Responsabilidade dos servidores públicos
Responsabilidade criminal do servidor público, a qual decorre de atos ilícitos descrita como crime na Lei Penal ou Esparsa.
Introdução
Este trabalho é desenvolvido em Quatro Capítulos os quais tratam de assuntos relacionados à Responsabilidade dos Servidores Públicos, com ênfase na Responsabilidade Criminal.
No Primeiro Capítulo busca-se definir o termo Responsabilidade do Servidor Público, demonstrando-se a autonomia existente nas esferas cível, administrativa e criminal, bem como suas peculiaridades.
O Segundo Capítulo trata especificamente da Responsabilidade Criminal do Servidor Público, a qual decorre de atos ilícitos descrita como crime na Lei Penal ou Esparsa.
O Terceiro Capítulo busca definir de acordo com a Lei e a Doutrina a definição de Servidor Público.
O Quarto Capítulo busca demonstrar a existência de Crimes no Código Penal bem como em Legislações Esparsas ou Especiais, algumas somente aplicáveis aos servidores públicos, assim verticalizando o entendimento de que é necessário compreender o ordenamento jurídico como um sistema de leis.
O Quinto Capítulo apresenta uma característica especial do concurso material de responsabilidade criminal e administrativa, a qual apresenta características que refletem diretamente no mérito administrativo quando da mesma natureza os bens tutelados.
O Sexto Capítulo apresenta algumas jurisprudências buscando fundamentar, além da doutrina, o posicionamento dos órgãos judiciais em relação ao estudo realizado.
1. Responsabilidade dos Servidores Públicos
Medauar define a Responsabilidade dos Servidores Públicos do seguinte modo: “O descumprimento de deveres e a inobservância de proibições acarretam conseqüências para o agente Publico ”, assim, os servidores públicos estão sujeitos às responsabilizações de três naturezas concomitantemente ou não:
É possível que a mesma conduta configure infração administrativa, acarrete dano à Administração e seja tipificada como crime. Neste caso, o servidor arcará com as conseqüências da responsabilidade administrativa, civil e criminal, pois as três têm fundamento e natureza diversos .
De acordo com a autora, as autoridades responsáveis pela apuração da conduta do servidor público têm o dever de apurar as irregularidades praticadas por este, sob pena de incorrerem em responsabilidades criminais em decorrência do descumprimento deste dever.
Neste mesmo diapasão Di Pietro ensina que: “O servidor público sujeita-se à responsabilidade civil, penal, e administrativa decorrente do exercício do cargo, emprego ou função. Por outras palavras, ele pode praticar atos ilícitos no âmbito civil, penal e administrativo ” (grifo do autor).
Para Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, a responsabilidade dos servidores públicos advém dos princípios constitucionais vigentes que regem a forma de Estado e de Governo e que são encontrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Sabe-se que uma das características centrais da forma republicana de governo é a possibilidade de responsabilização daqueles que gerem a coisa pública, quer dizer, os governantes têm o dever de prestar contas sobre sua gestão frente aos administrados ”.
José Afonso da Silva ratifica este posicionamento com as seguintes expressões: “Nos regimes democráticos não existe governante irresponsável ”. Extrai-se deste conceito proposto pelo autor, a compreensão de que no Estado Democrático de Direito não se admitem desvios de conduta de governantes, autoridades, servidores públicos ou equivalentes sem a devida responsabilização pelos atos ou danos causados. O autor ratifica que o Estado tem responsabilidade objetiva, assim sendo, tem o dever de ressarcir os danos causadores pelos seus agentes (independente de culpa ou dolo), contudo, tem o direito de regresso em desfavor do o agente que tenha atuado de forma ilícita, inadequada ou abusiva.
2. Responsabilidade Criminal do Servidor Público
As condutas tipificadas como crime e que incorrem em responsabilizações criminais, administrativas e civis dos servidores públicos, são encontradas em diversas normas e leis, as quais integram o ordenamento jurídico pátrio e regulamentam as ações do Estado e dos ocupantes de cargos ou funções públicas, de acordo com Medauar: “A responsabilidade criminal do servidor público diz respeito às conseqüências de condutas tipificadas pelo ordenamento como crimes relacionados ao exercício do cargo, função ou emprego público, daí o nome de crimes funcionais ” (grifo do autor).
