As horas extras e o banco de horas

As horas extras e o banco de horas

A Consolidação das Leis do Trabalho, no parágrafo 2º do artigo 59, legitima a utilização da compensação, desde que sua validade esteja atrelada à participação do sindicato da categoria, cumprindo assim os ditames da Carta Maior.

Devido à grande confusão que as pessoas fazem acerca das horas extras e o instituto da compensação de horas, assento alguns pontos com vistas a esclarecer tais preceitos.

A Carta Democrática de 1988 traz em seu arcabouço principiológico a valorização social do trabalho e da livre iniciativa, como fundamento da República (art. 1º, IV, CF).

Não obstante, a própria Constituição Federal também assegura inúmeras garantias, tais como irredutibilidade de salário, décimo terceiro salário com base na remuneração integral, repouso semanal remunerado, licença paternidade e à gestante, entre outras tantas que discernem o trabalho como verdadeiro direito social.

No âmbito dessas garantias, o próprio artigo 7º, XIII, da CF, garante duração laboral não superior a oito horas diárias. Sendo assim, temos como regra geral a jornada de trabalho não ulterior ao limite de oito horas por dia ou 44 horas semanais.

Nessa linha de pensamento, o legislador - sempre observando a função social do trabalho e da livre iniciativa - como forma de inibir a exploração do trabalhador em jornadas de trabalho infindáveis, garantiu ao obreiro o direito de ter as horas excedentes às normais pagas com acréscimo de no mínimo 50% do valor da hora normal (7º, XVI, CF).

Entretanto, quando falamos do complexo mundo jurídico, sabemos que nada é absoluto e as exceções fazem parte da regra. A flexibilização dessa regra limitadora da jornada encontra respaldo no mesmo inciso XIII do referido artigo 7°. Tal dispositivo normativo faculta a compensação de horas e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Dessa exceção à regra nasceu a prática do Banco de Horas, que é um acordo de compensação em que as horas excedentes trabalhadas em um dia são compensadas mediante diminuição da jornada em outro dia.

A Consolidação das Leis do Trabalho, no parágrafo 2º do artigo 59, legitima a utilização da compensação, desde que sua validade esteja atrelada à participação do sindicato da categoria, cumprindo assim os ditames da Carta Maior.

Observe-se que, tendo autorização em acordo ou convenção coletiva, a implementação do banco de horas fica a cargo do empregador, ou seja, faz parte do poder diretivo da instituição. Vale dizer que se trata de regra compulsória; uma vez instituída, o trabalhador deve aceitá-la.

O Banco de Horas representa vantagem para o trabalhador na medida em que possibilita compensar as horas extras trabalhadas mediante a flexibilização do horário de serviço, ganhando em qualidade de vida, pois poderá ter dias de folga, emendar feriados, chegar ao trabalho em horário diverso. Por outro lado, também traz vantagem para o empregador, que não necessita efetuar o pagamento das horas extras nem seus reflexos nas demais verbas trabalhistas.

As horas trabalhadas além da jornada podem ser compensadas com antecipação da entrada ou saída do serviço ou também com folgas a mais na semana ou ainda com acréscimo de férias.

Cabe ao empregado estabelecer as datas de descanso com o empregador, para que não coincidam as compensações de vários empregados ao mesmo tempo, de modo a evitar prejuízos ao andamento das atividades, com vistas ao valor social do trabalho.

Nesse diapasão, a CLT estabelece que, para efeitos do Banco de Horas, o limite da jornada é de 10 horas diárias, ou seja, 2 horas extras por dia, tendo o acordo de compensação validade por um (01) ano.

É aqui, no entanto, que muitos empregadores escorregam, pois se as horas extras forem prestadas com habitualidade o instituto do Banco de Horas estará descaracterizado, ou seja, se o empregado faz habitualmente 10 horas por dia, por exemplo, as duas horas excedentes de oito deverão ser pagas como extras e não poderão ser compensadas, como preconiza o inciso IV do verbete 85 do Superior Tribunal do Trabalho.

Note-se que a compensação é uma desconcentração da regra, deverá acontecer em episódios eventuais. Seu objetivo é melhorar a relação de trabalho com horários mais flexíveis, o caso de habitualidade à compensação o instituto perde seus efeitos.

Igualmente na hipótese de frequente inobservância do limite legal de 2 horas diárias, bem como a inobservância do período de um ano para liquidação das horas e renovação do acordo de compensação, o Banco de Horas torna-se inválido e todas as horas excedentes trabalhadas devem ser pagas com o respectivo adicional de horas extras.

Comprovada irregularidade no Banco de Horas, será devido ao empregado apenas o adicional sobre as horas extras já compensadas. As horas extras trabalhadas com habitualidade devem refletir nas demais verbas trabalhistas e pagas em holerite, como já dito, pois se é rotina não há que se falar em flexibilização.

Tal dicotomia tem natureza na histórica competição entre empregadores e as garantias trabalhistas, é de se notar que tal instituto por muitas vezes não cumpre o papel social para o qual foi criado. Isso se dá, geralmente, em função da constante busca de mecanismos para burlar as garantias trabalhistas.

É sabido que muitas empresas dizem que adotam esse sistema, mas na verdade não permitem que os trabalhadores compensem as horas excedentes e a exceção acaba por virar regra - caso que dá direito ao trabalhador de acionar a justiça e requerer o pagamento das horas extras que não foram compensadas, acrescidas do devido adicional.

No caso de rescisão, havendo saldo positivo no Banco de Horas, essas horas devem ser pagas também com o respectivo adicional, conforme inteligência do artigo 59, §3º da CLT, que ainda prevê, no parágrafo 4º do mesmo artigo, que os empregados que trabalham sob o regime de tempo parcial não podem fazer horas extras.

Por derradeiro, vale dizer que a compensação na justiça do trabalho deve seguir o disposto na súmula 85 do TST e deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. No caso de acordo individual, este será válido apenas se não houver norma coletiva em sentido contrário.

Destarte, conclui-se que no ordenamento jurídico brasileiro a prática do instituto da compensação encontra abrigo, mas deve ser feita com lisura, não extrapolando o poder diretivo, e respaldada pelo sindicato da respectiva categoria obreira, não como uma regra, mas sim como verdadeira humanização da relação de trabalho, mais justa e livre.

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Saulo Veríssimo Viana de Carvalho
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