STJ aplica princípio da insignificância a crime contra administração pública
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência da Súmula 599 e aplicou o princípio da insignificância a crime contra a administração pública. Ao prover o recurso em habeas corpus, por unanimidade, o colegiado avaliou que as peculiaridades do caso autorizam a não aplicação do enunciado.
O fato em análise ocorreu em novembro de 2013, na cidade de Gravataí (RS), quando o denunciado passou o carro por cima de um cone de trânsito ao furar um bloqueio da Polícia Rodoviária Federal. Para a defesa, caberia o princípio da insignificância, uma vez que a aplicação do direito penal só se justificaria para atos realmente lesivos ao bem público protegido.
No entanto, a 2ª Vara Criminal de Gravataí condenou o réu por dano qualificado e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) negou o pedido de habeas corpus, entendendo que as ações do acusado apresentam alto grau de reprovação. Para o TJRS, o valor do bem não deve ser o único parâmetro para a análise da lesividade da conduta e aplicação do princípio da insignificância.
O relator do recurso no STJ, ministro Nefi Cordeiro, ressaltou que o réu era primário, tinha 83 anos na época dos fatos e o cone avariado custava menos de R$ 20, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época. “A despeito do teor do enunciado 599, as peculiaridades do caso concreto justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada”, entendeu o ministro.
Quatro vetores
A súmula 599 do STJ dispõe que “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.
O ministro Nefi Cordeiro explicou que a orientação jurisprudencial para aplicação do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 85.272 - RS (2017/0131630-4)
RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO
RECORRENTE : ANNICIO ALVES DE SOUZA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. DANO QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE. IDOSO
COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FATOS. PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DO
CASO CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA SÚMULA N. 599/STJ.
JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO
PROVIDO.
1. A subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento
de repressão moral, de condutas típicas que não produzam efetivo dano. A falta de
interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos
da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal.
2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio
da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade
da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau
de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada.
3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que O princípio da
insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as
peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e
avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário
mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista
que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva
lesão jurídica provocada.
3. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n.
2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal de Gravataí/RS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro,
Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 14 de agosto de 2018 (Data do Julgamento)
MINISTRO NEFI CORDEIRO
Presidente e Relator