Solução pacífica de controvérsias internacionais

Solução pacífica de controvérsias internacionais

Analisa os meios de solução pacífica de conflitos internacionais adotados pela Organização das Nações Unidas.

1 - INTRODUÇÃO

Se entre homens é comum a existência de divergências, conflitos entre os Estados não poderia ser diferente. Ao contrário da sociedade civil, na comunidade internacional não existe um órgão supremo a que todos obedeçam, com jurisdição obrigatória, mas há grandes avanços nesse sentido, como a ação, principalmente, da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e da Organização das Nações Unidas (ONU), embora seus esforços sejam atrapalhados por alguns de seus próprios membros.

Como não há o monopólio desse poder central superior aos Estados, há de se suprir tal lacuna para impedir que os Estados se agridam mutuamente. E caso não seja possível evitar que surjam conflitos, é de dever moral de todo Estado ao menos tentar uma solução pacífica antes de partirem para os métodos coercitivos que podem chegar ao extremo da luta armada (guerra).

As controvérsias internacionais podem ter inúmeras causas. A doutrina costuma dividi-las em jurídicas (que podem resultar da violação de tratados e convenções; do desconhecimento, por um dos Estados, dos direitos do outro; da ofensa à princípios correntes de Direito internacional, na pessoa de um cidadão estrangeiro) e políticas (que envolvem apenas choques de interesses, políticos ou econômicos; ou resultam de ofensas à honra ou à dignidade de um Estado), embora na prática seja difícil distinguir qual a natureza das controvérsias.

Segundo o Professor Guido F. da Silva Soares, as soluções pacíficas devem ser entendidas como “instrumentos elaborados pelos Estados e regulados pelo Direito Internacional Público, para colocar fim a uma situação de conflito de interes-ses, e até mesmo com a finalidade de prevenir a eclosão de uma situação que possa degenerar numa oposição definida e formalizada em pólos opostos”.

Dos inúmeros modos de solução de litígios internacionais, trataremos aqui apenas dos meios pacíficos pois, à rigor, os meios coercitivos são sobretudo sanções, que reprimem as violações às normas e, como já foi dito anteriormente, podem chegar à guerra, não constituindo, portanto, um meio pacífico para a solução de controvérsias internacionais.


2–MODOS PACÍFICOS DE SOLUÇÃO DE LITÍGIOS INTERNACIONAIS

2.1 – Classificação

A classificação mais didática de tais meios de solução depreendida dentre os autores estudados foi a seguinte [1]:

2.1.1 – Meios Diplomáticos

a) Negociações Diretas
b) Sistemas consultivos
c) Mediações
d) Bons ofícios
e) Congressos e conferências

2.1.2 - Meios Jurídicos

a) Comissões de inquérito
b) Conciliação
c) Soluções arbitrais
d) Soluções judiciárias
d1) A Corte Internacional de Justiça

2.1.3 - Meios Políticos: As soluções dadas pelas Organizações Internacionais.


2.1.1 – Meios Diplomáticos

A negociação direta entre as partes varia segundo a gravidade do problema. Podem ser bilaterais (entre duas pessoas de Direito Internacional Público, ex.: dois Estados), ou multilaterais (quando interessam a mais Estados). É a que geralmente apresenta os melhores resultados e caracteriza-se por grande informalidade, sempre conduzidas segundo os usos e costumes internacionais. Tais negociações podem chegar à vários resultados, como a desistência, quando um Estado renuncia à sua reivindicação; aquiescência, quando um Estado reconhece a reivindicação do outro; e transação, quando os Estados fazem concessões recíprocas.

A consulta consiste numa troca de opiniões entre dois ou mais Estados interessados num litígio internacional para que possam alcançar uma solução que agrade a todos. Tal método figura no continente americano, mais precisamente no âmbito da OEA.

A mediação consiste na interposição de um (mediação individual) ou mais Estados (mediação coletiva), entre outros Estados para se solucionar pacificamente um litígio, podendo ser oferecida ou solicitada, sendo que seu oferecimento ou recusa não deve ser considerado ato inamistoso. Em regra geral, apresenta-se como facultativa.

O mediador participa ativamente das negociações, mas não procura impor sua vontade, procedendo com intuitos desinteressados.

Os bons ofícios são a tentativa amistosa de um ou vários Estados de abrir via às negociações das partes interessadas ou de reatar as negociações que foram rompidas. Sendo assim, o terceiro Estado seria um simples intermediário que coloca em presença os Estados litigantes para os levar entrar em negociações, ao contrário da mediação, embora na prática seja difícil distinguir entre ambos.

