O crime organizado e a segurança pública
O terror que assolou a cidade de São Paulo demonstrou a fragilidade da segurança pública no Brasil. Quais os problemas e as soluções apontadas por especialistas? O DireitoNet entrevista o Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Fernando Capez.
Introdução
Nas últimas semanas, tivemos uma demonstração do poder de uma facção criminosa do Estado de São Paulo: o PCC (Primeiro Comando da Capital), que aterrorizou a grande cidade de São Paulo e alguns municípios do interior, mediante rebeliões em presídios, assassinatos de policiais e ataques a bens públicos.
Diante dos acontecimentos, a população assistiu, estarrecida, à inversão de valores. Durante quatro dias, tanto delinqüentes quanto policiais ficaram à mercê da vontade do líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, que comandou todos os ataques e, depois, o cessar-fogo. O motivo de tanto terror se deu ao inconformismo de “Marcola” com sua transferência para o presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes.
O PCC conta com mais de 100 mil integrantes espalhados por presídios de todo o Estado de São Paulo e junto com o Comando Vermelho, facção que domina a venda de drogas no Estado do Rio de Janeiro, constituem as duas maiores organizações criminosas do país. Crime organizado e o PCC
A Lei nº 9.034/65, que cuida do crime organizado, teve seu art, 1º alterado pela Lei nº 10.217/01, passando a ter a seguinte redação:
"Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo".
Como observado por Luiz Flávio Gomes [1] “com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288)”.
Diante de tantos crimes cometidos por organizações especializadas, como vimos em São Paulo, como também podemos ver em diversos lugares do país (Ex.: tráfico no Rio de Janeiro, mensalão em Brasília, etc), não devemos cruzar os braços perante a ausência de tipificação para o delito de “organização criminosa”, restando verificar, então, a tipificação do crime de quadrilha ou bando:
Art. 288, CP: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado”.
Nesse sentido, é a posição do Dr. Fernando Capez [2], que falou com exclusividade para o DireitoNet sobre o crime organizado: “[Diante da ausência de tipificação de “crime organizado”] Basta tipificar como quadrilha ou bando armado para a prática de crimes hediondos, com pena variável de 06 a 12 anos (03 a 06 porque a quadrilha é voltada à prática de crimes hediondos; a pena é dobrada pelo fato de o bando ser armado)”.
Além da pena correspondente ao crime de quadrilha, deve ser aplicada, cumulativamente, ao integrante desta a pena do delito praticado na atividade da organização. Por exemplo, os integrantes do PCC, que mataram policiais, deverão ter as penas da quadrilha e dos homicídios cumuladas.
Popularmente qualquer facção criminosa de grande repercussão e que envolva um número considerado de pessoas, demonstrando uma organização na conduta criminosa, como se o delito constituísse uma atividade empresarial, pode ser considerado um “crime organizado”.
Em um estudo divulgado pela Academia Nacional da Polícia Federal do Brasil, dez são as características do “crime organizado”: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos [3].
O PCC possui todas as características acima citadas, tendo, inclusive, um código de honra intitulado de “Estatuto do PCC”, composto de dezesseis mandamentos, conforme alguns deles divulgado na Revista VEJA (24-05-06) [4]:
- Seus membros devem lealdade ao partido “acima de tudo”.
- Criminosos em liberdade e boa situação financeira que se “esquecerem” de contribuir com a facção “serão condenados à morte sem perdão”.
- A facção se compromete, em “coligação com o Comando Vermelho (do Rio de Janeiro), a revolucionar o país dentro das prisões” e tornar-se “o terror dos poderosos, opressores e tiranos que usaram o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros”.
