Governança corporativa e compliance: uma leitura crítica

Governança corporativa e compliance: uma leitura crítica

Com o advento da Lei 12.846/2013 e o seu Decreto regulamentador 11.129/2022, a implementação do Programa de Integridade e da Governança Corporativa tomou uma dimensão pluralística, trazendo à realidade jurídica brasileira um alinhamento com as práticas consolidadas internacionalmente.

Nos últimos anos vem se abordando em vários discursos jurídicos os temas de Governança Corporativa e Compliance. Essa tendência se alastrou ainda mais com a vigência de legislações que representam um verdadeiro marco no que se refere ao combate de infrações praticadas pelas pessoas jurídicas. 

Na prática, contudo, a atividade inovadora configura um cenário bastante desafiador.

Após recentes escândalos de corrupção, algumas ideias relacionadas com a conduta ética e moral foram disseminadas, mesmo que superficialmente, pelas organizações e pelos ambientes acadêmicos. 

Com o advento da Lei 12.846/2013 e o seu Decreto regulamentador 11.129/2022, a implementação do Programa de Integridade e da Governança Corporativa tomou uma dimensão pluralística, trazendo à realidade jurídica brasileira um alinhamento com as práticas consolidadas internacionalmente.

Além de reiterar expressamente a vedação a atos corruptos para obtenção de vantagens indevidas, o novel instituiu penalidades, particularmente nas esferas cível e administrativa, em face dos ilícitos cometidos. 

As ideias abarcadas pelo diploma são, de fato, extremamente relevantes, não restando dúvidas de que o cumprimento das recomendações agrega valor e fomenta a competitividade da empresa no mercado externo.

É válido explicitar que, atualmente, não há melhor definição para Governança Corporativa do que aquela atribuída pelo IBGC, qual seja:

“Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.”

Note-se que quaisquer outros entendimentos, que não tratem o citado conceito como “conjunto ou sistema”, revelam-se incompletos. A Governança Corporativa corresponde ao todo e requer o comprometimento de todos.

No âmbito do mercado de capitais brasileiro, por exemplo, foi possível contemplar, a partir dos anos 2000, uma modificação que sofisticou o instituto da Governança Corporativa. 

Para João Pedro Nascimento, a criação de regramentos mais rígidos foi uma forma que a bolsa de valores, no momento de conveniência, utilizou para atrair novos investidores. 

Fato é que quanto maior o nível de governança adotado, maior será o impacto estratégico atribuído ao negócio. Apesar da livre escolha, a empresa assume o compromisso de conduzir seus negócios e publicizar relatórios periódicos com mais transparência e responsabilidade.

Por outro lado, o Compliance é intransponível à Governança Corporativa, sendo temas intrinsecamente ligados, mas que não se confundem. Nos estudos de Marcella Blok, o Compliance vai além de estar em conformidade com a lei. Em seu entender, é preciso prevenir, detectar e remediar. 

Em suma, a autora reforça a importância da inclusão de atividades que corroborem a um ambiente ético e saudável, propagando os valores intrínsecos da empresa por meio dos seus códigos e políticas. As medidas, por sua vez, devem ser empregadas considerando as atividades desenvolvidas e o nível de mercado.

Mais do que isso, a prática do Compliance demanda ações periódicas e monitoramento contínuo de riscos que possam impactar no operacional da instituição. 

Como parte do programa, já é possível verificar que as empresas estão estabelecendo canais de denúncias, bem como aplicando medidas disciplinares em prol de condutas inapropriadas.

Outra ação perceptível no cotidiano das organizações é a implementação de processos de conhecimento prévio de parceiros e fornecedores. 

Ante a formação de qualquer vínculo, as buscas do futuro parceiro devem revelar inidoneidade, associado a ausência de diversos riscos, sobretudo, o reputacional. 

Como se observa, o Compliance, em termos conceituais, não pode ser visto sob a ótica estritamente jurídica, já que é um tema interdisciplinar tal como mostra sua realidade prática.

O ensejo provocado pela Lei Anticorrupção, portanto, não deve ser visto como estímulo a adoção de ritos meramente burocráticos, mas funções desenvolvidas diariamente, com seriedade, de forma dinâmica, típicas de um departamento independente. 

Uma leitura apressada da lei em referência pode ocasionar impressões equívocas, afastando o sujeito dos reais propósitos de sua criação.

Os benefícios decorrentes de uma efetiva adesão aos mecanismos internos de integridade não obstam sua repercussão em outros momentos jurídicos. 

Na obra coordenada por Marcelo Sacramone e Marcelo Nunes, há expressa menção da Governança Corporativa no que toca a empresas em fase de recuperação judicial. 

Por isso, é sempre válido fomentar a importância do engajamento dos agentes corporativos, frente a visão de integridade enraizada na cultura organizacional, fazendo perceptíveis os melhores esforços. 

Isso é notório, por exemplo, quando ações humanas estão alinhadas ao uso de ferramentas tecnológicas, assim também quando há constante realização de comitês internos para identificação de pontos de melhorias e elaboração de planejamento estratégico.