Não necessariamente precisa ser um Estado que ofereça bons ofícios: o serviço pode ser oferecido por um alto funcionário de organização intergovernamental, como o Secretário Geral da ONU, por exemplo.

Por fim, recorre-se a um congresso ou conferência internacional quando, segundo Accioly, “a matéria ou assunto em litígio interessa a diversos Estados, ou quando se tem em vista a solução de um conjunto de questões sobre as quais existem divergências”.


2.1.2- Meios Jurídicos

As comissões internacionais de inquérito (ou de investigação) são comissões criadas para facilitar soluções de litígios internacionais ou para elucidar fatos controvertidos, tendo como função específica investigar os fatos sobre os quais versa o litígio, mas sem se pronunciarem sobre as responsabilidades, ou seja, o relatório não é obrigatório.

Em geral, as convenções que estipulam tais comissões prevêem a instituição de uma comissão permanente para que já se tenha previamente um organismo para se submeter a controvérsia que venha a surgir.

Na conciliação, um órgão que tem confiança comum dos Estados litigantes, após procedimentos com certa formalidade, apresenta suas conclusões sobre a questão litigiosa, na forma de relatório opinativo, no qual irá propor um acordo entre os litigantes e um prazo para que estes se pronunciem. Difere dos procedimentos de investigação pela possibilidade de os conciliadores emitirem opiniões valorativas e formularem sugestões aos Estados litigantes, embora os Estados não sejam obrigados a aceitarem a solução proposta.

A arbitragem é o meio de solução pelo qual os litigantes elegem um árbitro ou um tribunal para dirimir o conflito. Estes são geralmente escolhidos através de um compromisso arbitral que estabelece as normas a serem seguidas e onde as partes contratantes aceitam previamente a decisão a ser tomada, que deve ser apresentada como sentença definitiva, salvo se o contrário foi previsto no respectivo compromisso, ou se é descoberto um fato novo que poderia determinar a modificação da sentença.

O compromisso arbitral deve conter, no mínimo, o objeto do litígio, o compromisso de submeter a questão à arbitragem e o método de formar o Tribunal e o número de árbitros.

A sentença arbitral é passível de anulação quando houver corrupção, excesso de poder da parte dos árbitros, quando uma das partes não tiver sido ouvida, quando houver erro na motivação da sentença, quando tiver sido violado algum outro princípio fundamental do processo etc. A anulação é invocada livremente pelas partes.

A sentença será dada no prazo determinado pelo compromisso, embora o tribunal tenha competência para estender este prazo. Vale lembrar que as deliberações do Tribunal são secretas.

Celso de Albuquerque Mello discorre sobre três tipos de arbitragem:

1º) Realizada por chefes de Estado: Incomum nos dias de hoje. Os árbitros são os chefes de Estado, todos em pé de igualdade, sem que haja um superior.

2º) Realizada por comissões mistas: Inicialmente a comissão era formada de dois membros, cada um indicado pelas partes litigantes. Posteriormente essa “comissão mista diplomática” é substituída por uma outra (“comissão mista arbitral”), que é formada de comissionários de número ímpar e tem o superárbitro para desempatar, geralmente escolhido entre os nacionais de terceiro Estado. A vantagem é que a questão é resolvida pelos próprios interessados e as decisões são legalmente motivadas.

3º) Realizada por Tribunal: A maioria dos juízes não é nacional das partes contratantes. Tem sido considerada a forma mais avançada e é também a mais utilizada., por assegurar maior imparcialidade à decisão.

Atualmente a arbitragem pode ser empregada em assuntos de menor importância, que não necessitam ser submetidos à CIJ, bem como em assuntos que as partes desejarem uma solução rápida.

O tribunal arbitral desaparece com a resolução do litígio.

A solução judiciária consiste em se submeter o litígio a um tribunal judiciário, composto de juízes independentes, com investidura pretérita ao litígio e subsiste à sua solução, e difere da solução arbitral também pelo fato de seus componentes não serem escolhidos pelas partes litigantes, e sua grande diferença em relação às outras formas de soluções de litígios internacionais, segundo Guido F. da Silva Soares, reside na institucionalização de um organismo com funções claras e determinadas, fixadas em instrumentos internacionais solenes, com jurisdição e competência permanentes. Essa sua permanência no tempo, assegurada pela presença de um corpo de juízes nomeados pelos Estados para mandatos definidos, a existência de um secretariado fixado com sede conhecida, entre outros elementos, permite a formação de uma jurisprudência mais definida do que os casos julgados por árbitros, tanto em relação às normas de sua competência quanto a questões de fundo. “Aos poucos, novos tribunais permanentes vão surgindo com o objetivo de adjudicar ampla gama de problemas” (Accioly).

