Responsabilidade dos prefeitos
O princípio da moralidade pública transcende à previsão legal para a prática de atos pelo agente, posto que esta prática não é causa daquele princípio.
A realização pelo Prefeito de despesas com doações a pessoas físicas, sem lei específica que autorize referido ato, em tese, constitui crime de responsabilidade, por infração ao art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que se encontra inserido em seu Capítulo VI, versando sobre a destinação de recursos públicos para o setor privado.
O mencionado texto legal assevera que a destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
Esse entendimento foi esposado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja Ementa é a seguinte:
“RESPONSABILIDADE. PREFEITO. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA.
O prefeito realizou doações a pessoas físicas de medicamentos obtidos mediante recursos públicos no valor de um mil duzentos e sessenta reais sem que houvesse previsão legal para tanto, o que constitui, em tese, crime de responsabilidade por infringência ao art. 26 da LC n. 101/2000. Sucede que é impossível se aplicar o princípio da insignificância, visto que não se pode ter por insignificante o desvio de bens públicos por prefeito, que deve obediência aos mandamentos legais e constitucionais, principalmente ao princípio da moralidade pública. Isso posto, a Turma deu provimento ao recurso para receber a denúncia nos termos da Súm. n. 709-STF. Precedentes citados: Pet 1.301-MS, DJ 19/3/2001, e REsp 617.491-PE, DJ 16/11/2004.(REsp 677.159-PE, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 22/2/2005.)”
Aquele Tribunal ressaltou, na oportunidade, que não se pode ter por insignificante o desvio de bens públicos por prefeito, que deve obediência aos mandamentos legais e constitucionais, principalmente ao princípio da moralidade pública.
Trata-se da moralidade administrativa, verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito, positivado em sede constitucional através da Carta de 88, notadamente em seu art. 37.
A Lei 8.429/92, em seu artigo 11, diz que: constitui “ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Por esse artigo, qualquer ato ou omissão que fira tais princípios, caracteriza improbidade administrativa.
Segundo o mencionado artigo 37, da Constituição Federal de 1988, a legalidade, como principio de administração pública, tem o significado de que o administrador público, exercendo qualquer atividade funcional, está sujeito aos mandamentos da lei e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato irregular e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Não há dúvida que o princípio da moralidade deverá necessariamente nortear e conduzir todo o comportamento da Administração Pública em qualquer das suas esferas, consubstanciado nos atos de seus agentes, aí inexoravelmente inserindo-se o Chefe do Executivo.
A moral administrativa deve ser aquela consentânea com a moral social vigente, visto esta ser, inclusive, legitimadora do próprio Direito e, por conseqüência, da coerção. Há muito o arbítrio foi superado e as luzes do Estado de Direito propiciaram à sociedade indagar pela legalidade dos atos estatais. Posteriormente, ante os mecanismos trazidos pela Estado de Direito, tornou-se possível a indagação acerca da legitimidade. No Estado Contemporâneo, deve a sociedade adquirir o hábito de indagar pela moralidade dos atos estatais, pois os meios que legitimam esta inquirição estão disponíveis.
Ensina Wladimir Rodrigues Dias, no Curso Prático de Direito Administrativo que “submetendo a certeza jurídica a imperativos de ordem moral, o princípio sob comento estabelece valor a ser, necessário e concretamente, observado. Note-se que sob certas condições não é possível se falar em um julgamento moral absoluto, ou mesmo objetivo, mais fácil é verificar-se uma quebra de moralidade. Por exemplo, pode ser que, em uma certa cidade, não consigamos um consenso ético relativo ao que se fazer com determinada porção do dinheiro público – uma escola ou um posto de saúde.
Percebe-se, contudo, que, em uma situação de escassez de recursos em que se precisa de escola e posto de saúde, o dinheiro público não deve, em hipótese alguma, ser gasto para a compra de um carro luxuoso para o Prefeito Municipal, ainda que exista previsão legal para que se efetue tal compra.
Uma decisão de aplicação da lei deve levar em conta, necessariamente, condicionantes éticas traduzidas na forma de expectativas de comportamento. ‘A interpretação tem lugar dentro de práticas sociais organizadas e os conceitos que usamos na formação de interpretações de diferentes tipos tomam seu sentido não do mundo natural, mas dessas práticas sociais.” ¹
A mais moderna doutrina nacional, portanto, assegura a correlação entre o princípio constitucional da moralidade e o dever de probidade do agir administrativo. Vejamos as razões de Fábio Medina Osório:
"Há quem diga, todavia, expressamente, que o princípio da probidade administrativa descende da moralidade administrativa, sendo que este último goza de plena autonomia no sistema jurídico pátrio. A legalidade, nesse passo, assumiria uma posição até inferior em relação à moralidade, pois a mera ilegalidade não poderia acarretar configuração da improbidade administrativa.
Cabe lembrar, com efeito, que respeitado setor doutrinário sustenta que a probidade administrativa estaria necessariamente ligada à idéia de moralidade administrativa, o que torna necessário o exame mais detido do dever de probidade constitucionalmente imposto aos agentes públicos.
A improbidade administrativa tem profunda conexão com o princípio da moralidade administrativa, sendo que tal premissa não pode ser objeto de dúvidas fundamentadas."²
Wallace Paiva Martins Júnior sobre o assunto disserta:
“A probidade administrativa estabelece-se internamente como dever funcional inserido na relação jurídica que liga o agente público à Administração Pública (sendo esta titular do direito) e, externamente, determina que nas relações jurídicas com terceiros também a Administração Pública por seus agentes observe o postulado.
....
A norma constitucional criou aí um subprincípio ou uma regra derivada do princípio da moralidade administrativa: probidade administrativa, que assume paralelamente o contorno de um direito subjetivo público a uma Administração Pública proba e honesta, influenciado pela conversão instrumentalizada de outros princípios da Administração Pública (notadamente, impessoalidade, lealdade, imparcialidade, publicidade, razoabilidade) e pelo cumprimento do dever de boa administração.”³
Conclui-se que o princípio da moralidade pública transcende à previsão legal para a prática de atos pelo agente, posto que esta prática não é causa daquele princípio.
A moral se externa na conduta ética e antecede ao efeito estampado na legalidade, lembrando que para o administrador público só é permitido fazer o que a lei autoriza. Nesta ótica – no entender de HAURIOU,um dos principais autores do direito público francês, - sistematizador do conceito da moralidade pública - o administrador público não terá somente que obedecer a lei jurídica, na consecução de seus atos, mas também a lei ética da própria instituição que está aos seus cuidados, porque nem tudo que é legal é ético.
BIBLIOGRAFIA:
1 - DIAS, Wladimir Rodrigues. Curso Prático de Direito Administrativo, Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.114.
2 - OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa, 2 ed., Porto Alegre:Síntese, 1998, p. 157.
3 - MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo:Saraiva, 2001, p. 101-103.