A relevância da ONU na sociedade internacional

A relevância da ONU na sociedade internacional

Reflete sobre o papel desempenhado pela Organização das Nações Unidas na sociedade internacional contemporânea e de outrora, analisando seus acertos e erros.

A ORGANIZAÇÃO

A Organização das Nações Unidas (ONU) se vê, nos dias atuais, cercada de dúvidas e questionamentos acerca de seu papel e de sua efetiva relevância na sociedade internacional contemporânea.

Questionamentos são naturais, inerentes ao serviço de qualquer organismo e, até mesmo, necessários para o aprimoramento e desenvolvimento dos serviços, ações e trabalhos prestados por eles. No entanto, paira a dúvida quanto à real relevância e necessidade de mantença de um organismo de porte global que não vem obtendo êxito em suas empreitadas, como proclamado por estudiosos do assunto.

Para melhor andamento do início do estudo, deve-se observar o propósito da ONU. Em sua Carta constitutiva, os propósitos da organização são dispostos no artigo 1º. São eles:

Manter a paz e a segurança internacionais [...]; Desenvolver relações amistosas entre as nações [...] e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal [...]; Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário [...]; Promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião [...]; e ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).

Firmada à época do fim dos confrontos bélicos da Segunda Guerra Mundial, a referida Carta mostrou-se preocupada com a situação que se encontrava em vigor e, refletindo pensamento corriqueiro de seu tempo, propôs-se a manter, ou, ao menos, empreender esforços para manter, a paz e a segurança nacional. Resolução de problemas de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, respeito a direitos humanos e liberdades fundamentais são desdobramentos naturais advindos da paz internacional atingida.

Obviamente, não se atingiu a paz nem a segurança internacional no curto prazo. Entretanto, a ONU possibilitou ao mundo uma “trégua” nos conflitos. Mais adiante, atuou de forma intensa mediando as tensas relações da sociedade internacional bilateral estabelecida na Guerra Fria. Atuou e ainda atua de forma mais ativa, nos Estados subdesenvolvidos e em desenvolvimento elaborando programas educacionais, sanitários, e de outras áreas consideradas básicas e impensáveis a Estados já desenvolvidos.


OS PROBLEMAS, DE FATO, E A IMPORTÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO

As posições, muitas vezes extremistas, contrárias à atuação da ONU surgir, principalmente, a partir do envolvimento da organização nos conflitos da Guerra Fria entre Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A partir dessa época deu-se a consolidação dos EUA como superpotência econômica, estabelecendo e aumentando de forma intensa as críticas, retaliações e demais comportamentos contrários a sua posição na esfera mundial.

Mais além, os críticos da organização pautam-se, no fato de os EUA figurarem como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, órgão máximo da instituição. Como membro permanente, o Estado possui poder de veto em decisões com as quais não concorda. Não menos irrelevante para os estudiosos é o fato de que a sede da própria ONU fica em território estadunidense, mais precisamente na ilha de Manhattan, considerada o símbolo do ideal capitalista, da globalização e da principal aversão ao país. Assim, os estudiosos e críticos latentes da ONU justificam a ineficiência e, até mesmo, inutilidade da organização, argumentando veementemente que seu propósito é, na verdade, servir como instrumento da política dos Estados Unidos da América.

De fato, os Estados Unidos articulam de forma incansável e desumana a fim de atingir seus objetivos desrespeitando até mesmo preceitos, sugestões e determinações da ONU. As articulações do país ocorrem de maneira árdua, com imposição de sanções e comportamentos a serem seguidos pelos demais Estados, como é de conhecimento geral. Esse comportamento vem ocorrendo repetidamente, sendo percebido claramente desde a década de 60, quando do embargo imposto a Cuba e conseqüente imposição aos outros Estados do globo da adoção do “fim das relações” com o mesmo país, sob pena de terem encerradas suas relações com os próprios EUA.

Ou seja, sendo a política externa estadunidense unilateral e sem grande (ou, em muitas vezes, nenhum) respeito aos demais Estados (uma afronta a princípios norteadores do Direito Internacional e, sobretudo, da diplomacia), é natural que os EUA tentem manipular situações na própria organização a fim de atingirem seus objetivos próprios.

Atenta-se para o fato de que não é objetivo do presente estudo tecer críticas ao comportamento dos EUA, mas sim refletir sobre a atuação da ONU na sociedade internacional. No entanto, é impossível dissociar da influência estadunidense os efeitos, desdobramentos e trabalhos da instituição.

Mesmo sabendo da relevância dos atos estadunidenses (e, claro, de outros Estados que buscam objetivos próprios) que afetam diretamente no funcionamento, que deveria ser imparcial, da ONU, não se pode simplesmente renegar todos os trabalhos, programas e toda a importância da instituição no mundo contemporâneo.

