O Juiz das Garantias (Lei 13.964/19)

O Juiz das Garantias (Lei 13.964/19)

Trata da decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux que suspendeu a eficácia do art. 3A que foi introduzido no CPP através da Lei 13.964/19, fazendo sua relação com os sistemas de atuação do processo penal brasileiro.

A Lei 13.964/19, em seu artigo 3 – a, trata acerca do Juiz das Garantias, que em linhas gerais distribuiria de forma mais eficiente os encargos processuais e, consequentemente, traria alguns benefícios no que tange à redução de responsabilidades do juiz, ou em outras palavras, em uma menor sobrecarga sobre este.

Esta redução de responsabilidade propiciaria ao juiz de instrução uma maior independência em suas prerrogativas.

A Lei acima citada viria “amenizar” uma característica ainda presente no processo criminal brasileiro que seria o sistema inquisitivo, uma sombra ainda oriunda do processo penal de 1941.

Há de se tentar buscar, por meio de pesquisa em artigos e obras que tratem sobre o tema, quais razões, ou ainda, quais fundamentos que levaram o Ministro Fux a suspender a eficácia deste artigo que, como já supracitado, traria maior eficiência no que diz respeito ao princípio da garantia e o da segurança pública.

O Juiz das Garantias, o juiz da legalidade

 O Código de Processo Penal Brasileiro surgiu em 1942 quando ainda vigorava o “Estado Novo”. Este regime ditatorial teve como líder o então presidente Getúlio Vargas sendo instituído em 1937 e trouxe consigo fortes características de um sistema processual penal inquisitório.

Sabe-se ainda que, historicamente, os principais sistemas processuais penais adotados por nações distintas foram o acusatório, inquisitório e o misto.

Com a chegada da Constituição Brasileira de 1988, o sistema constitucionalmente adotado desde então foi o acusatório. E isto está expresso no artigo 129, em seu inciso I, que aduz:

"São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;"

Todavia, majoritariamente, os juristas brasileiros afirmam que o sistema processual penal adotado no país possui uma característica acusatória, no entanto, para os demais, este sistema na verdade ainda possui características oriundas do“Estado Novo”, ou seja, inquisitório, tendo ainda uma terceira corrente que entende o sistema processual penal como sendo misto.

Para tentar por fim a estas discussões, foi criada, em 2019, a Lei 13.964, mais conhecida como o “Pacote Anticrime” que trazia a intenção de reafirmar o perfil acusatório adotado pela nossa Constituição de 1988.

Este pacote traz consigo diversos pontos positivos como, por exemplo, o fato de um juiz atuar apenas na fase investigativa podendo decidir sobre os pedidos do Ministério Público, ficando outro juiz responsável pela próxima etapa. Outra vantagem seria a garantia ao direito ao contraditório no processo, dentre outras.

Mesmo diante de todo o exposto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, suspendeu a eficácia do artigo 3 - a da mesma lei. Um dos argumentos do Ministro é que com a criação de novos direitos e novas políticas públicas haveria um alto custo para o Estado para pô-las prática, alegando a ausência de prévia dotação orçamentária. Outra consideração do Ministro para a suspensão do artigo diz respeito à regulamentação das normas de organização judiciária que, segundo ele, devem ser realizadas pelo próprio judiciário.

Entretanto, vale salientar que a própria Constituição traz em seu artigo 129, inciso I, que é função do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública”.

De qualquer forma, não é possível negar que o nosso sistema processual penal ainda possui ligações com o sistema inquisitório do século passado.

A Constituição, como já dito anteriormente, parece adotar o sistema acusatório, porém, ao observar alguns trechos do CPP é apresentada a divisão de funções como acusar e julgar, porém, estas características não são suficientes para caracterizar o nosso sistema como acusatório, visto que o juiz ainda pode autorizar a produção antecipada de provas mesmo antes do início da ação penal.

Ainda em relação à decisão do Ministro Fux, houve quatro dispositivos que foram alterados pelo “Pacote Anticrime” e que não estão em vigor em razão da ação liminar feita pelo ministro. A primeira delas foi o “Juiz das Garantias”, previsto do artigo 3 – a até o artigo 3 – f , reforçando a característica acusatória de nossa CF/1988; a segunda é a medida pela qual um sujeito que fosse preso em flagrante e que não tivesse uma audiência de custódia no prazo de 24h teria sua prisão considerada ilegal e deveria ser imediatamente solto de acordo com artigo 310, § 4º do CPP; a terceira e também relevante medida seria o arquivamento do inquérito policial diretamente pelo Ministério Público sem a necessidade de passar por eventual homologação por parte do juiz e, por fim, o que está previsto no artigo 157,§ 5º do CPP que, segundo este, caso o juiz da causa tiver tomado uma decisão em relação a determinar que uma prova fosse considerada inadmissível, este mesmo juiz não poderia julgar a causa.

No que tange os custos processuais, estes poderiam ser contornados com ações como a reorganização dos recursos humanos bem como da estrutura administrativa. Outro ponto não comentado em relação ao erário elevado com estas ações diz respeito ao aumento da pena privativa de liberdade pós artigo 75 do código Penal, que passou de 30 para 40 anos. De qualquer maneira, o embate político envolvendo o “Pacote Anticrime”trouxe a tona dispositivos legais antagônicos bem como contraditórios entre si, o que demonstra que esta discussão está longe de ser concluída.

Considerações Finais

O “Juiz das Garantias”, por intermédio da Lei 13964/19 em seu artigo 3 – a, surge no intuito de reforçar a constitucionalidade do sistema acusatório, protegendo os direitos e garantias fundamentais na fase investigatória, impedindo que o juiz de processo seja contaminado por decisões tomadas anteriormente por outros juízes, garantindo, por conseguinte, sua imparcialidade.

A suspensão da eficácia deste artigo por tempo indeterminado, oriunda da decisão do Ministro Luiz Fux veio impedir, ou adiar, que o sistema processual penal brasileiro viesse a tornar-se mais eficiente em seu papel constitucional de garantir a justiça de maneira imparcial sob argumentos, tido por muitos, como “relativamente incoerentes”.

A discussão acerca deste tema parece ainda não ter findado a triste herança do sistema penal inquisitório oriundo do “Estado Novo” indo de encontro a nossa carta magna que, infrutuosamente, reforça o caráter acusatório do sistema.

Referências

Artigo 3 – a cpp. Juiz das garantias. JusBrasil. Disponível em: <https://flaviomeirellesmedeiros.jusbrasil.com.br/artigos/853481706/art-3-a-cpp-juiz-das-garantias>. Acesso em 20 de novembro de 2021.

A medida cautelar proferida pelo ministro Luiz Fux em sede de ADIn e a lei 13.964/19. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/337293/a-medida-cautelar-proferida-peloministro-luiz-fux-em-sede-de-adin-e-a-lei-13-964-19 >. Acesso em 20 de novembro de 2021.

Estado Novo. InfoEscola. Disponível em : <https://www.infoescola.com/brasilrepublicano/estado-novo/>. Acesso em 19 de novembro de 2021.

“Pacote Anticrime” e o reforço ao sistema acusatório. Âmbito Jurídico. Disponível em : <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processualpenal/pacote-anticrime-e-o-reforco-ao-sistema-acusatorio/>. Acesso em 19 de novembro de 2021.

Resta algo do pacote anticrime? Mais punição e menos garantias. ConsultorJurídico. Disponível em : <https://www.conjur.com.br/2020-nov-13/limite-penal-resta-algo-pacote-anticrime-punicao-garantias>. Acesso em 20 de novembro de2021.

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Roberlanio Moura Candido
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