Interrogatório por videoconferência

Interrogatório por videoconferência

As polêmicas acerca do interrogatório por videoconferência.

Atualmente muito se tem falado sobre a modernização da justiça brasileira. Há algum tempo já é possível a realização de alguns atos através de meios eletrônicos, como acompanhamento dos processos, protocolo de petições e de alguns documentos, entre outros, tudo visando uma maior agilidade para a aplicação jurisdicional. O Tribunal de Justiça de Roraima, por exemplo, é pioneiro em matéria de digitalização processual, pois foi o primeiro Tribunal a adotar essa sistemática.

Outra inovação do uso da tecnologia aplicada ao processo é a realização de interrogatórios através do uso da videoconferência, onde o magistrado preside a audiência do fórum enquanto o réu encontra-se em local apropriado, dentro do estabelecimento prisional. Ocorre que referido instituto vem gerando muita polêmica.

O interrogatório por videoconfêrencia

O interrogatório por videoconferência consiste na realização do ato judicial do interior da prisão onde o réu se encontra detido, com o uso de equipamentos e software específicos. O ato se realiza em uma sala reservada, que tem em seu interior câmeras e recepção de áudio instalados, os quais são controlados por controle remoto, o que permite a identificação de todos os presentes em cada sala (cadeia e fórum). A conexão é através de linha telefônica, com redes ISDN (Integrated Services Digital Network) que formam uma conexão de 512 Kbps, permitindo a transmissão de som e imagem em tempo real.

Com a adoção desse sistema ocorrerá uma diminuição de custos com a escolta de presos, pois atualmente é muito alta a quantia gasta com a remoção de presos para serem ouvidos ou para acompanharem os demais depoimentos nos autos do processo que respondem. Por exemplo, recentemente foram gastos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) só em combustível para o conhecido preso Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira Mar) sair da unidade penitenciária em que se encontra detido (Paraná) e acompanhar o depoimento de uma testemunha no Rio de Janeiro, onde tramita o processo em que ele figura como réu. 

Outros benefícios apontados pelos defensores desse sistema é a agilidade, que de fato é indiscutível, bem como a segurança da sociedade como um todo, ao passo que presos perigosos não precisariam mais deixar as unidade prisionais onde se encontram detidos para participarem das audiências e, ainda, representa segurança para as Autoridades Judiciais, que também não precisariam se locomover até as cadeias onde os réus se encontram presos.

Por outro lado, os que são contra tal medida refutam todas as alegações de segurança, agilidade e outras, afirmando que a realização de interrogatório por meio de videoconferência contraria as disposições da Carta Magna, posto que fere os direitos dos presos e os princípios basilares do direito, como a ampla defesa e o devido processo legal e, com base nessas alegações, atestam a ilegalidade de tal sistema recusando a sua aplicação.

O projeto de lei

Existia um projeto de lei que regulamentava o interrogatório por videoconferência que chegou inclusive a ser aprovado na Câmara Federal, porém este o tornava obrigatório em todo país, fato que fez o Presidente da República considerar a proposta inconstitucional. O Ministério da Justiça, inclusive, temia uma vasta interposição de recursos e, por isso, o Presidente acertou com o Senador do PSDB, Tasso Jereissati, autor do projeto, que um novo texto seria apresentado pelo Senador do PT, Aloízio Mercadante, onde ficaria estabelecido que o Juiz é quem decidiria sobre a aplicação ou não do uso da videoconferência.

Este novo projeto estabeleceu a faculdade do Juiz decidir pela aplicação ou não da videoconferência bem como que a sala reservada na prisão para a realização da videoconferência fosse fiscalizada pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil, sendo garantido ao preso a presença de um advogado ao seu lado e outro no local da audiência, para conferir maior lisura ao ato.

O projeto de lei prevê, ainda, a adoção desse sistema para a realização de oitivas de testemunhas presas e residentes em outras comarcas, bem como que o réu preso acompanhe as audiências do interior do estabelecimento prisional.

Este novo projeto foi encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que, em 12 de novembro de 2008, o aprovou, seguindo agora para analise pela Câmara dos Deputados.

A posição das Cortes superiores acerca do interrogatório por videoconferência

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de um habeas corpus no mês de fevereiro de 2007, declarou que esse sistema de interrogatório por videoconferência fere as garantias fundamentais (devido processo legal e ampla defesa). O relator do HC, Ministro Cezar Peluso, afirmou que "quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra da adoção de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal".

