O cônjuge e o direito sucessório face ao novo Código Civil
Visa dissertar acerca do Novo Código Civil, no direito sucessório traçando uma comparação do atual sistema de tratamento ao cônjuge com o da futura ordem jurídica.
I) HERDEIROS NECESSÁRIOS
O atual Código Civil estabelece em seu artigo 1603 a ordem de vocação hereditária e nela estabelece-se às pessoas aptas a herdar, estabelecendo classes onde é feita à hierarquização hereditária. Esse artigo estatui a seguinte ordem: descendentes; ascendentes; ao cônjuge sobrevivente (equipara-se aqui o companheiro sobrevivente); aos colaterais e aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União. Com cada uma das classes recebendo a herança e excluindo, de forma seqüenciada àquelas que a sucederiam, e, em relação aos graus, os mais próximos excluem os mais longínquos do "de cujus".
Por força da lei, metade da herança deixada ficará com os herdeiros necessários, que atualmente são os descendentes e os ascendentes. Portanto, se houverem bens deixados de herança, metade dessa ficará obrigatoriamente com os herdeiros necessários, podendo livremente dispor da outra metade o morto, mas, desde que em vida, tenha realizado o ato de última vontade, separando metade de seu patrimônio a outros da ordem de vocação ou até mesmo a terceiros estranhos a essa ordem, por ser uma parte livre dos efeitos vinculativos da necessária.
Na nova ordem civil que está as vias de ganhar vigência no mundo jurídico, algumas alterações insurgem tanto quanto a ordem, bem como os herdeiros necessários. Na ordem da vocação, o inciso quinto do atual 1603 será retirado do rol por força do artigo 1829 e seus incisos do NCC [1], que em momento algum mencionam o Poder público. Os herdeiros necessários passaram a ter mais um integrante, que é o cônjuge. Este passará a integrar o pólo dos herdeiros que adquiriram direito a parte necessária, ou seja, com direito a metade indisponível da herança.
O tema gera controvérsias ao balizarmos esta área com a do direito de família, especificamente no que versar aos regimes de bens, pois, teremos algumas complicações que passaremos a expor.
II) DA INSERÇÃO DO CÔNJUGE E SUAS PECULIARIEDADES EM COMPARAÇÃO COM O CÓDIGO CIVIL VIGENTE E O NOVO CÓDIGO CIVIL
A inserção do cônjuge, nos herdeiros necessários, é justificável, pois, são os objetivos do casamento, como lembra a professora Maria Helena Diniz ao citar Portalis, no que versa o papel dos cônjuges no casamento: "ajudar-se, socorrer-se mutuamente, suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar sua espécie" [2]. Dessa sorte, o cônjuge tem uma comunhão de vida com o outro, pleno conhecimento de suas atividades, de seus negócios, partilhando idéias e sentimentos comuns, bem como enfrentando momentos de alegria e dificuldade.
Na área emocional, verifica a importância do cônjuge no cenário familiar, como companheiro, amigo e confidente. O plano jurídico apresenta-se o cônjuge com importância, pois, ajuda a consolidar uma das pedras angulares, fulcrais da instituição ordenada da sociedade e da família, aos quais o Estado quer manter. A Constituição da República, em seu artigo 226, caput erige a importância da família e por vários textos constitucionais releva a importância da instituição do matrimônio civil, seja por razões emocionais humanas ou para ressaltar a união dos mesmos em uma comunidade com vistas à consolidação do lar e das famílias, ofertando maior proteção a eles.
Pelo ordenamento demonstrar sucessivamente sua feição pela família constituída em casamento, bem como pela pessoa do cônjuge no direito civil, no quer versa a família, mais do que justo e plausível é a inovação da lei civil ao fazer com que ele seja reconhecidamente um herdeiro necessário. Mas, a lei civil, como verifica o decréscimo dos casamentos, e a fragilidade das relações, buscou incentivar o casamento, e, para tal, estabeleceu normas mais benevolentes ao cônjuge na sucessão.
O corpo normativo civil estabelece hodiernamente que o cônjuge é herdeiro, mas não elevado ao patamar de necessário. Para que o cônjuge receba pelo direito sucessório deverão inexistir ascendentes ou descendentes, e, em existindo, deverão estes renunciar a seus direitos. Poderá o marido ainda afastar o cônjuge da herança, pois, ao testador, neste caso, vige o princípio da ampla liberdade para testar. Pelo outro lado, o cônjuge receberá pelo direito de família, se ele ao realizar o processo de habilitação e o casamento com a manifestação de vontade válida, tenha escolhido o regime da comunhão de bens, parcial ou total.
