Ilegitimidade passiva das assistências técnicas autorizadas por vício de produto
Busca elevar questão de extrema importância prática no mundo jurídico, em especial dos Juizados Especiais Cíveis, qual seja, a ilegitimidade passiva das empresas de assistência técnica em ações indenizatórias por vício do produto.
Uma das lides bastante comum em nossos Juizados Especiais refere-se à possibilidade ou não de condenação solidária das assistências técnicas autorizadas com os fornecedores no que concerne a produto com vício.
O tema em si gera bastante polêmica por dos motivos: primeiro se há a ilegitimidade passiva das assistências técnicas autorizadas e, em segundo, mas não menos importante, havendo condenação solidária, a existência de direito de reembolso em face da empresa produtora.
Neste diapasão, mister destacar o conceito de vício do produto disciplinado no Código de Defesa do Consumidor nos arts. 18 a 25.
A simples leitura das disposições normativas enseja a conceituação do vício do produto como sendo aquele que frustra a destinação esperada pelo consumidor, ou seja, o torna impróprio para o consumo ou utilização, produz a sua desvalia, bem como minora o seu valor.
Por óbvio, existindo vício do produto, este deve ser indenizado pelo fornecedor e não pela assistência técnica autorizada a reparar em nome daquele.
Aqui reside o âmago da temática em quadro.
Pergunta-se: a assistência técnica autorizada, ou seja, aquela que presta serviços de reparação em nome do fornecedor ou produtor pode ser considerada fornecedor e, assim sendo, condenável a reparar solidariamente o vício do produto?
A resposta para essa pergunta, com clareza solar, definirá os rumos do presente artigo.
Primeiramente, como supramencionado, é de amplo entendimento jurisprudencial e doutrinário a ilegitimidade passiva das assistências técnicas autorizadas em razão, justamente, de reparar em nome de e não efetivamente para o consumidor final.
A relação que se avizinha é com o (s) verdadeiro (s) fornecedor (es) do (s) produto (s) e não com o consumidor desejoso de ver reparado o vício do produto.
Resta claro esse argumento quando se percebe que o consumidor sequer tem a possibilidade de escolher qual assistência técnica irá realizar os serviços para reparação do vício no prazo estipulado contratualmente ou pelo Código de Defesa do Consumidor (trinta dias), sendo sempre aquela autorizada e contratada pelo verdadeiro fornecedor, seja ele o produtor ou o vendedor.
Nesse sentido julgado do 2º Juizado Especial Cível da Comarca de João Pessoa (PB), no processo nº 200.2008.901.045-4, in verbis:
“No caso em apreço, a autora escolheu demandar contra o fabricante, o comerciante e contra a assistência técnica, sendo que somente os dois primeiros irão responder pelos danos causados a ela pelo vício do produto, tanto pelo que prevê a legislação, doutrina e jurisprudência, como pelo pedido de exclusão da lide em face da assistência técnica, faltando agora apenas fixar o quantum indenizatório”. Grifos de agora
Corroborando com o argumento acima, outro julgado merece destaque, do mesmo Juízo no processo nº 200 2009.936.213-5, ipsis litteris:
“Em relação à assistência técnica, esta não poderá responder pela mora do fabricante em disponibilizar meios para o conserto do produto adquirido ou, na impossibilidade de conserto, restituir o valor pago, razão pela qual reconheço a falta de legitimidade para figurar no pólo passivo da presente demanda”. Grifos de agora
Vê-se pela leitura de parte do julgado retro colimado, verbi gratia, o entendimento majoritário da jurisprudência pátria no sentido de que a assistência técnica autorizada não deve responder pelos vícios do produto.
Como dito, há apenas relação contratual com o verdadeiro fornecedor do produto e não com o consumidor final, pois age em nome daquele.
Além disso, não seria justo mero reparador, autorizado pelo fornecedor, responder por vícios já existentes no produto no momento de sua aquisição, repousando sua responsabilidade apenas na qualidade dos serviços que presta.
Confirmando a tese exposta, válido destacar jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPARAÇÃO DE DANOS. VÍCIO DO PRODUTO. APARELHOS DE AR CONDICIONADO. EMPRESA PRESTADORA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. NÃO CONFIGURAÇÃO DA HIPÓTESE PREVISTA NO ART.18 DO CDC. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE. ACOLHIDA A ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. - Situação diversa da hipótese do artigo 18, uma vez que a demanda é fundada em vício do próprio produto, e não do serviço, o que afasta, de logo, a responsabilidade da prestadora de serviços de assistência técnica; - A agravante não participou da venda dos produtos, nem tampouco foi acionada para efetuar qualquer prestação de serviço. A sua participação no episódio se restringiu à verificação do alegado pela agravada, após a notificação desta às empresas fabricantes/fornecedoras, demais demandadas, cujos produtos foram adquiridos diretamente junto a estas, conforme notas fiscais apresentadas. (Acórdão 20071461 no Agravo de Instrumento 0934/2006 do TJSE. Relator Des. Cezário Siqueira Neto. Julgamento em 19 de março de 2007). Grifos de agora
Assim sendo, é hialina a ilegitimidade passiva das empresas de assistência técnica autorizada pelo vício do produto.
D’outra banda, sendo entendimento diverso do julgador, é válido o debate sobre o direito de reembolso dessas empresas, haja vista estarem respondendo por vício existente na fabricação do produto e não na prestação do serviço de reparação.
Comumente as assistências técnicas são microempresas e, como tal, a Constituição Federal de 1988, no inciso IX do art. 170, estabeleceu tratamento jurídico diferenciado em relação a elas.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Válido frisar a disposição legislativa para demonstrar a obrigação de reembolso às assistências técnicas que porventura realizem o pagamento da condenação por vício do produto.
A necessidade tem arrimo em duas questões, o tratamento diferenciado que deve ser dado às empresas de micro e pequeno porte, assim como pela inexistência de culpa pelos vícios dos produtos em sua fabricação ou venda.
É dizer: trata-se de uma forma de atuação no mercado de trabalho em que predomina a presença e a participação pessoal de um profissional, que usa da microempresa ou da firma em nome individual para o exercício da sua atividade. A precariedade de recursos da microempresa significa a mesma precariedade econômica do seu titular.
Nesse diapasão, a responsabilização dessas microempresas de assistência técnica por vícios dos produtos que são produzidos e vendidos por outras de grande porte, por cognição lógica, tornaria impossível a continuidade das primeiras.
Por isso, com o fito de facilitar o reembolso de tais quantias, recomenda-se aos microempresários que no momento da contratação com os fornecedores dos produtos para se tornarem autorizadas a prestar serviços de assistência técnica, constem, no contrato, cláusula específica de reembolso.
É que a cobrança judicial dificulta sobremaneira, em razão da falta de celeridade processual, além dos custos envolvidos no processo (custas processuais, honorários advocatícios, entre outros), a recuperação dos valores, atrapalhando o capital de giro - muitas vezes quase nulo e, com isso, a continuidade regular das atividades empresariais.
Pelo exposto, não tendo a pretensão de esgotar temática de enorme importância para o mercado atual, defende-se a tese da ilegitimidade passiva das empresas de assistência técnica autorizada em caso de vício do produto, bem como se recomenda que nos contratos para funcionarem como autorizadas, esteja presente cláusula específica de reembolso com o escopo de facilitar a recuperação de verbas acaso pagas a título de indenização.