No caso de lesão corporal leve praticada pelo marido contra a mulher, há necessidade de representação por parte da vítima?

No caso de lesão corporal leve praticada pelo marido contra a mulher, há necessidade de representação por parte da vítima?

Com o advento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) a lesão corporal no espaço familiar passou a ser de ação penal pública incondicionada. Todavia, doutrina e jurisprudências dominantes entendem que no caso de lesão corporal leve praticada pelo marido contra a mulher depende de representação.

Com o advento da Lei Maria da Penha, a redação do § 9º do art. 129 do Código Penal foi acrescida da hipótese de lesão corporal produzida no âmbito familiar, com pena majorada, ficando estabelecido pelo legislador o seguinte: “Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: (...) § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem convivia ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Já o art. 41 da Lei 11.340 passou a prever o seguinte: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995”. Desse modo, o juiz estava impossibilitado de aplicar as beneses do Juizado Especial criminal nas hipóteses de crimes abrangidos pela lei Maria da Penha.

A celeuma ocorre pelo fato de que parte da doutrina, numa análise do mencionado artigo, defende que a lesão corporal no espaço familiar passou a ser de ação penal pública incondicionada, Nota-se:

A exigência de representação da vítima na lesão leve e culposa vem insculpida no art. 88 da Lei n° 9.099/95. Assim, a ação penal em tais crimes, quando a vítima é mulher, nas condições constantes na Lei n° 11.340/06, passou a ser pública incondicionada, ou seja, não demanda mais representação da vítima. A contrario sensu, o dispositivo citado se aplica tão-somente quando o ofendido for homem ou, em sendo mulher, o fato se dê fora do ambiente doméstico, nos termos da lei1.

E ainda:

São crimes de ação pública incondicionada, não havendo exigência de representação e nem possibilidade de renúncia ou desistência por parte da ofendida. Somente nas hipóteses em que o Código Penal condiciona a ação à representação é possível, antes do oferecimento da denúncia, a renúncia à representação2.

No entanto, esse não é o posicionamento dominante atual. Isso porque, entende o STJ e grande parte da doutrina que a Lei n. 11.340/2006 não objetivou transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão corporal leve cometido contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, mas excluir da legislação a permissão da aplicação de penas alternativas, consideradas inadequadas para a hipótese, como a multa como a única sanção e a prestação pecuniária.

O art. 17 da Lei n° 11.340/06 dispõe o seguinte: “Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”.

O atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema é o seguinte:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTA-TIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. IRRESIGNAÇÃO IMPROVIDA.

1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima.

2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a

aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas  despenalizadoras.

3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real

espontaneidade da manifestação apresentada.

4. Recurso especial improvido3.

Portanto, a nosso ver, é bastante sensato o novo entendimento do STJ sobre o assunto, pois a partir de agora há necessidade de representação por parte da vítima no caso de lesão corporal leve, praticada pelo marido contra a mulher.

Referências bibliográficas

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo por artigo. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher: renúncia e representação da vítima. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965>. Acesso em: 22 agosto de 2010.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

ACEIRO, Danielle Martins Silva. Visibilidade jurídica da violência doméstica. Disponível em: <http://www.mpdft.gov.br/Comunicacao/artigos/danielle.htm>. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher: renúncia e representação da vítima.

Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965>. Acesso em: 22 agosto de 2010

BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei “Maria da Penha”. Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 22 agosto de 2010.

Coordenadoria de Editora e Imprensa do STJ. ESPECIAL Maria da Penha: STJ dispensa representação da vítima e Legislativo quer rever lei. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp. texto=96105>. Acesso em: 22 agosto de 2010.

Notas

1. Revista Jurídica do Ministério Público da Paraíba. Número 01. Janeiro/Junho de 2007. Violência doméstica contra a mulher: O novo perfil jurídico-punitivo da Lei n. 11.340/06.

2. http://www.amprs.org.br/imagens/a_violencia_domestica.pdf

3. RE n.º 1.097.042 - DF (2008/0227970-6), Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 24/02/2010.

Sobre o(a) autor(a)
Marcio dos Anjos Viana
Formado em Direito pela Universidade Católica de Goiás (junho/2004), trabalhou durante quatro anos como Agente Penitenciário Federal nos Presídios Federais de Catanduvas/PR e Campo Grande/MS, atualmente exerce o cargo de Delegado...
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