A polêmica da verticalização das coligações partidárias

A polêmica da verticalização das coligações partidárias

A verticalização das coligações partidárias deverá valer para as eleições de 2006, conforme decidiu o STF ao julgar ADIn proposta pelo Conselho Federal da OAB em face da EC nº 52/06.

INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional nº 52, de 08 de março de 2006, deu nova redação ao § 1º do art. 17, da Constituição Federal, acabando com a obrigatoriedade, no âmbito estadual, municipal e distrital, da observância das mesmas coligações partidárias realização no plano federal.

Determinou, ainda, a referida EC a aplicação imediata da nova disciplina para as coligações partidárias, de tal forma, que poderão já ser postas em prática para as eleições presidenciais e para a escolha de Governadores de Estado deste ano.

Uma discussão se levantou no âmbito das instituições jurídicas do país acerca da constitucionalidade da alteração legislativa. O Conselho Federal da OAB e a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) ajuizaram, perante o STF, Ações Diretas de Inconstitucionalidade (nº 3.685 e 3.686) questionando a validade do novo dispositivo em face da Constituição Federal.

DA VERTICALIZAÇÃO

A verticalização nas eleições obrigava os partidos políticos, que se coligarem a uma determinada chapa para as eleições presidenciais, mantenham a mesma coligação para a disputa de outros mandatos como de governador, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital.

A obrigatoriedade de verticalização surgiu em fevereiro de 2002 a partir de uma interpretação do Tribunal Superior Eleitoral sobre a Lei nº 9.504/97 que disciplina as eleições. Para o TSE, os partidos, apesar de sua autonomia, têm "caráter nacional". A expressão “verticalização” se deve ao fato de que a instrução do TSE se impõe ao partido, devendo ser seguida de cima para baixo, ou seja, do órgão nacional para os estaduais.

Dessa forma, nas eleições de 2002, a regra de verticalização foi observada, sendo que as alianças feitas no âmbito federal (para as eleições de Presidente da República) tiveram de ser respeitadas ou repetidas no âmbito estadual (na escolha de Governador de Estado).

A EC Nº 52/06 E O ART. 16, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Antes da EC 52/06, dispunha o art. 17, § 1º, da Constituição Federal:

É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir a sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias”.

Apesar do texto do referido artigo não ser explicito quanto à regra da verticalização, o TSE entendia que apontava para tal caminho, uma vez que mencionava a fidelidade partidária.

No entanto, nem todos entendiam pelo mesmo. Muitos militantes do Direito eram contrários à verticalização, chegando Roberto Mangabeira Unger a afirmar que: “Os partidos têm de se fazerem nacionais pelo caminho torto de aderirem a alianças convenientes em parte do Brasil em vez de se fazerem nacionais pelo caminho reto de lutar por voto em todo o Brasil" [1].

Após muita discussão e tramitação no Congresso Nacional, a EC 52/06 foi aprovada, dando a seguinte redação ao § 1º, do art. 17, da CF:

É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.

A nova redação acabou com a discussão acerca da obrigatoriedade da verticalização. No entanto, acendeu outra polêmica no cenário jurídico, uma vez que no texto da EC nº 52/06, há previsão de aplicação imediata de referido dispositivo, contrariando a norma constitucional do art. 16.

Determina o art. 2º, da EC nº 52/06, que “Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002”. Nota-se, pela redação do dispositivo transcrito, que a nova determinação já deveria ter sido observada nas eleições que ocorreram em 2002 e que deverá ser respeitada nas próximas eleições de 2006.

Ocorre que o art. 16, da Constituição Federal dispõe que “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Assim, como a EC nº 52 é de 8 de março de 2006 e as eleições se realizarão em 1º de outubro deste ano, não poderia, de acordo com o art. 16, CF, ser aplicado o fim da verticalização já para as próximas eleições, tendo em vista que entre a data da publicação da referida EC e o próximo escrutínio haverá transcorrido apenas sete meses.

Esse foi o fundamento utilizado pelo Conselho Federal da OAB e a pela Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) nas ADIs ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal.

De acordo com a Conamp, “Ultrapassado o limite de 30 de setembro de 2005 sem qualquer publicação no Diário Oficial da União, as mudanças nas regras eleitorais somente podem valer nas eleições de 2008 e seguintes e não nas de 2006”.

Ainda, tanto o Conselho Federal da OAB quanto a Conamp sustentam que, de acordo com o art. 60, § 4º, CF, o art. 16 é cláusula pétrea, uma vez traz regra de segurança jurídica consagrada no art. 5º, da Constituição Federal, e, portanto, não pode ser alterado nem por emenda constitucional.

Na opinião do deputado federal Antônio Carlos Pannunzio, em entrevista concedida exclusivamente ao DireitoNet, antes da decisão do STF, “O fim da verticalização é inconstitucional não porque fere o princípio da segurança jurídica, mas sim porque viola o princípio do caráter nacional dos partidos políticos no Brasil, estabelecido no art. 17 da Constituição Federal”. Acrescentou, ainda, que “regra da anterioridade tem "status" constitucional, mas não é cláusula pétrea porque não está no rol descrito no art. 60 da Constituição Federal. A constitucionalidade do fim da verticalização por meio de emenda constitucional aprovada menos de um ano antes das eleições está sob análise do Supremo Tribunal Federal. Portanto, há que aguardarmos o entendimento que será firmado pela Corte Suprema, e que seguramente deverá ser acatado por todos os partidos políticos”.

A DECISÃO DO STF

Na sexta-feira, dia 3 de março, antes da promulgação da EC nº 52/06, o TSE havia se pronunciado pela manutenção da verticalização nas eleições de 2006, criando um certo desconforto entre o Legislativo e o Judiciário, tendo em vista as posições contrárias sobre o assunto.

Ainda, durante a tramitação da referida emenda, o STF também foi suscitado a realizar o controle de constitucionalidade preventivo, por meio de um mandado de segurança impetrado pelo deputado Miro Teixeira que questionava a forma como a EC nº 52/06 era processada no Congresso Nacional, que, ao final, foi promulgada.

Após a promulgação da EC nº 52/06, foram ajuizadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3.685 e 3.686 propostas, respectivamente, pelo Conselho Federal da OAB e pela Conamp, sendo apreciadas no dia 22 de março pelo STF.

Em ambas as ações, há pedido de que a nova redação da ao § 1º do art. 17 da Constituição Federal seja suspensa até as eleições de 2006, ou seja, que o fim da verticalização não seja aplicado já no próximo pleito.

É o STF que detém a última palavra sobre a questão, uma vez que é o órgão responsável pelo julgamento do controle abstrato de constitucionalidade das normas no País. Dessa forma, julgou procedente a ADIn ajuizada pela OAB, por 9 votos a 2, decidindo pela manutenção da verticalização até as eleições de 2006, tendo em vista que o art. 16, da Constituição Federal, proíbe alterações no processo eleitoral num período inferior a um ano antes das eleições.

De acordo com os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, a violação ao princípio da anualidade pode gerar abusos e criar regras que beneficiem os interesses da situação, podendo gerar uma insegurança jurídica.

Já os Ministros Marco Aurélio de Mello e Sepúlveda Pertence (votos vencidos), defenderam o fim da verticalização com base nas características regionais do País.

Além da questão da aplicação ou não do dispositivo para as próximas eleições, questionava o Conselho Federal da OAB acerca do art. 16, da Constituição Federal, se a referida norma realmente constituía uma cláusula pétrea ou não.

Em seu voto, o Ministro Eros Grau solucionou a questão ao afirmar que: “Observo, de plano, que uma emenda constitucional poderia inclusive e até mesmo ter revogado o preceito veiculado por esse artigo 16, o que, contudo, não ocorreu. Este ponto é extremamente relevante. Pois esse artigo 16 seria emendável, até porque decorreu, em sua redação atual, de uma emenda à Constituição, a EC 04/93. Daí porque, como observou na tribuna o Professor Marcelo Cerqueira, não cabe a atribuição, a esse preceito, do caráter de cláusula pétrea" [2].

A VERTICALIZAÇÃO E O CENÁRIO POLÍTICO

A verticalização interfere de maneira significativa no cenário político.

Sabemos que nem sempre o interesse do candidato é o interesse almejado pelo partido inteiro, ou, ainda, que um mesmo partido possui inúmeros desmembramentos internos, com interesses conflitantes, dificultando um consenso nacional.

A verticalização impõe essa unicidade partidária, determinando que as alianças realizadas por um partido em âmbito federal seja observada em todo o território nacional.

O fim da verticalização era de interesse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trabalhou pela aprovação pelo Congresso da EC nº 52/06, pois pleiteava junto ao PMDB uma coligação, em nível federal, junto ao PT para as eleições de 2006, quando disputará à reeleição. Com a manutenção da verticalização, pouco provável será o apoio do PMDB, uma vez que realizada a aliança em nível superior não poderá ter candidaturas próprias para níveis estaduais.

Outro exemplo ilustrativo é do PFL, que, nas eleições presidencias, pretendia apoiar o candidato do PSDB e, nas estaduais, almejava coligar-se ao PMDB, caso o fim da verticalização seja mantido pelo STF para as próximas eleições.

CONCLUSÃO

Observa-se que o fim da verticalização das coligações partidárias não era o centro das discussões nos bastidores da política e do judiciário, mas, sim, sua aplicação imediata para as próximas eleições.

Com a promulgação da EC nº 52/06, nos moldes que o governo esperava, as alianças para as eleições de 2006 já haviam começado a se formar e tomar um perfil descentralizado no território nacional.

Contudo, a decisão do STF jogou um balde de água fria nos partidos políticos que já contavam com o fim da verticalização. Agora, os partidos terão que decidir, rapidamente, se terão ou não candidatos próprios disputando as eleições presidenciais ou se vão optar pelas alianças, o que implicará na renúncia da candidatura própria no âmbito estadual.

 

[1] UNGER, Roberto Mangabeira. Verticalização contra democracia. 3-05-2005 http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/docs/artigos188.doc

[2] GRAU, Eros. ADIn nº 3.685-8/DF . 22-03-2006 http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/ADI3685%20Eros%20Grau.pdf

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Luciana Andrade Maia
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