A decisão do STF sobre a união estável homoafetiva: breve comentário

A decisão do STF sobre a união estável homoafetiva: breve comentário

Análise crítica da decisão do STF que reconheceu recentemente, por unanimidade de votos, a união estável formada por pessoas do mesmo sexo.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar conjuntamente a ADI no. 4.227 e a ADPF no. 132, reconheceu, através de votação unânime, a união estável homoafetiva, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.

Os argumentos utilizados pelo STF foram diversos, mas dois destacam-se. O primeiro é o de que não reconhecer tal união estável homoafetiva importaria numa postura discriminatória, em relação à preferência sexual das pessoas, o que é vedado pela Carta Magna (artigo 3o, inciso IV).

Outro fundamento chave utilizado foi o de dar uma interpretação ampla ao artigo 226 §3o. da CF/88, que resultou no entendimento de que, quando a CF/88 disse que a união estável é formada entre homem e mulher, a Lei Maior não disse que a união estável é apenas formada entre homem e mulher, o que possibilitaria assim admitir outro tipo de união estável.

Como consequência dessa decisão proferida pelo Excelso Pretório, com efeito vinculante, deve ser dada interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Assim, quando o dispositivo em comento do Código Civil estabelece que é reconhecida como “ entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher” (grifamos), doravante tal união estável deve ser admitida também entre duas pessoa do mesmo sexo.

Não obstante a boa acolhida que a decisão do STF recebeu da mídia, e de parcela da opinião pública brasileira, ousamos tecer – de forma breve e concisa – algumas críticas a essa decisão.  

Mas, antes de mais nada, é importante ressaltar que qualquer pessoa, por ser dotada de dignidade humana – fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1o, inciso III) – deve ser respeitada e não pode sofrer qualquer espécie de preconceito ou discriminação, seja qual for sua preferência sexual.

É inadmissível, por conseguinte, que alguém que seja homossexual seja vítima de preconceito, perseguições, agressões, e, o que pior, assassinato!

E daí a importância da atuação engajada de organizações não governamentais como a AVAAZ que lutam, através da coleta de milhões de assinaturas pela internet, para que leis cruéis, e abomináveis sejam abolidas, como por exemplo a de Uganda, que pretende condenar à morte homossexuais.

Estabelecida a premissa da dignidade humana de todas as pessoas que optam por serem gays, lésbicas ou transexuais, passemos às breves críticas à decisão do STF.

A interpretação ampla dada pelo STF ao §3o. do artigo 226 da Carta Magna de 1988 não nos parece, data vênia, em harmonia com a Lei Maior.
A hermenêutica jurídica nos ensina que qualquer norma jurídica deve ser interpretada com amplitude, ou seja, de forma literal, lógica, sistemática, teleológica e histórica.

No julgamento dessa decisão, o Supremo entendeu – invocando o princípio da dignidade da pessoa humana – que o artigo 226 §3o. do texto constitucional admite outras formas  de entidade familiar, porquanto na redação de tal dispositivo não está expresso que a união estável é apenas formada entre homem e mulher.

Não concordamos com tal interpretação, porque ao estabelecer que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (grifos nossos), o legislador constituinte originário quis deixar claro, o que ele considera como união estável, a saber, a que é  formada por homem e mulher. E não poderia ser diferente porque só existe complementariedade entre um homem e um mulher. Uma complementariedade que existe em todas as dimensões: sexual, psicológica, … e que possibilita a propagação da espécie humana. O conceito constitucional de união estável, portanto, não contraria o princípio da dignidade humana.

Por outro lado, o  § 4o. do mesmo artigo estabelece que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (grifos nossos), ao passo que logo a seguir , o § 5o. dispõe que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Ora, salta os olhos, através de uma interpretação literal, lógica, sistemática, teleológica e histórica, que o legislador constituinte apenas quis considerar como união estável àquela formada entre homem e mulher, aceitando ainda como entidade familiar àquela formada por um pai e seu filho, ou pela mãe e seu filho, mais em momento algum, a CF/88 mencionou a união entre pessoas do mesmo sexo.

Diante de isso, parece-nos claro que a intenção do constituinte originário foi a de não reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Caso não assim o fosse – só para argumentar – o citado artigo 226 &3o. poderia ter sido alterado por Emenda Constitucional, a fim de reconhecer também a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que, contudo, não ocorreu. Aliás, o capítulo VIII da CF/88  –  no qual está inserido o artigo 226 §3o e demais parágrafos -  foi alterado pela  EC no. 65/2010, mas tão somente para alterar a denominação do capítulo, que passou a se chamar “DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE, DO JOVEM E DO IDOSO”.

Se o texto original e atual da Carta Magna de 1988 reconhece a união estável entre homem e mulher, e se todos os métodos interpretativos nos levam a conclusão de que somente é considerada – e tutelada pelo Estado- a união estável entre homem e mulher, será que a decisão do Excelso Pretório de reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo está em conformidade com o texto constitucional?

Será que o STF pode decidir de forma contrária a um conceito que está em vigor na CF/88  há 22 (vinte de dois) anos?  Não foi competência exclusiva da Assembleia Nacional Constituinte legislar e definir o que é considerado como união estável? E não cabe também exclusivamente ao Congresso Nacional alterar, se assim o desejar, qualquer dispositivo constitucional por meio de Emenda Constitucional?

Uma preocupação inevitável também surge. Após o reconhecimento dessa união estável homoafetiva, certamente surgirão desdobramentos. Afinal, o mesmo artigo 226 §3o. do  ordenamento constitucional é categórico ao dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

Uma última indagação se faz necessária e paira no ar. Por que o mesmo Excelso Pretório, no julgamento da Lei de ficha limpa, optou, por maioria, em aplicar a literalidade do artigo 16 da CF/88,  sem recorrer aos outros fundamentos e princípios, mas adotou critério distinto ao reconhecer a união homoafetiva, invocando, de forma enfática, fundamentos e princípios, sem se ater ao que está estabelecido de forma específica no dispositivo que trata da união estável (art. 226 §3o.)?

 Não teria o Colendo STF adotado, data máxima vênia, dois pesos e duas medidas?

Sobre o(a) autor(a)
Rodrigo Lychowski
Professor Assistente de Direito do Trabalho da UERJ, Mestre em Direito da Cidade (UERJ), Procurador Federal, membro da União dos Juristas católicos do Rio de Janeiro, membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino...
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