Presídios: mais veneno para o envenenado

Presídios: mais veneno para o envenenado

Se o remédio que está sendo dado ao paciente não funciona, muda-se o remédio. Ninguém persiste no remédio errado. O Brasil é o campeão mundial em encarceramento no período de 1990 a 2010 (472% de aumento). Mesmo assim, nenhum crime diminuiu.

“O crescente drama do sistema penitenciário” é o título do editorial do jornal O Globo de 29.09.12, p. 20. Dele se extrai a seguinte contradição: “que se trata de uma trágica realidade, superlotação, condições deploráveis das prisões, submundo de agressões, ofensas morais e físicas, violação da dignidade humana, quarta maior população carcerária do mundo, mais de 500 mil presos, espremidos, crônico déficit de 200 mil vagas, equação perversa, desumana taxa de ocupação de 1,65 preso por vaga, só perde para a Bolívia (1,66), no presídio Aníbal Bruno a média de 3,6 detentos por vaga, está inviabilizada a ressocialização, há distorções, crítica situação, complexo prisional insuficiente, réus cumprindo penas em delegacias, excesso de presos provisórios (40% do total), condições degradantes, de 2005 a 2011 o volume de presos aumentou 74%, problema muito complexo, “mas com espaço para soluções mais imediatas”. Qual? Construir mais presídios (o país tem um déficit de 400 unidades).

Dizer que a “solução” para o problema prisional brasileiro é construir mais presídios (400), diante de todos os vícios e problemas citados, significa se dobrar servilmente ao discurso do populismo penal midiático da pior qualidade, o que explora escandalosamente a emoção e a ira da população (com a criminalidade e com a insegurança) para pedir mais penas, mais presídios, mais mão dura etc. É a mesma coisa que dizer que a “solução” para o analfabetismo é o fechamento das escolas, que a “solução” para quem está se afogando é o esvaziamento da boia, que a “solução” para quem está em chamas por todo o corpo é jogar mais combustível nele, que a “solução” para o envenenado é tomar mais veneno.

Essa política repressiva persistente e demagógica, que não apresenta nenhuma criatividade (tal como a do ex-prefeito de Bogotá, que reduziu drasticamente a violência), deve ser combatida com um tipo de tolerância zero. Trata-se de uma política que só explora a emotividade da população e que chegou no seu limite. Não diminuiu a taxa de nenhum crime no nosso país. Chega de embromação e de irracionalidade.

Em 1980 tínhamos 11,7 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 27,3 em 2010. O Brasil é o 20º país mais violento do mundo. O único país rico no top 66 (ou seja: o Brasil é o único país dos dez mais ricos que faz parte dessa deplorável lista). Chega de demagogia midiática, populista, que vende a ilusão de que a solução do envenenado é tomar mais veneno. Tome-se o exemplo de Bogotá, que diminui sensivelmente a violência com inúmeras medidas racionais (fechamento de bares, conscientização da população, controle das armas, eficácia da polícia, justiça atuante etc.).

Enquanto não abrirmos os olhos contra o populismo penal midiático, que explora dramaticamente a emoção popular, só vamos ver embromação. Se o remédio que está sendo dado ao paciente não funciona, muda-se o remédio. Ninguém persiste no remédio errado. O Brasil é o campeão mundial em encarceramento no período de 1990 a 2010 (472% de aumento). Mesmo assim, nenhum crime diminuiu. Logo, está evidente que a “solução” não é construir mais 400 presídios. A propaganda midiática da magia populista só engana as vítimas que buscam mais vitimização. Prisão só para os criminosos perversos, perigosos. No mais, penas alternativas. E uma ampla política de prevenção, totalmente ignorada no nosso país.

Sobre o(a) autor(a)
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de...
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