A aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia

A aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia

Abordagem sobre as noções gerais do princípio da insignificância, com ênfase aos aspetos da legalidade na aplicação do referido princípio pelo Delegado de Polícia no ordenamento jurídico Brasileiro.

1. O princípio da insignificância

O princípio da insignificância é um conceito jurídico importado do Direito Penal. Ele se aplica quando a conduta praticada por um indivíduo é considerada de tão pequena importância que o sistema legal opta por não julgá-la e, consequentemente, não aplicar uma penalidade.

Este princípio foi criado com o objetivo de evitar a aplicação de punições desproporcionais para infrações de pequena magnitude, que não resultem em danos significativos. Em outras palavras, é uma maneira de evitar o uso desnecessário e excessivo do poder de punir do Estado em situações menores.

Para o doutrinador e Promotor de Justiça André Estefam: 

“O princípio da insignificância ou da bagatela foi desenvolvido por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que produzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do princípio produz fatos materialmente atípicos.”

O princípio da insignificância não está explicitamente previsto na legislação brasileira, mas é aceito e aplicado pelos tribunais, com base nos precedentes judiciais. Este era um conceito originalmente proposto pelo jurista alemão Claus Roxin, que argumentava que o Direito Penal deveria se concentrar em delitos graves, que são aqueles que realmente prejudicam a sociedade.

A teoria foi inicialmente delineada por Claus Roxin, na década de 60, e amplamente desenvolvida por sua vez, pelo jurista italiano Gunther Jakobs. Roxin defendia que o Direito Penal enquanto instrumento de controle social, não deveria ser acionado em casos de lesão muito reduzida a algum bem jurídico.

No entanto, a aplicação desse princípio é assunto de controvérsia em muitos casos, pois envolve uma avaliação subjetiva do que constitui uma transgressão "insignificante". Além disso, críticos argumentam que a aplicação desse princípio pode levar à impunidade, permitindo que indivíduos cometam pequenos delitos sem medo de punição.

Neste sentido, pode-se considerar que, o princípio da insignificância decorre do princípio da intervenção mínima, o qual se desdobra nos princípios da subsidiariedade e fragmentariedade, já que o Direito Penal, considerando a intervenção mínima do Estado, não deve ser acionado para reprimir condutas que não causem lesões significativas.

2. A aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia

Existem no ordenamento jurídico brasileiro, diversas discussões acerca da legalidade na aplicação direta do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia em sede policial. Alguns argumentam que a aplicação do princípio da insignificância é um ato de interpretação da lei penal, e, portanto, deve ser feito exclusivamente pelo Poder Judiciário.

Em sentido contrário, defensores da lei argumentam que permitir ao Delegado de Polícia a aplicação do princípio da insignificância seria uma maneira eficaz de desafogar o sistema judiciário, que frequentemente é sobrecarregado com casos de menor gravidade.

Recentemente, alguns estados brasileiros como São Paulo e Minas Gerais, propuseram leis autorizando Delegados de Polícia a aplicar o princípio da insignificância durante a investigação criminal. A ideia é que isso possa reduzir a quantidade de casos considerados insignificantes que são enviados para o judiciário.

Contudo, existem posições que defendem a ideia de que a permissão aos Delegados de Polícia aplicar o princípio da insignificância violaria o princípio da separação dos poderes, ao decidirem quais casos são ou não insignificantes.

O Supremo Tribunal tem sido solicitado para se pronunciar sobre a constitucionalidade dessas leis estaduais. Até o momento, contudo, não houve um posicionamento definitivo, e a questão continua sendo um assunto debatido tanto no meio jurídico como no meio policial. Portanto, embora algumas leis estaduais possam autorizar Delegados a aplicar o princípio da insignificância, há um debate significativo sobre a legalidade dessa prática.

No entanto, através de uma análise básica do sistema penal brasileiro, nota-se a grande relevância de que seja pacificado o entendimento no sentido de autorizar a aplicação direta do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia. 

Por mais que a interpretação do caso concreto, relacionado à aplicação de princípio, trata-se de um ato de interpretação da lei penal, devendo ser realizado pelo Poder Judiciário, tal permissão aos Delegados aperfeiçoaria e tornaria mais célere todo o sistema penal e processual penal.

Ora, o Delegado de Polícia possui total capacidade técnica/jurídica para analisar se o caso concreto está amparado pela aplicação do princípio da insignificância, avaliando a presença dos requisitos objetivos (ausência de periculosidade da ação, mínima ofensividade da conduta) e subjetivos (se o réu não é criminoso habitual ou militar, condições da vítima), levando em consideração que, de acordo com o entendimento dos Tribunais Superiores que, a reincidência por si só, não pode ser utilizada como parâmetro para afastar a aplicação do princípio.

Autorizar a aplicação do princípio da insignificância pelos Delegados de Polícia diminuiria drasticamente a quantidade de processos criminais que chegam diariamente ao Poder Judiciário, para ao final, após a análise do Ministério Público e do Juiz de Direito se ver declarada a exclusão da tipicidade do fato em decorrência da aplicação do princípio, algo que poderia nem ter sido iniciado, caso essa análise fosse realizada pela Autoridade Policial.

Por fim, não há ônus para o sistema jurídico, caso tal permissão seja pacificada em todo o país, já que o Ministério Público possui o controle externo da atividade policial, e caso discorde da fundamentação do Delegado de Polícia no caso concreto, ao ser aplicado o princípio da insignificância, nada o impede que de maneira fundamentada, aponte a ausência dos critérios e requisitos, demonstrando ao Poder Judiciário a não incidência dos motivos autorizadores. 

Para tanto, existe a necessidade de uma regulamentação uniforme, a fim de padronizar os procedimentos legais para aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia, inclusive, com a fixação dos métodos de controle pelo Ministério Público em consonância com o Poder Judiciário. 

Referência bibliográfica

ANDRÉ ESTEFAM. Direito Penal - Vol. 1. [s.l.] Saraiva Educação S.A., 2022.

Sobre o(a) autor(a)
Gabriel R Oliveira
Servidor Público do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela Universidade Paulista - UNIP, pós-graduando em Direito Penal na ESMPSP (Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo), professor de Direito...
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