Evolução histórica ou inconstitucionalidade: a videoconferência no Processo Penal Brasileiro

Evolução histórica ou inconstitucionalidade: a videoconferência no Processo Penal Brasileiro

Análise da lei 11.900/2009 que alterou o artigo 185 do Código de Processo Penal, incluindo a possibilidade de realização da videoconferência, com base nos princípios garantistas da Constituição Federal.

A informatização na seara do ordenamento jurídico tem proporcionado uma crescente conotação objetiva bem como uma maior celeridade processual com a frequente utilização dos instrumentos eletrônicos. A videoconferência, meio de prova para colheita da autodefesa ou da prova testemunhal, ganhou legitimidade quando sancionada a Lei 11.900/2009 que alterou o artigo 185 do Código de Processo Penal, além de criar novo art. 222-A, de forma a prever legalmente a realização do interrogatório online no processo penal brasileiro.

Seria o interrogatório feito por meio de videoconferência uma notável evolução do Processo Penal Brasileiro ou tal dispositivo legal que permite esse procedimento seria inconstitucional por ter sido posto em detrimento de princípios clássicos da Constituição Federal brasileira?


Esse diploma legal foi aprovado, e entrou em vigor, procurando atender as preocupações atuais do Poder público. Dentre os gastos exorbitantes com escolta de presos de alta periculosidade, aparato policial para garantir a segurança pública, transportes com deslocamento de presos para os fóruns, a videoconferência propicia benefícios ao processo penal quais sejam evitar deslocamentos de réus, peritos, testemunhas e vítimas a grandes distâncias, com economia de tempo e recursos materiais; evitar o cancelamento de audiências em função de características particulares, pessoais e profissionais, das testemunhas, como, por exemplo, enfermidades contagiosas; aumentar a segurança pública, diminuindo o risco de fugas e de resgate de presos perigosos; acelerar a tramitação dos feitos judiciais, eliminando cartas precatórias, cartas rogatórias e cartas de ordem; privilegiar os princípios do juiz natural e do promotor natural e o princípio da imediação; aproximar o processo penal do princípio da identidade física do juiz podendo ser preservadas as provas, para memória futura a serem utilizadas pelo juiz processante, qualquer que seja ele; incrementar o princípio da publicidade geral, permitindo o acesso aos atos judiciais a qualquer do povo, pela Internet ou por outro sistema; otimizar o tempo de advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público; poupar recursos de réus, evitando gastos com diárias e viagens de seus defensores; gestos e expressões fisionômicas do acusado ou da testemunha, que não seriam perceptíveis a olho nu através dos sistemas de zoom das câmeras modernas.

Exaltado no princípio da celeridade e nas vantagens que ensejam a convencer a sociedade dos “benefícios” proporcionados pelo interrogatório virtual devemos nos atentar quanto constitucionalidade do referido dispositivo tendo em vista que a videoconferência pode vir a ser meio da mitigação das garantias fundamentais se não realizada da forma devida.


Fundamentalmente, a repulsa ao método de interrogatório a distância deita raízes nos princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal). Apesar da utilização da videoconferência ser exceção e permitida conforme o §2º do artigo 185, do CPP, a questão de fundo está na expressão "comparecer perante a autoridade judiciária", presente no caput do referido artigo. A lisura do ato é garantida pela presença de dois defensores, um no presídio e outro no fórum. A presença do réu é física, ou seja, real ainda que remota.

Em todo o procedimento, há possibilidade da escuta e visão integral do interrogatório sendo o mesmo fisicamente visível. Tudo a ser dito é registrado de modo fidedigno, não afetando a qualidade da prova senão a melhorando. A fidelidade do registro é fundamental, sobretudo, para o momento processual recursal. Não há restrição à interação. A temporalidade é resguardada com a participação conjunta e em tempo real das partes processuais sendo elas o acusado, os defensores e o juiz, ocorrendo somente a distância espacial.