Di Pietro aponta estes mesmos aspectos: “O servidor responde penalmente quando pratica crime ou contravenção ”. Para a autora, os elementos que caracterizam o ilícito penal são a ação ou omissão antijurídica e típica prevista como crime ou contravenção, a qual inadmite responsabilidade objetiva, exigindo-se, para tanto, relação de causalidade, contudo, não se exige o resultado, pois assim como na tentativa, tanto o dano como o perigo de dano são passíveis de sanções penais.
De acordo com Vicente Paulo e Alexandrino “os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas, definidas em lei especial federal, que poderão ser cometidas no desempenho da função pública e que poderão resultar no impedimento para o exercício da função pública ”.
De acordo com a gravidade da infração cometida pelo agente público, ela poderá repercutir seus efeitos nas esferas criminal, civil e administrativa independentemente, assim Medauar finaliza: “A sentença da ação penal, transitada em julgado, poderá repercutir na esfera da responsabilidade administrativa e civil do servidor ”.
3. Servidor Público
Para Medauar, define-se servidor público como quem, “embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, função ou emprego público ”, seja nas entidades diretamente ligadas à Administração Pública ou naquelas que estejam executando atividades típicas desta.
Em Di Pietro o conceito de servidor público é mais amplo: “Para fins criminais, o conceito de servidor público é amplo, mais se aproxima do conceito de agente público”.
É conveniente citar-se o art. 327 (et verbis) da Lei nº. 2848, de 7 de dezembro de 1940 – do Código Penal Brasileiro (CP/40), que traz consigo a definição legal de servidor público: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Do mesmo artigo em comento, verifica-se que os funcionários de entidades paraestatais, empregados das empresas terceirizadas ou conveniadas que exercem atividade típica da Administração Pública encontra-se em equivalência de servidores públicos em relação às responsabilizações criminais e outras advindas destas. A norma ainda categoriza que os servidores, que exercem cargos de direção, assessoramento ou em comissão nos órgãos da administração direta, sociedade de economia mista, empresas públicas ou fundações instituídas pelo poder público terão responsabilidade mais rígida, atribuindo aumento de pena até a terça parte, quando incorrerem em crimes contra a Administração Pública.
4. Dos Crimes em Espécie
Os crimes de responsabilidade são crimes próprios e que só admitem a participação de servidores públicos ou pessoas em equivalência, contudo, algumas espécies de crime admitem o concurso de pessoas, fato em que determina que o partícipe seja responsabilizado, como é o caso dos crimes de Abuso de autoridade, Peculato Furto e outros.
O Código Penal/40 algumas das hipóteses de crimes que podem ser cometidos por servidores públicos, dentre eles o peculato, prevaricação, violência arbitrária, concussão, além de outros.
Existem ainda outras leis que regulamentam a matéria, dentre elas cita-se: a Lei nº. 4898/65 – Abuso de Autoridade; Decreto Lei nº. 201/67 – Crimes de Responsabilidade dos Prefeitos; Lei nº. 8429/92 – Improbidade Administrativa.
5. Do Concurso entre Responsabilidade Administrativa e Crime
Em regra, quando há concurso de crime e infração administrativa, quando estas representarem os mesmos bens tutelados pelo direito, esta é absorvida por aquela. Contudo, somente a sentença absolutória com decisão de mérito é que impossibilitará a imposição de sanção administrativa contra o servidor público. A ocorrência do princípio da absorção em relação ao concurso de crime e responsabilização administrativa é muito comum nos meios militares, contudo, admite-se sua ocorrência nos outros ramos da Administração Pública em Geral, assim, Ozires Cunha expõe:
A responsabilidade cível e administrativa do militar será afastada no caso de absolvição criminal, com sentença transitada em julgado, que negue a existência do fato ou da sua autoria. Importa dizer que a absolvição do servidor em virtude de se ter apurado judicialmente a inexistência de dolo no seu atuar, não ilide a punição administrativa ou civil que poderá ser adstrita, a primeira pela conduta contrária ao dever militar e a segunda pelo ressarcimento dos danos que ela, conduta, tenha causado ao patrimônio público ou ao particular. Destarte, fica assentado que o descumprimento das obrigações e deveres militares, ou a falta de zelo no desempenho da função militar, poderá acarretar tríplice responsabilidade para o servidor militar, ou seja, responsabilidade funcional, pecuniária ou até mesmo penal .
