Indústria pagará horas extras por adotar regime de compensação de jornada em atividade insalubre sem autorização
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválido o regime de compensação da jornada de trabalho praticado pela Concórdia Máquinas Ltda., do Rio Grande do Sul, e condenou a empresa a pagar horas extras a um torneiro mecânico pelo tempo que extrapolava a jornada legal. Segundo o relator do processo, ministro Mauricio Godinho Delgado, mesmo que haja norma coletiva autorizando o regime compensatório, é imprescindível que haja inspeção e permissão das autoridades competentes. "A negociação coletiva trabalhista não tem poderes para eliminar ou restringir direito trabalhista imperativo e expressamente fixado por regra legal", afirmou.
A decisão se deu no julgamento de recurso de revista do operário. A empresa adota regime de compensação semanal de horas, no qual os trabalhadores cumprem 48 minutos além da jornada normal para que não haja trabalho aos sábados.
O torneiro mecânico afirmou, na reclamação trabalhista, fora contratado para jornada de 7h às 17h de segunda a sexta-feira, mas fazia em média dez horas extras por mês sem receber por isso. Ele sustentou a invalidade do regime de compensação, por não respeitar a jornada máxima diária e semanal (10 e 44 horas) prevista pela CLT, e por não haver licença prévia das autoridades competentes (o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE), e pedia o pagamento de horas extras de todo o tempo excedente à jornada de oito horas. A empresa, em sua defesa, afirmou que o regime compensatório semanal estava previsto nas normas coletivas da categoria.
O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Sapiranga (RS) entendeu que, embora as atividades do torneiro fossem insalubres, o artigo 60 da CLT não impede a adoção da compensação de horas, pois o único requisito exigido pela Constituição da República (artigo 7º, inciso XIII) é a previsão contratual. Assim, deferiu como horas extras apenas as que excediam as 8h48min semanais ou as 44 semanais. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
No recurso de revista ao TST, o torneiro insistiu na invalidade do regime de compensação, uma vez que exercia atividade insalubre e não houve prévia inspeção da autoridade competente par ratificar a prorrogação da jornada, como exige o artigo 60 da CLT.
Limites da negociação
Em seu voto, o ministro Mauricio Godinho Delgado destacou que as normas autônomas estabelecidas diretamente entre as partes podem prevalecer sobre o padrão geral das leis trabalhistas, mas que "há limites objetivos à adequação setorial negociada". Não são negociáveis, entre outros, direitos indisponíveis de interesse público, "por se constituírem em um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido, sob pena de afrontar a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho". Entre eles estão as normas constitucionais em geral.
"A Constituição Federal estipulou, como direito dos trabalhadores, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", observou o ministro, citando o artigo 7º, inciso XXII, e a Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil no Decreto 1254/1994. "Assim, em se tratando de regra fixadora de vantagem relacionada à redução dos riscos e malefícios no ambiente do trabalho, é enfática a proibição da Constituição ao surgimento da regra negociada menos favorável".
Godinho destacou que, em coerência com essa nova diretriz, o TST cancelou a Súmula 349 e outros verbetes que flexibilizavam a legislação na área de saúde e segurança. "Desse modo, não há como prevalecer cláusula que estabelece a prorrogação da duração do trabalho e faculta compensação de jornada nas atividades insalubres independentemente de licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho", concluiu.
A decisão foi unânime.
(Carmem Feijó)
Processo: RR-220-12.2013.5.04.0373