Infelizmente, nos últimos tempos, a sociedade brasileira tem convivido com inúmeras atuações de organizações criminosas. Além das facções acima mencionadas, a título de exemplo, podemos citar o crime organizado de falsificação de remédios que teve destaque em 1998; o roubo de carros; jogo do bicho; tráfico de influência, lavagem de dinheiro, etc. Segurança Pública
Diante do terror que assolou São Paulo algumas semanas atrás, muitas pessoas questionaram a solidez da segurança nacional, especialmente pelas decisões tomadas pelo Governador do Estado, Cláudio Lembo, que negou o auxílio das tropas da Polícia Federal oferecido pelo Presidente Lula.
Para entender a sistemática do combate ao crime em nosso País, é necessário, antes de tudo, compreender a estrutura da segurança pública.
Dispõe o art. 144, da Constituição Federal: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares”.
A segurança pública tem a finalidade de preservar a ordem pública e garantir a propriedade de seus bens.
A polícia, como um todo, tem duas funções essenciais:
-
Preventiva: exercida, principalmente, pela Polícia Militar, na medida que realiza um policiamento ostensivo, visando a inibição da prática de delitos.
-
Repressiva: exercida, fundamentalmente, pela Polícia Civil, por meio da investigação dos crimes, após seu cometimento, colhendo informações para que o Ministério Público possa exercer o seu direito de ação e punir os culpados.
A Polícia Civil, Polícia Militar e os Bombeiros Militares são subordinados aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, salvo em caso de guerra, quando funcionam como forças auxiliares das Forças Armadas e passam a ser subordinados ao Presidente da República.
A Polícia Federal é órgão permanente, tem função híbrida, atuando como polícia ostensiva e repressiva, e exerce, com exclusividade, a polícia judiciária da União. Também atua cumulativamente com a Polícia Civil e com a Polícia Militar quando a situação exigir ou quando a repressão do crime necessitar de uma atuação uniforme em todo o território nacional.
A Lei nº 10.446 de 2002, em seu art. 1º, prevê que “Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça”.
A Polícia Rodoviária realiza o patrulhamento das rodovias do País, bem como atua como órgão de inteligência da Segurança Pública.
No caso de grave ameaça à ordem pública, pode ser decretada intervenção federal, nos termos do art. 34, III, da Constituição Federal, ou, ainda, ser decretado Estado de Defesa, conforme dispõe o art. 136, do texto constitucional.
A intervenção federal e o Estado de Defesa são medidas excepcionais, que só podem ser tomadas em caso de extrema necessidade, quando as demais soluções experimentadas tiverem falhado no controle da paz social. Problemas e Soluções apontadas para a Segurança Pública
De acordo com o Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos [5], um dos maiores problemas ao combate ao crime organizado, no Brasil, são as leis penais e processuais ultrapassadas. Porém, segundo o Ministro, é preciso ter calma para não se criar uma “legislação de pânico”, ou seja, diante de uma situação emergencial, igual a que passou o Estado de São Paulo, saiam os parlamentares criando leis para a ocasião, que mais tarde, também, mostrar-se-ão obsoletas.
Outro problema visto por todos os brasileiros, por meio dos telejornais, foi o da facilidade com que os presos se comunicam com o exterior, seja por meio de celulares, de rádios amadores ou, até mesmo, por meio de informações repassadas pelos próprios advogados.
Diante dessa constatação, o Ministro da Justiça chegou a cogitar a idéia de submeter os advogados a uma revista pessoal para adentrarem nos presídios e sugeriu o monitoramento da conversa destes com seus clientes, para evitar a troca de informações entre os integrantes das facções criminosas.
Ocorre que tal limitação à atuação dos advogados é uma afronta à Constituição Federal, pois ofende o direito do cidadão à ampla defesa e uma instituição que tem papel fundamental na administração da justiça: a advocacia (art. 133, CF). Nesse sentido, pronunciou o presidente nacional da OAB, Roberto Busato, que afirmou que “o advogado não pode servir de instrumento ou porta-voz de bandidos, mas também não pode ser tratado como o marginal e nem culpado pela crise na segurança pública, nem passando a sofrer constrangimentos inadmissíveis numa democracia” [6]. Uma discussão também foi travada entre os chefes do governo e as concessionárias de telefonia sobre o bloqueio do sinal de telefones celulares nos presídios. Enquanto a ANATEL determinava que as empresas de telefonia fizessem o referido bloqueio, a população se perguntava: Por que bloquear algo que é proibido? Não seria mais correto impedir que tais aparelhos adentrassem nos estabelecimentos prisionais?