Para Di Pietro, na hipótese de ocorrência de infrações onde ocorra ilícito penal e administrativo:
Instauram-se o processo administrativo disciplinar e o processo criminal, prevalecendo a regra da independência entre as duas instâncias, ressalvadas algumas exceções, em que a decisão proferida no juízo penal deve sempre prevalecer, fazendo coisa julgada na área cível e na administrativa .
Para a autora, a autoridade administrativa não pode decidir de forma contrária à decisão judicial, quando da ocorrência de sentença definitiva quanto ao fato e autoria, assim, a ação cível ou a administrativa poderão ser objeto de análise quando a decisão judicial não reconheça, categoricamente, “a existência material do fato” . Outro fator apontado pela autora é o fato do autor incorrer somente em crime: “Na esfera federal, ficou devidamente reconhecida a dependência da esfera administrativa em relação à criminal, quando o funcionário esteja indiciado apenas por crime (grifo do autor)”. Contudo, quando do crime cometido pelo autor, se deste não houver transgressão disciplinar residual, a absolvição criminal deverá ser reconhecida na Administração Pública.
Em Di Pietro apontam-se as seguintes decisões judiciais (Apud José Armando da Costa, p. 242/87):
“Absolvição criminal fundada em ausência de prova no tocante à autoria não exclui a punição administrativa de funcionário público baseada em inquérito (STF, RE 85.314, DJ 2-6-78, p. 3.031)” .
“Demissão de servidor público. Legalidade do ato, o qual não se afeta pela absolvição criminal do servidor por carência de melhor prova do fato denunciado (TFR, AC. 20.188, DJ 16-5-79, p. 3.784)” .
6. Jurisprudências
Em Di Pietro apontam-se as seguintes decisões judiciais (Apud José Armando da Costa, p. 242/87): “Absolvição criminal fundada em ausência de prova no tocante à autoria não exclui a punição administrativa de funcionário público baseada em inquérito (STF, RE 85.314, DJ 2-6-78, p. 3.031)” . Nesta hipótese, admite-se que o servidor seja responsabilizado, circunstância em que as provas existentes não são suficientes para apuração ou caracterização de crime, contudo, são suficientes para a caracterização de responsabilidade administrativa. Outra situação apontada pelo autor refere-se ao mesmo fato: “Demissão de servidor público. Legalidade do ato, o qual não se afeta pela absolvição criminal do servidor por carência de melhor prova do fato denunciado (TFR, AC. 20.188, DJ 16-5-79, p. 3.784)” . Somente a absolvição criminal que afaste a ocorrência do fato e a autoria do delito é que pode obstar a responsabilidade administrativa do servidor público.ç
Em Ricardo Antônio Andreucci encontram-se as seguintes anotações:
“CRIME DE RESPONSABILIDADE – Abuso de autoridade – Agente que exerce a função de guarda civil municipal – irrelevância – Condição de autoridade extensível a terceiros participantes do delito – Recurso não provido (TJSP – Ap. Crim. 127.316-3 – Porto Feliz – Rel. Jarbas Mazzoni – 7-2-1994)” .
Existe a possibilidade de responsabilização criminal em hipótese de concurso de agentes, pois a condição de autoridade, segundo o Decreto Lei nº. 201/67 – Lei de abuso de autoridade, extende-se a terceiros participantes do fato. Outra circunstância apontada pelo autor refere-se aos crimes de responsabilidades dos prefeitos: “A extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1°. Do Dec. Lei 201/67 (Súmula 703 do STF)” . Assim, mesmo que tenha se encerrado o período do mandato eletivo, a autoridade política responderá pelos atos cometidos durante o período em que exerceu o cargo.
Referências
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª. ed. rev e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
ANDREUCCI Ricardo Antônio. Legislação Penal Especial. 6. Ed. atual. ampl. refor. São Paulo: Saraiva, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. 2ª. reimp. São Paulo: Atlas, 2009.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OZIRES CUNHA, Irineu. Regulamento Disciplinar do Exército Comentado. Curitiba: AVM, 2004.
PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Resumo de Direito Constitucional. Descomplicado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2009.