Biossegurança e sua dinâmica legal

Biossegurança e sua dinâmica legal

O meio ambiente é interesse difuso de absoluta relevância. Dentre as questões mais polêmicas da atualidade está a problemática da manipulação do patrimônio genético de plantas e animais.

Resumo

O meio ambiente é interesse difuso de absoluta relevância. Dentre as questões mais polêmicas da atualidade está a problemática da manipulação do patrimônio genético de plantas e animais. Há desconfiança geral quanto à disseminação na natureza de organismos geneticamente modificados. Analisar-se-á, pois, ainda que de forma sintética, a legislação mais recente no tocante aos transgênicos.


1 – Introdução

Desde o surgimento do homem na Terra que se ouve falar em agressão ao meio ambiente. É, contudo, a partir da Revolução Industrial, que tal problemática começa a tomar contornos de realidade preocupante para toda a sociedade, principalmente devido ao avanço industrial, dirigido pelos grandes grupos comerciais, os quais, por falta de uma educação ambiental, passam a utilizar-se de maneira irresponsável da tecnologia alcançada, gerando graves conseqüências para o ecossistema.

Hodiernamente, é assombrosa a velocidade com que a biotecnologia, apoiada pelas grandes empresas do ramo de alimentação, vem inovando em termos de manipulação do patrimônio genético de plantas e animais, tornando-os mais resistentes a herbicidas, com maior desenvolvimento em curto período de tempo e, ainda, com maior capacidade de sobreviver às pragas. Isto sem mencionar o custo de manutenção, que cai vertiginosamente para os produtores. Trata-se da aplicação perfeita do binômio produtividade versus baixo custo de produção.

Há também o medo e a desconfiança quanto à disseminação, na natureza, destes organismos geneticamente modificados (OGMs), ocasionando um verdadeiro extermínio das espécies mais fracas, principalmente nos ecossistemas mais desestabilizados pelos referidos OGMs.

Neste diapasão, portanto, em linhas gerais, situar-se-á o presente trabalho, procurando demonstrar, teoricamente, a proteção jurídico-legal de nosso ordenamento quanto ao patrimônio genético, com uma abordagem geral do Direito Ambiental enquanto disciplina essencial para a manutenção da ordem social no limiar deste novo milênio, que promete ser o "Século da Biotecnologia".


2 – Aspectos sobre a biodiversidade

Uma das características mais importantes dos seres vivos é o seu complexo grau de organização. As células se reúnem formando tecidos, e estes formam os órgãos. Os órgãos, por sua vez, dão origem aos sistemas ou aparelhos, que em conjunto, constituem o indivíduo.

Do mesmo modo, nosso planeta apresenta-se em diversos níveis de organização, encontrando-se em perfeita harmonia desde que não sofra alterações consideráveis, tanto por ação do homem como por causas naturais.

A organização não termina por aí, pois, quando vários indivíduos da mesma espécie vivem numa mesma área geográfica, passam a constituir uma população. Uma determinada população, por sua vez, está relacionada de vários modos com as outras populações que vivem na mesma seara geográfica. O conjunto de populações que habitam a mesma região forma uma comunidade ou biocenose. A comunidade influi nas características físicas e químicas da região, e também sofre influência dessas características. Desse modo, toda a floresta, com sua comunidade, seu tipo de silo, seu clima e outros fatores do meio físico, forma um conjunto chamado ecossistema.

Finalmente, o conjunto de ecossistemas de nosso planeta constitui uma unidade mais ampla, a biosfera. Relacionado à biosfera está o foco deste trabalho, a biodiversidade que pode ser definida, de maneira sintetizada como: “(...) a variação biológica de determinado lugar ou, em termos mais genéricos, como o conjunto de diferentes espécies de seres vivos de todo o planeta.” [1].

Atualmente, estima-se em 1,7 milhão o número de espécies identificadas. O número exato de espécies existentes sobre a Terra é ainda desconhecido e a sua estimação varia entre 5 e 100 milhões.

