A reforma tributária e os pequenos negócios

A reforma tributária e os pequenos negócios

A Reforma Tributária trazida pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, será um grande marco em nosso país. Falo no futuro porque ela ainda representa apenas uma carta de intenções, eis que tudo ainda depende de regulamentações e de construção de novas estruturas na área tributária.

A Reforma Tributária trazida pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, será um grande marco em nosso país. Falo no futuro porque ela ainda representa apenas uma carta de intenções, eis que tudo ainda depende de regulamentações e de construção de novas estruturas na área tributária.

Mas é uma boa carta de intenções, pois o Brasil luta há mais de trinta anos para reformar a tributação sobre o consumo, e a utilização do imposto sobre o valor agregado, o chamado IVA, como parâmetro, é um passo importante, eis que essa forma de tributação, de origem europeia, está presente na maior parte dos países[1].  

Outra grande e importante característica do IVA é a tributação no destino, por meio do qual toda a carga tributária, para pelo consumidor final, é destinada aos entes federados nos quais esse consumidor tem domicílio fiscal.

Essa forma de tributação acaba com a chamada guerra fiscal, presente hoje notadamente no ICMS, e que, ao fim e ao cabo, não beneficia nem o Estado brasileiro e nem o consumidor, mas apenas grandes empresas que utilizam a competição fraticida entre Estados para pagarem menos impostos. 

Quanto aos pequenos negócios, a Reforma Tributária manteve o Simples Nacional, regime tributário alternativo determinado pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003, pela inclusão do art. 146, III, ‘d’ e § 1º na Constituição Federal, culminando na edição da Lei Complementar nº 123, de 2006.

A manutenção do Simples Nacional, todavia, ocorreu com contornos diferenciados, na medida em que uma parte das empresas do Simples precisará gerar créditos para o novo IVA, subdividido em dois tributos, o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, pertencente aos Estados e Municípios, e a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, pertencente à União.

No novo modelo, as empresas do Simples poderão optar por pagar o IVA (IBS/CBS) dentro do Simples, gerando créditos nos valores recolhidos no regime, ou pagar o IBS/CBS fora do Simples, gerando créditos integrais. A primeira opção – pagar o IVA dentro do Simples, é destinado aos pequenos negócios que estejam no final da cadeia, não necessitando gerar créditos. O segundo modelo será mais benéfico para as pequenas empresas que estejam na produção ou distribuição, na qual seus clientes demandam crédito integral. 

Trata-se de uma modificação significativa, eis que, hoje, as empresas do Simples não podem escolher, por exemplo, pagar o ICMS fora do regime. Quando optam, estão escolhendo um pacote fechado, não gerando créditos integrais em nenhuma hipótese, exceto quando ao PIS/COFINS, cuja legislação já permite a transferência de créditos. 

O fim da substituição tributária na tributação sobre o consumo, hoje existente no ICMS, é uma grande conquista, apesar dos cuidados necessários na tramitação da regulamentação, evitando-se que ela venha a ser inserida por emendas parlamentares. 

A substituição tributária do ICMS é a tempestade perfeita para os pequenos negócios, eis que a pequena empresa é obrigada a pagar o imposto antes da venda, sobre um evento futuro e incerto. E vários Estados ainda tornaram o pesadelo pior, exigindo o imposto em suas fronteiras, sobre um fato gerador que ainda não ocorreu.

A substituição tributária provoca dois fatores que prejudicam sobremaneira as pequenas empresas. O primeiro, o descasamento no fluxo financeiro, porque o imposto é recolhido sobre uma receita futura, que ainda não existe. O segundo, a burocracia, eis que é extremamente complexo calcular, declarar e recolher o imposto, notadamente em operações interestaduais. 

Apesar de não ter sido prevista para o IVA (IBS/CBS), ela deveria ser vedada até mesmo no atual ICMS, que terá vigência até 2032.

E aqui chegamos ao que podemos chamar de período de transição, de adaptação, de maturação na reforma.  Esse período é necessário, para que o Poder Público e os contribuintes se adequem, notadamente quando aos atuais benefícios fiscais do ICMS, que terão vigência até 2032.

A crítica que se faz é quanto ao longo tempo de transição, que poderia ser menor. Mas não há dúvidas sobre sua necessidade, pois além da questão dos benefícios fiscais, há também uma severa questão a respeito da estruturação do Comitê Gestor do IBS, que sem dúvida representará uma quarta instância federativa no tocante aos impostos em nosso país. 

Esse novo órgão terá que organizar-se, contratar pessoas, sistemas de tecnologia, bancos arrecadadores, pensar em formas de arrecadação, de compensação, de contencioso administrativo, e de praticamente todas as matérias que regem tributos.

O Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN pode ser uma inspiração para o Comitê Gestor do IBS - CGIBS, mas essa nova estrutura é muito mais robusta. O CGSN é somente um colegiado, sendo que as tarefas operacionais são realizadas pelos fiscos. O CGIBS será uma verdadeira administração tributária paralela, com todas as suas instâncias, o que é muito mais complexo.

A reforma trará prejuízos aos pequenos negócios na aquisição de produtos e insumos, eis que as atuais alíquotas do PIS/COFINS, notadamente quando o fornecedor está na tributação cumulativa dessas contribuições, no total de 3,65%, serão inferiores às que serão adotadas na CBS. Em tese, o custo de aquisição será maior, e haverá perdas, notadamente para a empresa que estiver no final da cadeia, pagando o IBS/CBS dentro do Simples. O pequeno negócio que decidir pagar o IBS/CBS fora do Simples aproveitará os impostos pagos nas fases anteriores, eliminando as perdas.

De qualquer forma, reputo como positiva a reforma tributária trazida pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, pela manutenção do Simples Nacional, pela oportunidade trazida para as empresas optantes de pagar o IBS/CBS dentro ou fora do regime, a depender da sua situação na cadeia produtiva, e da extinção da substituição tributária no IVA, fazendo-se apenas a ressalva de a vedação desse instituto já deveria ter sido prevista para o ICMS, mesmo antes da sua extinção, em 2032.

Nota  

[1] O IVA é o modelo europeu de tributação sobre o consumo, no qual cada fase da produção tributa apenas sua contribuição para o processo, aproveitando-se o imposto pago nas fases anteriores. No modelo americano não se tributa a produção, existindo apenas a tributação do final da cadeia, no varejo.  

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Fábio Gonçalves Marimon
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