O Novo Código Civil, como bem ressaltamos estabelece condições favoráveis ao cônjuge. Uma dessas inovações, fora a de elevá-lo ao nível de necessário, como aponta o artigo 1838, recebendo por inteiro a herança na falta das classes anteriores, não podendo ser privado da herança como ocorre hoje, criando também o chamado direito de concorrência. Nesse direito se com ele concorrer com as duas classes anteriores a ele (ascendentes / descendentes), subindo e indo concorrer com elas, em partes iguais se forem descendentes e, sendo garantido 1/4 da herança no mínimo se for descendente seu. Em sendo ascendente o herdeiro, será em três partes e, será metade se for ascendente de 1º grau único ou outro grau.
Segundo as lições de Maria Helena Diniz que eficientemente nos lembra: "por ser herdeiro necessário (CC, arts. 1845, 1789 e 1846), tem resguarda, de pleno iure, a metade dos bens da herança, que constitui a legítima, pois o testador, havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivo), só poderá dispor da metade da herança. Trata-se de importante inovação a inclusão do cônjuge entre os herdeiros legitimários, amparando-o, dando-lhe uma condição hereditária mais benéfica, considerando-se que o vínculo conjugal, a afeição e a intimidade entre marido e mulher não são inferiores ao da consangüinidade. Como herdeiro necessário, é chamado à herança ao lado dos descendentes e ascendentes, ou isoladamente quando não concorrer com eles. Possui, de pleno direito, a metade dos bens da herança se não houver descendente ou ascendente, tendo-se por pressuposto que o falecimento de um dos consortes não poderia desamparar o outro com a transmissão de todos os bens hereditários a pessoa estranha por testamento" [3].
O Código em vigor, oferece o amparo obrigatório de um dos cônjuges para com o outro, ex vi legis, artigo 231, III e futuramente artigo 1566, III. Se durante a mantença da sociedade matrimonial é conferido a segurança e a assistência recíproca, porque essa não deveria subsistir, quando o casamento veio a termo por fatores alienígenas à vontade dos cônjuges. A lógica do legislador no livro de sucessões repetindo a consistência protecionista do direito de família foi louvável, ao nosso ver, interligando os sistemas civis com a ótica do legislador penal no seu artigo 244.
Tanto é assim, que o artigo 1829, I, erige o direito de concorrência, porém, no caso de descendência, devemos observar o regime do matrimônio fixado, pois, se for o da comunhão universal de bens a proteção se configuraria um abuso, pois, o direito de família já tutelaria metade dos bens a que ele teria direito. O Código apresenta outras exceções a essa regra, que podemos vislumbrar, que é a do regime da separação obrigatória de bens ser escolhido pelos cônjuges e a outra é a do regime da comunhão parcial de bens, sem que o cônjuge falecido tenha deixado bens particulares.
Em síntese, se o cônjuge sobrevivo for casado no regime da separação convencional de bens ou na comunhão parcial, terá a sua meação garantida mesmo existindo classes superiores, consoante a regra do artigo 1829, podendo dizer que no atual sistema ele se equipararia a um descendente ou a um ascendente, recebendo quinhão igual e sucedendo por cabeça e com o privilégio de sua cota parte não ser inferior a 1/4 do total a ser percebido, consoante o artigo 1832 do NCC. Assim:
A – B: Casados no regime da comunhão parcial de bens, não deixando ascendentes, somente descendentes, no caso cada um receberá seu quinhão, com o cônjuge recebendo 1/4 do total, retirando 1/4 da herança e depois dividindo por 4.
Em sendo a concorrência com os ascendentes, a regra modifica, mas o espírito protecionista é mantido, pois, conforme o artigo 1829, II c.c os artigos 1836 e 1837 do NCC, que estabelecem em havendo ascendente de primeiro grau, o cônjuge concorrerá na proporção de 1/3 do total da herança, com a possibilidade de subir até 1/2, caso haja um ascendente somente ou maioridade gradativa. Assim, por exemplo, A morre e deixa B como cônjuge, sem descendentes, mas com ascendentes do lado do pai (C e D) e da mãe (E e F). A herança de R$ 50.000,00 ficará disposta conforme o artigo 1836 e seus parágrafos da seguinte forma: B receberá (1/3) R$ 16.666,67, operando uma divisão em atendimento ao § 1º do artigo 1836 em linhas, R$ 33.333,33, repartindo entre os ascendentes com cada recebendo 1/4 do total, perfazendo R$ 8.333,25.
Ao nosso ver, faltou somente o Código inserir elemento que verse sobre a prova de apesar do casamento persistir, se haveria o convívio pacífico e respeitoso entre ambos no trato diário, ao invés de, deixar exclusivamente para futura ação visando declaração de indignidade (art. 1814, NCC) ou de deserdação (art. 1962, NCC) que poderá aparecer naturalmente como efeito do maltrato.
III) DA SEPARAÇÃO JUDICIAL E DE FATO E SEUS EFEITOS JURÍGENOS
A separação de fato nada influi no direito sucessório, se não for convertido esse prazo em divórcio direto, pois, nos termos legais, persistirá o liame matrimonial, portanto, tendo direitos hereditários. A separação fática não apresenta efeitos legais para o direito, apenas podendo apresentar no ramo penal, a possível tipificação do adultério, nos termos do artigo 235 do CP.