Além disso, não se pode esquecer que a Auditoria Interna deve ser ativa e pontual, uma vez que exerce um papel fundamental no tocante ao controle de falhas, inadequações e deficiências das organizações.

Tornou-se comum, no entanto, questionar a materialização dos atos citados do ponto de vista dos custos, dos obstáculos na mudança de cultura e do processo de conhecimento das normativas. 

Com tudo isso, a ideia de estar em conformidade com a lei não é o suficiente. Políticas solenes e código de conduta refinado não bastam quando a realidade fática não condiz com as formalidades apresentadas. Pelo fato desses conceitos terem sido ampliados após cenários de corrupção e posteriores promulgações legais, já demonstra que o pouco que se alterou foi decorrente da existência desses instrumentos.

Não podemos ignorar o quanto muitas condutas deturpadas e distantes da moralidade ainda são aceitas, sem sequer serem impugnadas. 

Por óbvio, o diálogo em torno dos obstáculos na implementação dos mecanismos, como o elevado custo, pode ser oportuno, para que efetivamente atenda as necessidades da empresa, sem perder de vista as razões que culminaram a adoção desta iniciativa. O preço mais alto que os responsáveis estão sujeitos é o da ausência de um Programa de Integridade sólido e eficiente.

Ao que tudo indica, não há lacuna para desvirtuar dos propósitos estabelecidos pelas mudanças normativas e pela própria transformação social, uma vez que a tendência regulatória exige cada vez mais o comprometimento inflexível das instituições.

Ligado a isso, espera-se, acredita-se e confia-se que os órgãos reguladores atuem efetivamente, exercendo seu papel fiscalizador e aplicando as penalidades coerentes a cada contexto infracional. 

Em menção ao mercado financeiro e de capitais novamente, muito se comenta acerca do rigoroso compromisso regulatório exercido pelo BACEN e pela CVM, haja vista que as instituições que atuam nesse segmento devem se submeter a atividade fiscalizadora, prestando todas as informações necessárias, já que podem sofrer sérias punições e terem suas atividades restritas.

É notória, nesse sentido, a relevância da Governança Corporativa e do Compliance em cenários como os mencionados acima. Esses instrumentos simbolizam um avanço histórico, na qualidade de mitigadores da corrupção, que reflete na promoção da transparência e da segurança jurídica. 

O desafio maior é assimilar que, apesar de observarmos algumas alterações, os dados publicados ainda não reproduzem melhorias significativas. 

Para ilustrar, o Portal da Transparência Internacional divulgou que, em 2022, o Brasil ocupava a 94º posição, com 38 pontos, no ranking de combate a corrupção. 

Dado este que se comparado a 2012, com 43 pontos e 69º posição, provoca indignação, considerando que no período de 10 anos o Brasil declinou 5 pontos. Aqui reside uma série de questionamentos.

Em linha com as questões apontadas, não é tão razoável afirmar que o país caminha, ainda que morosamente, no combate a corrupção, diante da ausência de resultados promissores. Por mais indiscutível que seja a tempestividade das transformações legislativas, esse cenário ainda se demonstra um pouco teórico e imaturo.

Entretanto, há espaço para melhorias. Governança Corporativa e Compliance não podem ser aspectos acessórios que “meramente” incrementam a imagem reputacional da empresa. Ao revés, devem ser fomentados no dia a dia dos negócios, transformando, de fato, a gestão empresarial. 

Para tanto, é salutar que aspectos formais gozem de efetividade suficiente a ponto de orientar a ambiência das atividades laborais.

Referências bibliográficas

BLOK, MARCELLA. Compliance e Governança Corporativa. 4ª Edição Atualizada. Freitas Bastos Editora, 2022.

DO NASCIMENTO, JOÃO PEDRO BARROSO. Direito Societário Avançado. FGV Direito Rio, 2018.

CUNHA, PAULO OLAVO. Direito empresarial para Economistas e Gestores. Editora Almeida, 2014.

Direito Societário e Recuperação de Empresas: Estudos de Jurimetria. Coordenado por Marcelo Barbosa Sacramone e Marcelo Nunes. Editora Foco, 2022.

Transparência Internacional. Índice de Percepção da Corrupção. Disponível em: https://transparenciainternacional.org.br/ipc/. Acesso em: 05 de novembro de 2023.

Brasil. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Disponível em:  L12846 (planalto.gov.br) Acesso em: 05 de novembro de 2023.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Conhecimento em Governança Corporativa. Disponível em: IBGCconhecimento-governanca-corporativa. Acesso em: 05 de novembro de 2023.

Sobre o(a) autor(a)
Fernanda Carneiro
Fernanda Carneiro é estudante de Direito na UFRJ. Atua no departamento de Compliance em instituição do mercado financeiro.
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Termos do Dicionário Jurídico

Veja a definição legal de termos relacionados

Resumos relacionados Exclusivo para assinantes

Mantenha-se atualizado com os resumos sobre este tema

Testes relacionados Exclusivo para assinantes

Responda questões de múltipla escolha e veja o gabarito comentado

Guias de Estudo relacionados Exclusivo para assinantes

Organize seus estudos jurídicos e avalie seus conhecimentos

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.530 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos