A espetacularização do processo penal e o juiz das garantias

A espetacularização do processo penal e o juiz das garantias

Vislumbramos no Juiz das Garantias o aprimoramento das garantias individuais da pessoa humana submetida ao flagelo acusatório sob o crivo da jurisdição penal, representando importante avanço nas práticas judiciárias.

O pacote anticrime, recentemente sancionado pelo Presidente da República e com vigência projetada para o dia 22 de Janeiro do ano corrente, chega ao ordenamento jurídico-penal com a pretensão de, conforme exteriorizado em seu dispositivo inaugural, aperfeiçoar a legislação penal e processual penal.

Neste contexto de atribuladas reformas, o advento de equivocadas inovações entra em debate por vieses políticos, jurídicos, sociais e ideológicos. Dentre estes, está o advento do juiz das garantias, figura em destaque desde a votação do projeto de lei no congresso nacional.

Não iremos, na presente explanação, nos focar no acirrado debate travado nos meios midiáticos e acadêmicos acerca da ausência de dotação orçamentária para a realização das modificações impostas pela noviça legislação, a qual impossibilitaria o correto exercício jurisdicional pelo juiz das garantais.

Iremos nos ater, no presente trabalho ao “Juiz das Garantias” como fiscal da espetacularização do processo penal, responsável por envidar esforços para impedir que o procedimento processual penal que visa descortinar a “verdade real” com vistas a punibilidade do agente agressor torne-se um instrumento a disposição das políticas de segurança pública para o combate ao crime e o flagelo do criminoso, com o apoio da mídia e clamor popular.

Ab initio, cumpre-nos ratificar a crítica acadêmica – abafada diante de sua relevância prática – em torno da denominação dada ao instituto do Juiz das Garantias, a qual mostra-se equivocada, vez que gera a compreensão de que apenas este juiz, criado agora, neste momento do século XXI, é o juiz das garantias e deverá ser responsável “pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário”

Ora, se desta forma fosse, vislumbrar-se-ia o entendimento de que os demais juízes, que atuam em serventias comuns, apreciando autos judiciais e proferindo sentenças, não possuem qualquer compromisso com o controle da legalidade no curso do procedimento, nem tão pouco o representante do Ministério Público, eis que atuaria apenas como parte, não como fiscal da lei.

Dispensa-se maiores esforços cognitivos para se concluir pela teratologia da denominação imposta ao importante instituto, que visa o reforço – necessário em tempos de infração da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito em detrimento do clamor popular – da observância dos postulados normativo-jurídicos, constitucionais e humanitários.

Desta forma, no contexto de garantia da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, salvaguardando a integridade da pessoa humana garantida ao indiciado no curso da investigação criminal e a diminuição dos efeitos deletérios inerentes ao processo penal – ainda que em fase pré-processual -, o art.3º-F da Lei 13.964/19 instituiu que:

Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.

A essência do dispositivo colacionado é a necessária adoção da postura de preservação da imagem do preso, que deveria ser adotada não só por quem detém o papel de julgador, mas também por todos os atores processuais, para que se impeça a irrupção da imagem social da pessoa segregada, conforme alhures mencionado.

Portanto, a atribuição da responsabilidade de fiscalizar o conluio entre mídia e autoridades públicas para a espetacularização do processo penal tem seus efeitos direcionados a coibir a prática de condutas que não só afetam a imagem do preso em fase preliminar de investigação – o qual nem ao menos possui uma sentença condenatória em seu desfavor -, mas também a preservação da própria incolumidade dos atos processuais instrutórios.

Novamente, não é necessário muito esforço para perceber que a mencionada espetacularização do processo penal – referimo-nos aquele que detém a atenção da mídia – afeta demasiadamente os procedimentos investigativos necessários para o esclarecimento dos fatos imputados ao indiciado no curso da investigação, tendo em vista que fenômenos como a chegada da polícia judiciária para proceder com o cumprimento de um mandado de prisão preventiva de determinado agente político é acompanhada por órgãos midiáticos de abrangências nacional, veiculando matérias comumente inauguradas com os dizeres “A Polícia Federal está desde cedo na casa de...”.

A medida que fenômenos semelhantes ao exposto tornam-se recorrente, afeta-se não só o sujeito submetido a medida processual e a exposição midiática, mas também o Estado Democrático de Direito.

Neste contexto, torna-se consideravelmente atravancado o deslinde dos procedimentos investigativos com a paralela veiculação midiática realizando juízos de opinião, no mais das vezes equivocados, baseados em elementos informativos muitas vezes “vazados”, acarretando o julgamento sumário e equivocado por parte do senso comum popular.

Desta forma, o indiciado, antes apontado como o possível autor de uma infração penal e preso preventivamente com base em justificativas genéricas de garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, torna-se réu, sentenciado e condenado pelo Tribunal Popular, num só ato – exemplo de efetividade jurisdicional.

Referimo-nos não aquele tribunal popular cuja denominação merece também ao Tribunal do Júri, instituição nobre e democrática, mas ao Tribunal Popular cuja sessão inicia-se nas conversas de bares, restaurantes, subúrbios, bairros nobres ou de classe média alta, salas de aula, veiculações jornalísticas, etc.

Entretanto, importante explanar que a pretensão não é de levantar a bandeira contra a liberdade de expressão, importante subsídio democrático garantido ao cidadão, mas colocar sob evidência a necessidade de se garantir a efetividade da persecução penal, do direito à informação e da dignidade da pessoa humana submetida ao cárcere, conforme exterioriza o parágrafo único da norma comentada.

A vista do exposto, vislumbramos no Juiz das Garantias o aprimoramento das garantias individuais da pessoa humana submetida ao flagelo acusatório sob o crivo da jurisdição penal, representando importante avanço nas práticas judiciárias, oportunizando a restrição das danosas e irreversíveis infrações aos axiomas constitucionais observados na persecução penal.

Sobre o(a) autor(a)
Leonardo Tajaribe Jr.
Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).
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