A realidade é que a Organização das Nações Unidas tem um papel único e absolutamente inquestionável na atual sociedade internacional, mas necessita de uma reforma estrutural, a fim de aprimorar seus trabalhos e adquirir maior credibilidade no cenário global. Comprovadamente é uma instituição que pertence a uma categoria sem precedentes na história mundial além de ser a única organização que possui atuação em diversas frentes visando respeito ao ser humano e foi capaz de instituir regras em situações em que normalmente não poderia existir qualquer norma, como no caso de guerras e conflitos internacionais. Em suma, conseguiu estabelecer-se e manter-se com considerável voz ativa dentro da comunidade internacional, que possui um sistema de negociação e composição fechado.

Tal posicionamento é corroborado com a declaração de Nafis Sadik, ex-diretora executiva do Fundo de População das Nações Unidas e atual enviada para assuntos relacionados a HIV/Aids na Ásia, dizendo, em entrevista [1] no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre (RS) no ano de 2005, que “se nós não tivéssemos a ONU, os países estariam andando a esmo para encontrar algum tipo de instituição deste porte”.

Seja no âmbito dos programas sociais que visam o aprimoramento da qualidade de vida nos bolsões globais de miséria, ou no âmbito da mediação de relações bi ou multilaterais, a ONU obteve, e ainda obtém, êxito em suas empreitadas, contribuindo de forma considerável para o desenvolvimento e melhoramento humanitário geral.

Deve-se salientar o fato de que o referido “melhoramento humanitário” buscado e, várias vezes, alcançado pela ONU, não é transformar um país miserável há séculos em uma “sucursal” tupiquinim ou africana da Suíça. O objetivo da instituição é, sim, fornecer condições mínimas para os primeiros passos da nação rumo, ao menos, à organização interna e ao estabelecimento de uma identidade cultural (questões essas que muitos críticos nem ao menos supõem como seja viver sem, já que são nacionais de Estados democráticos altamente desenvolvidos). O Haiti é um exemplo recente de Estado que manteve o mínimo (literalmente) de sua sociedade por meio da ONU. Países africanos são constantemente amparados pela organização e possuem em seus territórios, bem como o Brasil, programas sociais da instituição e são, muitas vezes, as únicas alternativas à população para serviços básicos.

Atuando não só em países necessitados, a ONU também desenvolve programas abrangentes em países com aparelho estatal desenvolvido, onde tutelam crianças, mulheres, minorias étnicas também em países com aparelho estatal desenvolvido. Ademais, participa como mediadora nas questões políticas internacionais de alta relevância.

Resultados não-pacíficos, controvérsias, não-soluções também são obtidos com as ações da ONU, o que não significa, necessariamente, fracasso nas negociações e fracasso da própria instituição. Esses resultados são naturais e passíveis de ocorrerem. Nafis Sadik explica, na mesma entrevista, que “a ONU tem uma secretaria e um secretário-geral; mas o secretário-geral não é um super-governo e não tem poder para tomar decisões que resultarão em paz”.

Entende-se, então, logicamente, que a ONU possui grande importância, mas necessita de auxílio para melhor se encaixar na situação em que se encontra a comunidade internacional. Luiz Carlos da Costa, diretor logístico do escritório de suprimento do Departamento de Manutenção da Paz da ONU, confirma a posição favorável sobre a instituição: “É certo que encontrarão pontos críticos; mas afirmar que a ONU é irrelevante seria injustiça” [2].


REFORMA NECESSÁRIA

Os pontos críticos e controvertidos urgem por reforma e não devem servir como responsáveis pela banalização e descrença na organização. “A ONU só perderá a relevância quando prevalecer a opinião de que é um instrumento a serviço da política externa de um ou mais Estados membros”, relata Luiz Carlos da Costa. Esse é o argumento corriqueiro dos críticos da ONU, como já relatado.

Para que a organização se transforme, efetivamente, em um órgão a serviço da política externa de alguns países, é necessário que os demais Estados membros não se manifestem e sejam, indiretamente, coniventes com o ato. Obviamente, os Estados que têm interesse em manipular e utilizar a ONU para fins próprios escusos, utilizar-se-iam de coação sobre os outros Estados, refutando-se assim a idéia de que o mencionado ato seria uma conseqüência natural dos fatos na sociedade internacional. Gilberto Rodrigues, Professor de Direito Internacional, atesta: “ao mesmo tempo a atuação é perigosa, pois a ONU, por si só, não possui vontade ou poder. Na verdade, de forma precisa, a organização faz somente o que os Estados permitem” [3].

Existe, por vezes, uma distância entre a organização e os cidadãos comuns, que não se vêem amparados de forma direta por aquela. Tenta, a ONU, aproximar-se desses cidadãos comuns não amparados diretamente, empreendendo diversas ações, algumas de caráter duvidoso. Talvez a mais questionável seja “empossar” celebridades como embaixadores de diversas frentes de trabalho, como, por exemplo, Robbie Williams (cantor inglês), Giorgio Armani (estilista italiano), Angelina Jolie (atriz americana), Nicole Kidman (atriz australiana), Ronaldo Nazário (jogador de futebol brasileiro) e Rick Martin (cantor porto-riquenho), são alguns dos diversos embaixadores famosos e “atuantes” pela instituição. Sem dúvida, há um apelo popular com tais personalidades, mas há do mesmo modo, um vazio evidente, pois, poucas são as ligações que as referidas celebridades possuem com as causas que se comprometem. Além da simples e louvável iniciativa em dispor sua imagem para uso da ONU, é necessário haver um comprometimento político, acima de tudo, o que muitas vezes não ocorre.

