Células-tronco e a lei de biossegurança

Células-tronco e a lei de biossegurança

O Direito é dinâmico, ausculta a realidade e o mundo da vida. O que a lei quer di-lo com precisão, ensinava Pontes de Miranda. A Lei de Biossegurança quer estar na crista da evolução. A terapêutica com células-tronco, é um milagre para a humanidade.

A Lei de Biossegurança, n° 11.105, de 24.03.2005, estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre o que especifica no Art. 1°, saiu da pantalha e alumiou o destino, os sentimentos e desejos de seres humanos que dependem da terapia com células­tronco ou "células polivalentes que se transformam em qualquer parte do corpo”, afastando a cronicidade e degeneração, portanto, suprimindo a irreversibilidade do mal que os acomete, defendendo o direito à vida do homem universal. Além do mais, essa descoberta dos coreanos do sul afastou o risco da rejeição, o grande vilão, uma vez que a criação dos órgãos para o respectivo transplante será feito a partir de extratos do próprio paciente. Para aqueles que não estão familiarizados com o significado das células-tronco, esse milagre da natureza, ouçamos o entendimento dos doutos. Com nuança personalíssima, se manifesta a Profª Mayana Zatz, respondendo às seguintes questões:

O que é célula-tronco? É um tipo de célula que pode se diferenciar e constituir diferentes tecidos no organismo. Esta é uma capacidade especial, porque as demais células geralmente só podem fazer parte de um tecido específico (por exemplo: células da pele só podem constituir a pele). Outra capacidade especial das células-tronco é a auto-replicação, ou seja, elas podem gerar cópias idênticas de si mesmas.Por causa destas duas capacidades, as células-tronco são objeto de intensas pesquisas hoje, pois poderiam no futuro funcionar como células substitutas em tecidos lesionados ou doentes, como nos casos de Alzheimer, Parkinson e doenças neuromusculares em geral, ou ainda no lugar de células que o organismo deixa de produzir por alguma deficiência, como no caso de diabetes.

As células-tronco são classificadas como:Totipotentes ou embrionárias - São as que conseguem se diferenciar em todos os 216 tecidos (inclusive a placenta e anexos embrionários) que formam o corpo humano. Pluripotentes ou multipotentes - São as que conseguem se diferenciar em quase todos os tecidos humanos, menos placenta e anexos embrionários. Alguns trabalhos classificam as multipotentes como aquelas com capacidade de formar um número menor de tecidos do que as pluripotentes, enquanto outros acham que as duas definições são sinônimas. Oligopotentes - Aquelas que conseguem diferenciar-se em poucos tecidos. Unipotentes - As que conseguem diferenciar-se em um único tecido.

Quais as funções naturais das células-tronco no corpo humano? Elas funcionam como células curingas, ou seja, teriam a função de ajudar no reparo de uma lesão. As células-tronco da medula óssea, especialmente, têm uma função importante: regenerar o sangue, porque as células sangüíneas se renovam constantemente.

Onde ficam as células-tronco? As células-tronco totipotentes e pluripotentes (ou multipotentes) só são encontradas nos embriões. As totipotentes são aquelas presentes nas primeiras fases da divisão, quando o embrião tem até 16 - 32 células (até três ou quatro dias de vida). As pluripotentes ou multipotentes surgem quando o embrião atinge a fase de blastocisto (a partir de 32 -64 células, aproximadamente a partir do 5.o dia de vida) - as células internas do blastocisto são pluripotentes enquanto as células da membrana externa do blastocisto destinam-se a produzir a placenta e as membranas embrionárias. As células-tronco oligopotentes ainda são objeto de pesquisas, mas podemos dizer como exemplo que são encontradas no trato intestinal. As unipotentes estão presentes no tecido cerebral adulto e na próstata, por exemplo. O que torna a célula-tronco capaz de formar um tecido ou outro? A ordem ou comando que determina, durante o desenvolvimento do embrião humano, que uma célula-tronco pluripotente se diferencie em um tecido específico, como fígado, osso, sangue etc, ainda é um mistério que está sendo objeto de inúmeras pesquisas.