No que refere-se ao réu, podemos ressaltar que não se exerce qualquer coação, realidade comum nos interrogatórios, preservando o princípio da liberdade de expressão.


A tecnologia supera o distanciamento, aproxima temporalmente as pessoas e dá concretude a todas as garantias constitucionais. Não há que se falar na violação aos princípios do devido processo legal, nem da ampla defesa e nem do contraditório.

O interrogatório online também assegura ao réu, com muito maior amplitude, o acesso ao seu juiz natural. Pelo art. 5º, LIII, da CF, "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". De fato, adotando-se o referido sistema, não serão mais necessárias cartas precatórias ou rogatórias ou cartas de ordem para interrogatório de denunciados ou ouvida de vítimas, testemunhas e peritos. O próprio juiz da causa ouvirá diretamente o acusado, onde quer que ele esteja, encarcerado ou solto, no País ou no exterior. Vale dizer: todos os atos processuais serão praticados pelo juiz natural da causa, o único competente para julgar o réu.


O novo método de instrução evita que ocorra nos processos, os efeitos da revelia, nos casos de impossibilidade física de comparecimento do réu, seja por doença ou por incapacidade financeira. O interrogatório on-line reduzirá as hipóteses de aplicação do art. 366 do CPP: "Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312". Ora, se o réu comparecer virtualmente ao processo não haverá porque suspender o andamento da ação penal e o curso do prazo prescricional.

Pode-se dizer ainda que a videoconferência confere maior amplitude e efetividade ao princípio da publicidade, previsto no art. 5º, LX, e no art. 93, IX, da CF. Quando os atos processuais (interrogatório e audiências) são realizados por videoconferência aberta, um número virtualmente infinito de pessoas pode tomar conhecimento do processo penal, inclusive pela Internet. Os familiares dos acusados poderão acompanhar as audiências e os eventos do processo a que respondam seus entes, sem necessidade de deslocamento, feitos às vezes a grandes distâncias e com dispêndio de essenciais à própria mantença, assegurando-se deste modo o princípio da publicidade geral e o controle social sobre os atos do Poder Judiciário, ampliando-se o acesso à informação e atendendo à preocupação com o acesso e direito à informação, preocupação esta constante no Estado Democrático de Direito.


Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal ao colocar no ar a TV Justiça tinha como finalidade levar aos cidadãos informações precisas e atualizadas sobre os Poderes Legislativo e Judiciário, inclusive mediante a transmissão de sessões de julgamento ao vivo, via satélite ou por cabo.

A própria idéia processual de publicidade especial (aquela assegurada às partes e aos seus defensores) é privilegiada com o sistema de videoconferência, levando-se em consideração que o réu, preso ou solto, poderá acompanhar as sessões de julgamento perante tribunais e toda e qualquer audiência judicial, mesmo aquelas em que sua presença for recusada, por conduta inconveniente ou para assegurar o bem-estar de testemunhas e vítimas.


A videoconferência, tal como foi regulada pela Lei 11.900/2009, encontrou o ponto de equilíbrio entre os princípios da ampla defesa, proporcionalidade e devido processo legal, de um lado, e, de outro, a eficiência e a brevidade processuais. O processo pode ser mais célere, mais barato e mais seguro para todos ,presos, testemunhas, vítimas, sem eliminar a força cogente dos princípios garantistas, estando em perfeita sintonia com a ordem constitucional vigente assim como com todos os vetores informadores do princípio da dignidade da pessoa humana.

Como se não bastasse, a videoconferência ora relatada é inteiramente constitucional, ressaltando a garantia da visão, comunicação e audição da partes o que torna impossível alegar alguma afronta aos princípios constitucionais, posto não ter o ato processual algo que possa anulá-lo com fulcro no art. 563 do CPP, “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, ora, estar nos conformes, o interrogatório, não trazendo prejuízo para nenhuma das partes.

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Brenda Perete
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