Ainda, na mesma Corte, no julgamento de outro caso, a Ministra Ellen Gracie entendeu que a videoconferência não ofende as garantias constitucionais, alegando que "além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito e a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia de ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização de seu interrogatório". Entretanto o Ministro Menezes Direito, contrário a videoconferência, afirmou que "a possibilidade de videoconferência esbarra na disciplina constitucional brasileira", tendo a tese da Ministra Ellen Gracie sido vencida por 9 votos a 1.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de um habeas corpus, entendeu que o interrogatório por videoconferência é ilícito e, segundo a desembargadora convocada Jane Silva "o interrogatório deve ser feito na presença do juiz e do réu para satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa, como prevê a Constituição Federal".

A questão, contudo, ainda não é pacífica.

Em face dessas decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que os juízes serão mais cautelosos em utilizarem o sistema de videoconferência a fim de evitar ações e recursos de defesa no próprio STF, conforme declarou Richard Chequini, juiz assessor da presidência da seção criminal do Tribunal de Justiça. O magistrado esclareceu, ainda, que caberá a cada juiz analisar se fará uso ou não da videoconferência, retornando ao método antigo, o interrogatório presencial, o qual considera como sendo "contraproducente", pois "implica custo maiores com transporte de presos, escolta, pagamentos de diárias para policiais, necessidade de instalações carcerárias nos fóruns". 

OAB x Interrogatório por videoconferência

O presidente da Comissão Nacional de Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil e conselheiro federal Marcus Vinicius Furtado Coelho afirmou que o "sistema de interrogatório desrespeita o exercício da ampla defesa porque a presença física do juiz é indispensável para assegurar a liberdade de expressão do denunciado" e, dessa forma, fica clara a posição contrária da OAB a esse sistema.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, seguindo a mesma tese defendida por Furtado Coelho, também defende que a videoconferência limita o direito de defesa "porque impede que o acusado se coloque pessoalmente diante de seu julgador”. Ainda, segundo ele, o contato pessoal “é fundamental para a formação do convencimento do magistrado” e, diante de uma câmera na unidade prisional, o criminoso poderia “se sentir intimidado”. Nesse sentido orientou os advogados a pedirem a anulação dos processos em que tiverem sido realizados interrogatórios com o uso desse sistema.

Segundo D´Urso, para resolver o problema do alto custo para realização das escoltas de presos, os próprios juízes deveriam se dirigir aos presídios para a realização dos interrogatórios, posto que o interrogatório presencial é “um momento importantíssimo para a defesa e a acusação” e ainda "é a única oportunidade" que o réu tem para falar em um processo criminal.

O interrogatório por videoconferência no mundo

Várias nações estrangeiras adotam esse sistema de interrogatório com o fim de evitar o contato das vítimas com seus agressores, preservar a integridade física dos acusados naqueles casos de grande comoção e repercussão social, de manter a segurança no caso de presos muito perigosos, para reprimir crimes transnacionais, entre outros motivos.

A idéia desse sistema é incentivada pelos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que inseriu documentos que incentivam os Estados participantes a fazer sua regulamentação. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Tratado de Palermo), do qual o Brasil faz parte, também prevê o uso dessa tecnologia. A União Européia, através do Tratado de Assistência Judicial em Matéria Penal, desde 2000 criou a possibilidade da adoção de tecnologias audiovisuais para a realização dos atos processuais.

São exemplos de países que adotam esse sistema os Estados Unidos (desde 1993), a Itália (desde 1992 - somente nas hipóteses previstas em lei), a França (desde 2001), entre outros. 

Conclusão

Em que se pesem todos os benefícios advindos do sistema de videoconferência podemos concluir que ele é um importante avanço na modernização da prestação jurisdicional brasileira, onde quem ganhará é o povo, com a maior celeridade processual, com a redução de gastos, com aumento da segurança, entre outros.

Entretanto, ao adotarmos tal sistema devemos fazê-lo com ressalvas, aplicando-o como exceção, e não como regra. O juiz deverá fundamentá-lo, sendo imprescindível que o réu, no momento do interrogatório, esteja acompanhado de um funcionário do juízo, além de contar com um defensor na audiência, de forma que todos seus direitos sejam assegurados, respeitando, assim, nossa Lei Maior.

Referências bibliográficas

Consultor Jurídico - Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/66523,1, acessado em 12 de novembro de 2008.

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Roraima em foco - Disponível em http://www.roraimaemfoco.com/site/content/view/1438/45/, acessado em 14 de novembro de 2008.

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Henrique Gonçalves Martines
Cursa o 5° ano da Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI). É redator no DireitoNet desde julho de 2007 e visa ingressar na carreira de Delegado de Polícia.
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