O que é terapia com células-tronco? É uma terapia celular para tratar doenças e lesões através da substituição de tecidos doentes por células saudáveis. Por exemplo, o transplante de medula óssea para tratar pacientes com leucemia é um método de terapia celular já conhecido e comprovadamente eficiente. A medula óssea do doador contém células-tronco sangüíneas que vão fabricar novas células sangüíneas sadias. A terapia com células-tronco poderá no futuro tratar muitas doenças degenerativas, hoje incuráveis, causadas pela morte prematura ou mau-funcionamento de tecidos, células ou órgãos. Como exemplo, podemos citar as doenças neuromusculares, diabetes, doenças renais, cardíacas ou hepáticas. Para isso, estão sendo feitas inúmeras pesquisas no mundo todo para descobrir como fazer as células-tronco se diferenciarem no tecido que está doente.

É possível programar as células-tronco para que se diferenciem nos tecidos que precisam ser reparados? Existem substâncias ou fatores de diferenciação que, quando colocados em culturas de células-tronco in vitro (isto é, cultivadas em laboratório), determinam que elas se diferenciem em um certo tecido. Uma outra possibilidade que está sendo investigada é se células-tronco, em contato com um tecido diferenciado, transformam-se naquele tecido. Por exemplo: células-tronco obtidas de embriões, cordão umbilical ou medula, se colocadas em contato com um músculo, conseguem diferenciar-se em músculo? Isso já foi demonstrado com células-tronco embrionárias, mas ainda não sabemos qual é o potencial que células-tronco de sangue de cordão (adultas) têm de se diferenciar em vários tecidos. Essa é uma das pesquisas em andamento no nosso laboratório, com células-tronco obtidas de cordão umbilical que estão sendo cultivadas juntamente com células musculares. Trata-se ainda de pesquisas experimentais e que ainda não constituem um tratamento comprovado a ser aplicado em seres humanos.

Como é o uso de células-tronco adultas? As células-tronco adultas são encontradas em vários tecidos (como medula óssea, sangue, fígado, polpa dentárea) de crianças e adultos, e também no cordão umbilical e na placenta. Entretanto, ainda não sabemos em que tecidos elas são capazes de se diferenciar. Um estudo recente com células-tronco retiradas da medula e injetadas no coração da própria pessoa, o auto-transplante, sugere uma melhora aparente do quadro clínico em pessoas com insuficiência cardíaca. Mas a questão é se essas células são capazes de formar tecido cardíaco ou só promover uma neo-vascularização (fabricar novos vasos sangüíneos). De qualquer forma, a maior limitação quando usadas células da própria pessoa é que não serviria para portadores de doenças genéticas, pois o defeito está presente em todas as células daquela pessoa.

Como é o uso de células-tronco de embriões? As pesquisas com células-tronco embrionárias estão sendo feitas nos países que permitem esses estudos. As células-tronco embrionárias têm o potencial de formar todos os tecidos humanos. Elas podem ser retiradas de: a) embriões excedentes que são descartados em clínicas de fertilização, por não terem qualidade para implantação ou por terem sido congelados por muito tempo; b) pela técnica de clonagem terapêutica.

O que é clonagem terapêutica celular? É a transferência de núcleos de uma célula para um óvulo sem núcleo. Ela nada mais é do que um aprimoramento das técnicas hoje existentes para culturas de tecidos, que são realizadas há décadas. A grande vantagem é que, ao transferir o núcleo de uma célula de uma pessoa para um óvulo sem núcleo, esse novo óvulo ao dividir-se gera, em laboratório, células potencialmente capazes de produzir qualquer tecido. Isso abre perspectivas fantásticas para futuros tratamentos, porque hoje só é possível cultivar em laboratório células com as mesmas características do tecido de onde foram retiradas.

A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição, se o doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a medula em alguém que se tornou paraplégico após um acidente ou substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que sofreu um infarto. No caso de portadores de doenças genéticas não seria possível usar as células da própria pessoa (porque todas têm o mesmo defeito genético), mas de um doador que fosse compatível, por exemplo, a mãe de um afetado por distrofia muscular progressiva. Cientistas coreanos anunciaram ter clonado embriões humanos, pela primeira vez, para obter células-tronco. Isso é clonagem terapêutica? Sim. O estudo confirmou a possibilidade de obter células-tronco pluripotentes com a clonagem terapêutica ou transferência de núcleos. O trabalho foi feito graças à participação voluntárias que doaram óvulos e células cumulus (células que ficam ao redor dos óvulos) para contribuir com as pesquisas. As células cumulus, que já são células diferenciadas, foram transferidas para os óvulos dos quais haviam sido retirados os próprios núcleos.