Parece que essa também foi a constatação do coordenador de Inteligência Penitenciária do Ministério da Justiça, Alexandre Cabana Queiroz Andrade, que afirmou, na CPI do Tráfico de Armas (18-05-2006), que o sistema de bloqueadores de celular não pode ser visto como "a solução dos problemas nas penitenciárias do país". Para ele, os bloqueadores são tão importantes quanto outros equipamentos de segurança – como os aparelhos de raio X, de espectrometria e os detectores de metais [7].
Diante dos ataques do PCC no Estado de São Paulo, o DireitoNet perguntou ao Dr. Fernando Capez [8] quais as possíveis soluções a serem tomadas no combate ao crime organizado: “O que pode e deve ser aperfeiçoado é investir na pessoa do policial, remunerando-o de maneira adequada, estimulando-o por meio de prêmios por produtividade e incentivando-o a partir para o confronto com os marginais. As execuções sumárias que ocorreram recentemente, ainda não podem ser atribuídas à polícia, podendo ter sido executadas pelo próprio PCC em acerto de contas com outros bandidos. A Polícia de SP é a melhor do Brasil e, se estimulada, pode trazer grandes resultados”.
Quando indagado sobre propostas para funcionamento dos presídios, o ilustre Promotor concluiu: “Isolamento permanente por tempo indeterminado dos membros de organizações criminosas; vigilância dos presídios por grupos de operações especiais do Exército, os quais se alternariam em sistema de rodízio, de modo a permanecer um mês no máximo em cada presídio; câmeras de vigilância em todos os locais do presídio; detectores de metais em todas as entradas, como em bancos e aeroportos; censurar a correspondência do preso e a sua comunicação com seus advogados e proibir a visita íntima, no caso de comprovada atuação do preso em atividades criminosas internas e externas; manter a disciplina com mão de ferro. São algumas das medidas imediatas que funcionariam”. Conclusão:
Nas últimas semanas, a maior cidade do País viu-se nas mãos de marginais, mais especificamente, de um poderoso chefe do tráfico de drogas, o “Marcola”, que comandou o início e o término de ataques a policiais civis, militares e bombeiros e a bens públicos, sem mencionar nas inúmeras rebeliões em presídios em todo o Estado.
O terror serviu de alerta para que governantes parassem para pensar nas falhas da segurança pública e da legislação nacional.
É evidente que o Código de Processo Penal, que data de 1941, mostra-se ultrapassado, favorecendo os delinqüentes diante da morosidade do processo. Assim, a reforma do processo penal faz-se urgente, demandando de nossos parlamentares mais empenho.
De outro lado, se não adiantar as mudanças legislativas, pode-se mudar a mentalidade no comando e administração da segurança por meio de agentes e policiais mais treinados, bem como por meio do combate à corrupção em todos os níveis e esferas do poder.
[1] GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em: 23 mai. 2006.
[2] Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.
[3] OLIVEIRA, Adriano. Crime Organizado: É possível definir? Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/034/34coliveira.htm. Acesso em: 23-maio-2006.
[4] Revista VEJA, edição 1957- ano 39 – nº 20, 24 de maio de 2006. Editora Abril. p. 48
[5] Fonte: Dialex 17.maio.2006
[6] ZIMMERMANN, Patrícia. Ministro da Justiça defende revista de advogados em presídios. 17/05/06. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121655.shtml. Acesso em: 29-05-06.
[7] Ministério diz que bloquear celular em cadeia é pouco (18-05-06). Disponível em: http://www.tiinside.com.br/Filtro.asp?C=265&ID=62930. Acesso em: 29-05-06.
[8] Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.