O número de espécies existentes em um determinado lugar é diretamente proporcional a fatores como a temperatura, a umidade, o solo, a quantidade de rios, a interferência humana, entre muitos outros. As regiões que apresentam um número maior desses fatores, conseqüentemente apresentarão maior número de espécies. Desse modo, quanto maior forem a variação biológica e o número de espécies em um determinado local, maior será sua biodiversidade. As regiões de maior biodiversidade são conhecidas como Centros de Vavilov, graças aos trabalhos do geneticista russo Nicolai Ivanovich Vavilov [2]. Estas regiões encontram-se situadas próximas à linha do Equador onde são mais acentuados os potenciais bióticos, evidenciando os países de megadiversidade, entre os quais o Brasil lidera.


3 – Biossegurança e suas polêmicas

O meio ambiente encontra-se protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro de forma ampla e rica em mecanismos, destacando-se todo o capítulo VI do título VIII da Constituição Federal de 1988, trazendo em seu artigo 225, várias previsões legais relativas à biossegurança.

Segundo o artigo 225 da CFRB/88, em relação à biossegurança, verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações.

§1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

...

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

...

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;”

Seis anos após a promulgação da CFRB/88 era sancionada a Lei nº 8.974 de 5 (cinco) de janeiro de 1.995 que trata da Biossegurança, reforçando a visão mercadológica do patrimônio genético, uma vez que o Brasil é o maior em biodiversidade no mundo. Essa Lei apresenta caráter de norma geral, pois impossível regular e tratar especificamente todos os casos relativos à área e, devido à competência concorrente prevista no artigo 24 da CFRB/88, cabendo aos Estados e Municípios suplementá-la no que for necessário, podendo sempre ser mais restritiva, mas, nunca mais branda ou contrária ao dispositivo federal.

Na intenção de apoiar, através de parecer técnico conclusivo, estudando caso a caso, a Lei de Biossegurança criou no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, órgão composto por profissionais da biotecnologia e representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, da Agricultura, das Relações Exteriores, da Educação, da Ciência e Tecnologia, representantes de indústrias, da saúde do trabalhador e da defesa do consumidor.

Uma das polêmicas que circundam a CTNBio é o fato de que o Decreto nº 1752 de 20 de dezembro de 1995, que regulamentou a Lei de Biossegurança, confere à CTNBio competência para exigir ou não o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente em relação aos Organismos Geneticamente Modificados. Por esse motivo, a aprovação de qualquer OGM encontra-se suspensa por decisão judicial e condicionada à realização de EIA/RIMA.

No governo de Fernando Henrique Cardoso entrou em vigor o Decreto nº 3871, de 18 de julho de 2001 que “disciplina a rotulagem de alimentos embalados que contenham ou sejam produzidos com organismos geneticamente modificados, e dá outras providências” [3]. Alguns procedimentos tornaram-se claros enquanto os anti-transgênicos reclamavam da falta de empenho em proteger o homem e o meio ambiente. Um dos itens do Decreto 3871/01 trata da porcentagem mínima para a rotulagem, que ficou estabelecida em 4% para o consumo humano, devendo-se informar nos referidos rótulos, caso seja ultrapassado tal limite, que o alimento contém OGMs.

Com a mudança de governo, em contrapartida, o atual presidente Luis Inácio Lula da Silva respondeu aos anseios e argumentos da sociedade anti-transgênicos com o Decreto nº 4680, de 24 de abril de 2003 que “regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis” [4], revogando, desse modo, o Decreto nº 3871, de 18 de julho de 2001. Entre as novidades do novo Decreto estão:

Não apenas os alimentos destinados aos humanos, mas também os destinados ao consumo animal deverão ser devidamente rotulados;

Ficou estabelecido novo limite percentual que fixou a presença máxima de OGMs em 1%, do mesmo modo que a União Européia, uniformizando, de certa maneira, as relações de exportação;

Tanto os produtos embalados quanto os produtos à granel deverão informar se apresentam mais de 1% de OGMs em sua composição;

“O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes” [5];

Em relação aos produtos de animais que forem alimentados com organismos geneticamente modificados, deve-se fazer constar nos respectivos rótulos, que se trata de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico e, em contrapartida, em se tratando de produtos de animais que não forem alimentados com OGMs é facultado rotular como produto livre de transgênicos, desde que tenham similares transgênicos no mercado;

“As disposições dos §§1º, 2º e 3º do art. 2º e do art. 3º deste Decreto não se aplicam à comercialização de alimentos destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou tenham sido produzidos a partir de soja da safra colhida em 2003” [6]. Isso devido à Medida Provisória nº 113, de 26 de maço de 2003 que “estabelece normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências” [7].