Dentre esses, 25% conseguiram se dividir e chegar ao estágio de blastocisto e, portanto, capazes de produzir linhagens de células-tronco pluripotentes. Entretanto, essa técnica só teve sucesso quando a célula cumulus e o óvulo pertenciam à mesma mulher. Os pesquisadores coreanos relatam também que não obtiveram sucesso quando usaram células masculinas, o que mostra que essa técnica ainda tem limitações.

Qual é a diferença entre clonagem terapêutica e clonagem reprodutiva? A clonagem reprodutiva humana, condenada por todos os cientistas, é a técnica pela qual pretende-se fazer uma cópia de um indivíduo. Nessa técnica, transfere-se o núcleo de uma célula, que pode ser uma célula de um adulto ou de um embrião, para um óvulo sem núcleo. Se o óvulo com esse novo núcleo começasse a se dividir, fosse transferido para um útero humano e se desenvolvesse, ter-se-ia uma cópia da pessoa de quem foi retirado o núcleo da célula. A diferença fundamental entre os dois procedimentos é que: 1) Na transferência de núcleos para fins terapêuticos as células são multiplicadas em laboratório para formar tecidos; 2) A clonagem reprodutiva humana requer a inserção em um útero humano.

Por que a clonagem terapêutica é um assunto polêmico? Toda tecnologia nova gera polêmicas. Os argumentos das pessoas que se opõem à clonagem terapêutica são: isso vai abrir caminho para a clonagem reprodutiva, isso vai gerar um comércio de óvulos e embriões. Nesse sentido é fundamental lembrar que existe um obstáculo intransponível, que é o útero. Basta proibir a transferência para o útero de embriões produzidos por clonagem terapêutica. Quanto ao comércio de óvulos ou embriões, é a mesma situação que ocorre hoje com comércio de órgãos. Qualquer tecnologia tem seus riscos e benefícios. (Mayana Zatz, professora titular de Genética, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano - Depto. de Biologia, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo - USP). AGÊNCIA ESTADO - Disponível em: <http//:www.senado.gov.br> Grifos postos.

Entretanto, essas descobertas que trouxeram a esperança de vida a quem não mais possuía são alvo de críticas, sendo que a mais contundente argumenta que o uso de embriões "interrompe o desenvolvimento do que seria uma vida humana". Por outro lado, uma geneticista que coordena o Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP) e "que se deslocou até Brasília para convencer os senadores a alterar o Projeto de Lei de Biossegurança", MAYANA ZATZ, argumenta com conhecimento de causa: "Muita gente não sabe que poderíamos usar os embriões que clínicas de inseminação artificial jogam no lixo a todo momento, já que os médicos aproveitam só os melhores para implantar no útero de quem quer engravidar" (CLÁUDIA PINHO – Colaborou Mariana Barros - Revista ISTOÉ, n° 1793, 18 de FEVEREIRO/2004, p. 68/69). Dessa forma, continua: "No Brasil, o debate ético sobre o uso da técnica de clonagem terapêutica, foi atropelado pelo desconhecimento", mas felizmente o saber, como sempre, foi o vencedor e está aí para o benefício, para revitalizar o homem à beira da inumação, a nossa Lei de Biossegurança. Grifo posto.

Ainda no campo da argumentação, juristas de renome, invocando a Constituição Federal (Art. 5º), o Código Civil (Art. 2º) e até mesmo pactos internacionais, colocam em discussão a questão da manipulação de células-tronco. Não só juristas, mas outras instituições e culturas religiosas. Realmente, é um tema polêmico que inspira diversas manifestações. E isso é bom sinal, pois, percebemos que num mundo em que se cultua a morte ainda existem pessoas preocupadas com a vida. E na defesa da vida plena, digna, saudável (como no conceito da Organização Mundial da Saúde–OMS), aquela que nos comunica a Carta Política e como tal a entendemos, os esforços devem alcançar a exaustão. O que nos parece fundamental é a inarredabilidade do Direito evolver; a impossibilidade absoluta de frustrar essa destinação pelo bem da Humanidade, idiossincrasia pétrea da pessoa. O que ontem parecia uma absurdez ou uma utopia, hoje é razoável e revela bom senso, solução legítima. Não se pode negar o avanço da Lei de Biossegurança que haverá de evoluir, por seu turno, quando se apresentarem impositivas, recalcitrantes, as exigências do porvir; a grandeza do legislador que, sabiamente, não olvidou a dimensão evolutiva da ciência e da tecnologia. Diz o Dr. VOLNEI GARRAFA, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, verbis: "Se não investirmos nessa pesquisa, no futuro teremos de importar remédios que vão salvar a vida das mesmas famílias religiosas que hoje condenam a clonagem terapêutica" (Revista ISTOÉ, 1793, p. 69). Daí entendermos que o legislador se houve muito bem na elaboração da referida lei, aprovada, sancionada e promulgada.