O professor Silvio Rodrigues assim leciona: "A lei exige, para afastar o cônjuge da sucessão, esteja o casal desquitado ou divorciado. Assim, a despeito de separados de fato, cada qual vivendo em concubinato com terceiro, a mulher herda do marido e este dela se morrerem sem testamento e sem deixarem herdeiros necessários" [4] e agora como concorrente.
Em havendo casamento nulo ou anulável e morrendo um dos cônjuges sem que seja declarada a sua nulidade no momento da sucessão, terá ele direito, cabendo lembrar que alguns dos impedimentos matrimoniais, são passíveis de convalidação, mas os que eivam de nulidade o casamento conforme o atual artigo 206, fazem com que o casamento não seja válido, portanto, não será considerado cônjuge, podendo receber somente por via testamentária. No caso da anulação, lembremos as lições de Washington de Barros Monteiro: "Se anulado o matrimônio, proclamando-se-lhe, no entanto, a putatividade, o sobrevivente de boa-fé tem direito sucessório, se posterior à morte do outro cônjuge a sentença de anulação" [5].
A separação judicial influi no direito de sucessão, pois, verificamos que expressamente o artigo 1830 do NCC, menciona a separação judicial como excludente do rol dos herdeiros e a separação de fato por prazo superior a 2 anos. Ou seja, a separação inferior a 2 anos mantém o direito sucessório do cônjuge e essas separações poderão ser elididas com o cônjuge retornando ao rol se conseguir provar os atos que tornaram a convivência impossível, o que ao nosso ver reveste-se de justiça. Há ainda, a manutenção do direito de habitação, no artigo 1831 do NCC, mas esse imóvel deve ter sido o local da relação conjugal, sendo sede estável da relação, mas este direito surge com uma condição resolutiva, a de durar até persistir a viuvez, conforme vige na lei atual. A lei no que versava ao usufruto, foi suprimida, por ter sido elevado o cônjuge ao patamar de necessário.
IV) REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS E SUA INSERÇÃO NA LEGÍTIMA
Caso o regime seja o da separação total de bens, não vislumbro correta a inserção do cônjuge nos herdeiros necessários, pois, de forma expressa e manifesta, os cônjuges demonstraram sua insatisfação em conjugar e unificar os patrimônios. Portanto, porque haveria a lei nessa hipótese de escolher pelo cônjuge, uma vez que, pelo novo Código Civil será facultadas a escolha e modificação do regime de bens durante a constância do casamento em qualquer momento.
Uma hipótese interessante surge nos casamentos em que o regime foi escolhido sobre esse Código e não mudam o mesmo futuramente, assim, surgiria o direito para os demais herdeiros excluí-la do rol? Entendemos haver uma incompatibilidade entre a lei e a vontade dos cônjuges, que nesse caso deve prevalecer como exceção no direito de família e sucessório, pois ambos protegem a família e evitam possíveis fraudes ao sistema sucessório e a estrutura familiar.
Portanto, não há empecilho legal na sua inserção, apesar da escolha de regime, mas vejo com incoerência a não feitura de uma proibição expressa do legislador, que ainda, facultou a mudança no regime de bens. Mas, deve-se atentar a Súmula 377 do STF que menciona: "No regime da separação lega de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento", assim, se resultarem de esforço comum de ambos e o cônjuge desconhecia da faculdade de alterar o regime, entendemos ser justa a sua inserção, mas de outra forma, não.
Concluímos o trabalho, entendendo que o Novo Código Civil está sendo muito coeso, justo, ponderado no seu tratamento com o cônjuge por perceber seu importante papel na vida na sociedade conjugal e na estrutura familiar como fundamento da ordem social e respeito aos preceitos sacramentais da justiça.
V) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
I) DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5 – Direito de Família; 11ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996.
II) DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 6 – Direito das Sucessões; 16ª Ed; Saraiva; SP /SP; 2002.
III) MONTEIRO, Washington de Barros; Curso de Direito Civil, vol. 6; 30ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996.
IV) RODRIGUES, Silvio; Direito Civil, vol. 7 – Direito das Sucessões; 20ª Ed; Saraiva; SP /SP; 1995.
Notas
[1] A sigla NCC representa o Novo Código Civil durante o transcorrer do trabalho.
[2] DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5 – Direito de Família; 11ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996; p. 34.
[3] DINIZ, Maria Helena; Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 6 – Direito das Sucessões; 16ª Ed; Saraiva; SP /SP; 2002; p. 105.
[4] RODRIGUES, Silvio; Direito Civil, vol. 7 – Direito das Sucessões; 20ª Ed; Saraiva; SP /SP; 1995; p. 77.
[5] MONTEIRO, Washington de Barros; Curso de Direito Civil, vol. 6; 30ª Ed; Saraiva; SP/SP; 1996; p. 83.