Outro ponto que necessita de reforma é o orçamento da organização. Luiz Carlos da Costa aponta que o orçamento total da ONU é menor que o da cidade de Nova York. Trata-se de uma grande quantia financeira, mas que se mostra pequena para atender as necessidades de uma instituição do porte da ONU, com atuação global em diversas áreas. A instituição possui sua renda advinda de investimentos dos próprios Estados e de doações particulares. Certamente, são investimentos e doações vultosas, capazes, até hoje, de suportar a instituição. No entanto, necessita de investimentos em maior volume, a fim de possibilitar melhor desenvolvimento dos programas realizados. Alguns estudiosos e até mesmo funcionários da instituição argumentam que a criação de um exército transnacional pertencente a ONU, juntamente com o aumento do orçamento, é fundamental para o desenvolvimento da organização (sugestão altamente questionável e, acima de tudo, de alta periculosidade).

Porém, o ponto mais controverso e que, certamente, mais necessita de reforma é o Conselho de Segurança e seus membros permanentes. Como órgão máximo da Organização das Nações Unidas toma as decisões que, em tese, são, também “máximas”. Contudo, o que se verifica na prática é o uso do Conselho de Segurança para atingir fins escusos e parciais, sem observância dos propósitos da instituição. Os membros permanentes possuem o já mencionado poder de veto, que implica em impedir ações e decisões às quais sejam contrários. Isto é, o órgão é responsável pelo comando das ações da sociedade internacional e seus membros permanentes possuem grande importância e poder sobre questões globais. Figuram como membros permanentes a França, a Rússia, a China, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, sendo este último, por tudo já relatado, o mais controverso de todos como já relatado.

Com relação ao poder de veto, não só os EUA, mas outros países também, o usam como estratégia para atingir fins particulares e manipular ações na ordem internacional. Ações que não lhes interessam e trabalhos contrários aos seus objetivos, além de outros atos, são tratados pelos EUA no Conselho de Segurança de forma arbitral e sem preocupação com interesses que não lhes são afetos. Ratifica-se a posição de que não é possível generalizar todas as ações do referido Estado, mesmo dentro do Conselho de Segurança, mas tal comportamento acontece de forma reiterada.

Tão clara é a manipulação praticada pelos EUA, que, quando não atingidos seus objetivos de forma implícita (e não-diplomática, como de costume), tentam atingi-los de forma explícita (e não-diplomática). Toma-se como exemplo a invasão do Iraque pelos EUA, com a alegação de que aquele teria armas de destruição em massa em seu território. A ONU se mostrou declaradamente contra a ação, publicando relatórios em que se atestava, com base em inspeções feitas em campo pelo inspetor-chefe de armas Hans Blix.

Entretanto, tão grande é o poderio da organização que, mesmo após descumprimento de suas orientações e procedendo com a invasão ao Iraque, os EUA, recorreram à ONU quando deveram tiveram de criar uma estrutura iraquiana para administrar o país.

Os programas sociais, acima de tudo, não podem cessar. Países dependem da organização para a mantença mínima de suas sociedades (ou o que resta delas). Uma instituição de porte jamais visto na sociedade internacional não perde sua relevância em absoluto, como proclamado ocasionalmente.

Constata-se, assim, que a ONU foi detentora de um grande poder. Hoje em dia, é detentora de um relativo poder e da possibilidade de exercer um grande poder, mas possui alguns entraves. Com o prestígio na área internacional abalado, sendo alvo de desprezo por Estados e utilizada como instrumento particular por outros, necessita urgentemente reconsiderar sua atuação na área internacional. Não deve, portanto, questionar seu papel ou relevância na sociedade internacional, mas, sim, considerar reformulações e adequações para melhor se inserir no ordenamento mundial vigente.


REFERÊNCIAS

[1] Entrevista concedida ao jornalista Ramesh Jaura, diretor europeu do Inter Press Service em 31 de janeiro de 2005 durante conferência realizada no Fórum Social Mundial em Porto Alegre (RS), disponível em: http://www.ipsterraviva.net/tv/wsf2005/viewstory.asp?idnews=190

[2] Entrevista concedida ao jornalista Sérgio Aguiar Matos, disponível em http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/2005/03/20/jorint20050320006.html

[3] RODRIGUES, Gilberto M. Antonio. O que são relações internacionais. Brasiliense, 1999.

Sobre o(a) autor(a)
Julio Cesar de Freitas Filho
Acadêmico de Direito
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