Em 1920 instituía-se com sede em Haia uma Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) integrada por 15 juízes para um mandato de nove anos, mas acabou extinta com a eclosão da Segunda Guerra. Com a instituição da ONU, foi rebatizada de Corte Internacional de Justiça (CIJ), sendo o principal órgão judiciário dessa organização, e continua sediada em Haia.

Um Estado litigante tem o direito de indicar um juiz de sua nacionalidade para compor a CIJ em determinados casos, e a manifestação da vontade dos Estados é essencial para que se já invocada a jurisdição da CIJ.

Em tese, a solução de litígio por intermédio da CIJ tem a vantagem sobre a simples arbitragem, segundo Accioly, de envolver o Conselho de Segurança na implementação da sentença.

Devido ao veto concedido aos países de cúpula da ONU, vem se questionando a imparcialidade da CIJ.


2.1.3- Meios Políticos

A Carta da ONU determina, em seu art. 33, que nas controvérsias “de ameaça à manutenção de paz e da segurança internacional”, as partes litigantes deverão chegar à solução pacífica por qualquer um dos modos existentes no DI, (supramencionados) ou por qualquer outro meio. Se a lide não for resolvida, as partes deverão submetê-la ao Conselho de Segurança, que, nos casos de ameaça à paz, pode fazer recomendações e também decidir sobre as medidas a serem tomadas. A Assembléia Geral tem a competência de fazer recomendações, criar comissões de bons ofícios e indicar mediadores, geralmente o Secretário Geral da ONU.

No âmbito da OEA, temos o sistema consultivo como modo de solução pacífica dos litígios internacionais. A Comissão Interamericana de Solução Pacífica dos Litígios é o órgão de conciliação e investigação da OEA.

Uma inovação trazida pelas organizações intergovernamentais diz respeito às formas de sua atuação, que mesclam as formas tradicionais de soluções e prevenções de litígios internacionais, refletindo a pouca preocupação com a forma, e mais com a os resultados de uma atuação coletiva eficaz para a solução de uma disputa.


3 – CONCLUSÃO

Nos dias de hoje, com os incessantes conflitos entre os países, versando principalmente sobre religião e cultura, como ocorre sobretudo no Oriente Médio, os meios pacíficos de solução de controvérsias têm se mostrado relativamente ineficazes, pela má vontade das partes de se submeterem aos desígnios de um outro país, pois julgam que os interesse na região são político-econômicos, e reclamam da imparcialidade das organizações, que têm, sem dúvida, grande influência do ocidente, sobretudo dos Estados Unidos, o que dificulta as negociações.

Os recursos pacíficos deveriam ser tentados exaustivamente para que não desfavoreça os países subdesenvolvidos, sujeitos à sanções econômicas ilegítimas, sendo obrigados a ceder aos seus interesses em favor de estabilidade, tanto no plano econômico quanto no político. Caso os meios pacíficos não satisfaçam a pretensão das grandes potências, estas partem imediatamente para o confronto armado, renunciando aos princípios de DI e rejeitando a intervenção das organizações intergovernamentais.

No que tange a ONU, esta deve mostrar-se mais imparcial, pois, como já foi dito, seus membros deliberam conforme seus próprios interesses, o que prejudica sua atuação.

Enfim, com tantos meios pacíficos à disposição dos Estados, a guerra deveria ser o último recurso adotado, fato que hoje em dia, infelizmente, não tem acontecido na prática, principalmente com a alegação de combate ao terrorismo.


Bibliografia:

ALBUQUERQUE MELLO, Celso D. de – Curso de Direito Internacional Público – 11ª ed., vol. II, Rio de Janeiro, Livraria Editora Renovar – 1997

NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio e ACCIOLY, Hildebrando – Manual de Direito Internacional Público – 13ª ed., São Paulo, Editora Saraiva – 1998

SOARES, Guido Fernando da Silva – Manual de Direito Internacional Público – 1ª ed., vol. I, São Paulo, Editora Atlas - 2002


[1] Segundo Celso de Albuquerque Mello ( item 3, p. 1263 – vide bibliografia) não há, na doutrina, 1 uma classificação unânime.

Sobre o(a) autor(a)
Debora Gonsales Rocca Magalhaes
Estudante de Direito
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