Referências hospitalares se empenham em pesquisas. “No Hospital Pró-Cardíaco no Rio de Janeiro, e no Instituto do Coração, em São Paulo, por exemplo, seguem promissores experimentos com células-tronco para recuperar o coração. No Hospital Albert Einstein, também em São Paulo, estudos são feitos para diabete e esclerose múltipla. Em todos os trabalhos, as células usadas são retiradas de cordão umbilical ou de medula óssea. Só agora é que os centros de pesquisa poderão ter acesso às células extraídas de embriões, as únicas com potencial para se transformar em qualquer um dos 216 tecidos do corpo humano”. (EDUARDO HOLLANDA – REVISTA ISTOÉ, nº 1847, 9 de MARÇO/2005, p. 35). No mesmo meio de comunicação, se manifesta o cientista RICARDO RIBEIRO DOS SANTOS, declarando: “Temos que ter os pés no chão”, um alerta para a exacerbação de expectativas hipertrofiadas, portanto, carentes da virtude da paciência e do bom senso imprescindível. “No início de junho, será iniciado o Estudo Multicêntrico de Terapia Celular em Cardiologia, trabalho que envolverá 50 instituições, cerca de 350 especialistas, 1,2 mil portadores de quatro graves problemas do coração e um financiamento de R$13 milhões do governo. De acordo com o Ministério da Saúde, é a maior investigação do gênero feita no mundo” (FRANCISCO ALVES FILHO, GREICE RODRIGUES e LENA CASTELLÓN, Revista INSTOÉ, nº 1859, JUNHO/2005). Grifo posto.

Esperamos, enfim, para a solução instante dos nossos males, que todos os retrógrados, os de postura intelectual e espiritual retroflexa, sectária, se lembrem ou relembrem de que "O Direito vigente não contém só um pensamento morto; ao contrário: o seu espírito evolve, é vivo, atual... A fim de descobrir o alcance eminentemente prático do texto, coloca-se o intérprete na posição do legislador: procura saber por que despontou a necessidade e qual foi primitivamente o objeto provável da regra, escrita ou consuetudinária; põe a mesma em relação com todas as circunstâncias determinantes do seu aparecimento, as quais, por isso mesmo, fazem ressaltar as exigências morais, políticas e sociais, econômicas e até mesmo técnicas, a que os novos dispositivos deveriam satisfazer; estuda, em suma, o ambiente social e jurídico em que a lei surgiu; os motivos da mesma, a sua razão de ser; as condições históricas apreciáveis como causa imediata da promulgação.

Enquadram-se entre as últimas os precedentes, em geral; as concepções reinantes, além de outras influências menos diretas e não menos eficazes, como certos fatos ocorridos no estrangeiro e as legislações de povos cultos. Deve-se supor que os elaboradores do Direito novo conheciam o meio em que viviam, e o espírito da época, e se esmeraram em corresponder, por meio de providências concretizadas em textos, às necessidades e aspirações populares, próprias no momento, bem como às circunstâncias jurídicas e sociais contemporâneas... O bom intérprete foi sempre o renovador insinuante, cauteloso, às vezes até inconsciente, do sentido das disposições escritas – o sociólogo do Direito... Cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger”. (CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª edição, 1979). Grifos postos.

Nessas condições, sem dúvida, a intenção do legislador foi fazer o bem à pessoa, impulsionado pelos milagres da ciência e da tecnologia hodiernas, da inexorável evolução, reconhecendo o direito sagrado a uma vida plena, íntegra, longeva. Assim, é uma exigência legítima.

Sobre o(a) autor(a)
Luiz de Carvalho Ramos
Advogado.
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