ed. São Paulo: Vetor, 2007.
SOARES, Flaviana Rampazzo. Do caminho percorrido pelo dano existencial para ser reconhecido como espécie autônoma do gênero “Danos imateriais”. Revista da AJURIS, v. 39, n. 127, setembro/2012.
SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 37.
TST e CSJT – Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral: pare e repare – Por um ambiente de trabalho + positivo.
[1] https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/des-sebastiao-geraldo-como-diferenciar-dano-moral-e-dano-existencial.
[2] https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/des-sebastiao-geraldo-como-diferenciar-dano-moral-e-dano-existencial.
[3] Conjur: https://www.conjur.com.br/2015-out-31/dano-existencial-fere-alma-trabalhador-gera-indenizacao.
[4] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 6.
[5] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 6.
[6] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 6.
[7] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 6.
[8] TRT-1- Processo nº 0010245-12.2015.5.01.0028 (RO).
[9] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 11.
[10] TST e CSJT: Cartilha de prevenção ao assédio moral – Pare e repare: por um ambiente de trabalho + positivo – p. 6.