Prisão do devedor de alimentos
Um fundamento quanto ao desajuste social que é a prisão do devedor de alimentos.
Alimento, no entendimento jurídico, tem abrangência muito maior do que apenas comida. Inclui tudo que se entende por necessário para a manutenção de um indivíduo como vestuário, saúde, habitação, educação, lazer etc.
Por sua vez, a prisão, instituto opressivo do Direito Penal, é de tamanha intensidade, que só se aplica a quem fere bens jurídicos dos mais relevantes, dentro de uma disciplina do Direito já considerada de intervenção mínima, o Direito Penal. A prisão civil por alimentos não serve para punir e sim coagir o devedor a quitar sua dívida, tanto que o cumprimento da prisão não isenta o devedor do pagamento da dívida.
Nossa Constituição Federal de 1988 autoriza expressamente, como restrição aos direitos e garantias fundamentais, a prisão civil em casos específicos. Porém, deve-se interpretar de forma adequada a Constituição quanto à possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. A maneira como é feita hoje desrespeita uma série de princípios jurídicos, morais, sociais e humanos impostos ao destinatário desta coerção. A Constituição autoriza, mas não exige a prisão.
A obrigação de alimentar, da maneira apresentada, constrói, na sociedade, uma série de entendimentos dogmáticos, preconceituosos e falaciosos. Em sociedades como a nossa, os ascendentes alimentam os descendentes e vice-versa, respeitadas as possibilidades e necessidades de cada envolvido.
A obrigação moral de alimentar, quando determinada e quantificada pelo juiz, institui a obrigação judicial. Só então sua inadimplência é passiva de prisão. Neste momento, abre-se um portal para a má-interpretação, para o autoritarismo que garante valores materiais em detrimento de valores morais, sociais, psicológicos, familiares e outros que ferem a dignidade da pessoa humana. A exemplo disso, estão casos de credores que executam o devedor, mesmo sem precisarem dos alimentos, apenas por vingança ou desafeto por qualquer outro motivo; há também casos como a decisão de um juiz de São Paulo em manter o devedor preso, já que dos quase R$ 4.000,00 que este pagou da dívida, ficaram faltando R$ 0,72 (setenta e dois centavos).
As mazelas de uma economia sofrível agridem o cidadão, seja por má distribuição de renda, seja por uma globalização desajustada. Essas condições são responsáveis por um número sem fim de cidadãos à margem da sociedade, mas que mantêm sua formação familiar de forma heróica. Há um número incontável de famílias que sobrevivem em situação de miséria.
Chefes de família são expostos a todo tipo de privação, vítimas da má administração de recursos brasileiros. Entretanto, não é razoável mandar para a cadeia cidadãos que não conseguem alimentar, educar, dar saúde, lazer e tantas outras necessidades a seus filhos por serem ou estarem pobres. Em alguns casos, a melhor opção para conseguir alimentação é estar na cadeia sob tutela do Estado.
A doutrina e a jurisprudência pouco têm se manifestado nesse campo. As normas que determinam prisão civil para o devedor de alimentos são aplicadas de maneira mecanicista, irracional, em desacordo com situações fáticas e humanas. Os dogmas legais devem ser discutidos com certa periodicidade, já que o Direito não é uma ciência exata como a matemática.
Na Comarca de Poços de Caldas, através de parecer do promotor responsável pela área de família e aceitação do juiz, tem-se determinado uma nova modalidade de audiência, a “audiência de justificativa”. Com fundamento em uma interpretação extensiva do Código de Processo Civil, os devedores têm a oportunidade de apresentar suas justificativas ou compor suas dívidas com o credor em audiência com teor conciliatório. O procedimento inovador tem-se apresentado ótima ferramenta na contenção de litígios e solução pacífica das execuções, evitando a pena de prisão ao devedor de maneira indiscriminada.
Os credores sensatos não querem ver os devedores presos, mas querem seus créditos quitados. Outras coações podem ser impostas aos devedores de alimentos ao invés da privação de sua liberdade. Que outros operadores do Direito tenham o mesmo bom senso, afinal, o Direito existe em função da sociedade e não a sociedade em função do Direito.