A referida MP 113/03 legalizou uma atividade que teve origem em um ato ilícito, qual seja, contrabando de sementes transgênicas e seu plantio quando ainda desautorizado tal procedimento por decisão judicial. Com isso, a referida decisão perdeu seu objeto, sua finalidade.

Piorando a situação, a supracitada MP concede ao Poder Executivo o poder de lançar medidas de estímulo à exportação dessa safra até o período de 31 de janeiro de 2004, podendo ainda ser comercializada internamente. Seria o mesmo que autorizar a venda de cocaína, que entra ilegalmente no Brasil, apenas por um período de “uma safra”.

Incumbiu os produtores a certificarem a soja, com o propósito de detectar a presença de OGMs e em seu artigo 8º, caput, fixou multa a partir de R$16.110,00 (dezesseis mil, cento e dez reais) caso seja descumprida a MP 113/03, sem prejuízo de outras cominações civis, penais e administrativas previstas em lei.


4 – Breves Conclusões

Com a dinâmica do Direito Ambiental, especificamente no tocante à biossegurança e biotecnologia, deve-se pugnar pelo respeito aos direitos à saúde, à informação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à dignidade humana, sendo indispensáveis e urgentes as reflexões acerca da ética e da educação ambiental da sociedade, que se encontra hipossuficiente em relação ao assunto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONETTI, Luiz Pedro. A polêmica dos transgênicos. Cruz Alta/RS: Editora Centro Gráfico UNICRUZ, 2.001.

BORÉM, Aluízio; SANTOS, Fabrício R. Biotecnologia simplificada. Visconde do Rio Branco: 2.002.

Biotecnologia no Brasil: uma abordagem jurídica – São Paulo: ABIA, 2.002.

FIORILLO, Celso A. Pacheco, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental e patrimônio genético. Belo Horizonte: Del Rey, 1.996.

GOWDAK, Demétrio; MATTOS, Neide Simões de. Biologia: genética, evolução, ecologia. São Paulo: FTD, 1.990.

LAJOLO, Franco Maria; NUTTI, Marília Regini. Transgênicos: bases científicas da sua segurança. – São Paulo: SBAN, 2.003.

LINHARES, Sérgio; GEWANDSZNAJDER, Fernando. Biologia: programa completo. São Paulo: Ática, 6ª ed., reformulada e atualizada, 1.988.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 10ª ed., revista, atualizada e ampliada, 2.002.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: RT, 2ª ed. rev. atual. e ampl., 2.001.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 12ª ed., 2.002.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., revista e atualizada, 2.000.

VARELLA, Marcelo Dias. Biossegurança e biodiversidade; contexto científico e regulamentar/ Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes, Fernando Galvão da Rocha – Belo Horizonte: Del Rey, 1.998.

Coletânea de palestras proferidas nos Seminários sobre Alimentos Geneticamente Modificados promovidos pela ABIA – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação. Alimentos Geneticamente Modificados: segurança alimentar e ambiental – São Paulo: ABIA, 2.002.

Anais do Seminário internacional sobre biodiversidade e transgênicos – Brasília: SENADO FEDERAL, 1.999.

As idéias e os avanços da biotecnologia – São Paulo: CIB, 2.001.

Ciclo de debates “Minas Gerais e os transgênicos” – Belo Horizonte: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2.000.



[1] Marcelo Dias Varella; Eliana Fontes; Fernando Galvão da Rocha, Biossegurança e biodiversidade: contexto científico e regulamentar, p. 20.

[2] Bonetti, Luiz Pedro, A polêmica dos transgênicos, p. 60

[3] Ementa do Decreto nº 3871, de 18 de julho de 2001.

[4] Ementa do Decreto nº 4680, de 24 de abril de 2003.

[5] §2º, do artigo 2º, do Decreto nº 4680, de 24 de abril de 2003.

[6] Artigo 5º, do Decreto nº 4680, de 24 de abril de 2003.

[7] Ementa da Medida Provisória nº 113, de 26 de março de 2003.

Sobre o(a) autor(a)
Patrícia Eleutério Campos
Advogado
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