Dívida fiscal e a responsabilidade tributária dos sócios-gerentes e diretores

Dívida fiscal e a responsabilidade tributária dos sócios-gerentes e diretores

Trata da responsabilidade tributária dos sócios-gerentes, que recentemente vem se debatendo nos Tribunais.

Introdução

Recentemente vem se debatendo nos Tribunais a responsabilização dos sócios, mesmo que não esteja na administração da sociedade, pelos débitos fiscais da sociedade, resultando em uma colisão aos comandos consagrados da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional, da Lei de Execuções Fiscais, do Código Civil e da Lei de Sociedades Anônimas.

A forçosa responsabilização dos sócios demonstra o insaciável apetite arrecadatório do Fisco, desprezando as limitações constitucionais ao poder de tributar, resultando em danos incalculáveis aos sócios, pois seu nome passa a estar inscrito em divida ativa, impedindo a obtenção da certidão de regularidade fiscal, sem falar da constrição de seus bens pessoais.

Destarte, necessário um breve esclarecimento acerca do surgimento da obrigação tributária, a qual decorre de uma relação jurídica composta por um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor), ligados por um dever jurídico, que obriga o sujeito a entregar certa quantia em dinheiro ao sujeito passivo.

O artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe exatamente neste sentido: “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”. O CTN ainda, no mesmo dispositivo legal, diferencia o contribuinte, que possui relação direta com o fato gerador da obrigação, do responsável, que, mesmo não realizando o fato gerador da obrigação, a lei lhe imputa o dever de satisfazer o crédito tributário em favor do sujeito ativo (Fisco).

Nesse passo, os parâmetros para responsabilização de terceiros encontram-se dispostos no artigo 128 do CTN, que para melhor elucidação o transcrevemos:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Nota-se que a obrigação tributária de pagar o débito poderá ser efetuada pelo contribuinte direto, aquele que realizou o evento para o nascimento da relação jurídica, ou pelo responsável, recaindo sobre ele tal dever por transferência do dever ou por substituição da pessoa que deveria ser o sujeito passivo.

Para a exata distinção entre responsabilidade por transferência e responsabilidade por substituição, utilizaremos as palavras do ilustre mestre Rubens Gomes de Sousa que dizia: a transferência “ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outra pessoa diferente...”; a substituição “ocorre quando em virtude de uma disposição expressa de lei a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, o fato ou negócio tributado. Nesse caso é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto.” [1]

Com efeito, quando a responsabilidade recair sobre os sócios, sócios-gerentes e diretores das pessoas jurídicas, estaremos diante da hipótese de substituição tributária, em que o dito “responsável”, terceiro na relação tributária, torna-se sujeito passivo do dever de pagar o tributo, substituindo a sociedade na relação jurídica fiscal.

Contudo, tal responsabilização deve obedecer a dispositivos legais e critérios, conforme discorreremos a seguir.


Breves Comentários acerca da Responsabilidade no Direito

Em consonância ao §2º do artigo 4º da Lei de Execução Fiscal, para abordarmos o tema de responsabilidade será necessário, para compreender o seu alcance, analisa-la sob a ótica do entrelaçamento das legislações tributária, civil e comercial, pois, conforme lecionava Alfredo A. Becker: “não existe um legislador tributário distinto e contraponível a um legislador civil ou comercial. Os vários ramos do direito são parte de um único sistema jurídico”.

Art. 4º - A execução fiscal poderá ser promovida contra:

(...)

§ 2º - À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.” (grifo nosso).

Dessa forma, em análise ao artigo supra e o artigo 110 do CTN, que dispõe que a lei tributária não pode alterar o conteúdo e o alcance de institutos de direito privado para definir competência tributária, conclui-se que o Fisco, ao interpretar extensivamente tais institutos, fere, não somente os artigos mencionados, mas os institutos de direito privado a seguir expostos.

Nesse passo, em conformidade aos dispositivos supra mencionados passamos a demonstrar o que dispõe a legislação civil e comercial no que tange a responsabilidade.

O Código Civil de 1916, especificamente em seu artigo 20 dispunha: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”, o que nos faz concluir que o patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio de seus sócios, haja vista tratarem-se de entes distintos.

Nessa linha de pensamento seguem os artigos 596, do Código de Processo Civil e 158, da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), respectivamente:

Art. 596 - CPC - Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.”

Art. 158 – Lei das S/A – O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.”

Logo, as legislações apontadas pela Lei de Execuções Fiscais, no âmbito civil e comercial, demonstram que a regra é a da não-responsabilidade dos sócios pelas dívidas societárias, sendo necessário para que tal regra seja rompida a comprovação, a cargo do Fisco, da culpa subjetiva do sócio-gerente ou administrador, ou seja, a comprovação da violação de lei, violação do contrato social ou do estatuto social, ou agiu com excesso de mandato.


O Art. 135 do CTN e a Responsabilidade por Substituição

A responsabilidade de terceiros encontra-se disposta nos artigos 134 e 135 do CTN, no entanto, iremos direcionar nossa atenção especificamente ao art. 135, inciso III do CTN, que dispõe:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

...

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Da simples leitura do dispositivo legal, salta aos olhos que a responsabilidade por substituição, especificamente no que tange aos sócios-gerentes e administradores, depende de situações imprescindíveis para sua caracterização, quais sejam: pratica de atos com (i) excesso de poderes ou (ii) infração de lei, contrato social ou estatuto.

Nesse diapasão, afasta-se completamente a tese de responsabilidade objetiva dos sócios-gerentes e diretores, pois, exige ato doloso ou culposo para que lhe possa ser validamente imputado o dever de saldar, com bens particulares, dívida fiscal.

Em monografia acerca da responsabilidade tributária dos sócios-gerentes e administradores de empresa, Haroldo Funke realiza preciosos esclarecimentos sobre o objetivo do art. 135 do CTN:

Destarte, os argumentos antes expendidos nos levam à conclusão que a expressão infração a lei, contido no texto, não se refere à infração da lei fiscal, mas à infração de lei de outra natureza.

(...)

É de se notar que a expressão está ao lado das expressões excesso de poderes, infração de contrato social e infração de estatutos, todas próprias do direito das sociedades comerciais.

Parece-nos que o legislador, assim procedendo, teria qualificado a expressão, para deixar transparecer a que tipo de infração teria feito menção.

É sabido que os administradores de sociedades, além dos deveres previstos no contrato social ou nos estatutos, têm também deveres legais expressos e implícitos, previstos na legislação que rege os diversos tipos de sociedade (Código Comercial, Lei das Sociedades Anônimas, Lei das Sociedades Limitadas).

(...)

É a infração desses deveres que entendemos se refere à expressão infração de lei, contida na norma codificada, quando do mesmo ato, concomitantemente, resultam relações jurídicas diversas: uma, entre o administrador e a sociedade e/ou terceiros (relação jurídica comercial); outra, entre o administrador e o fisco (relação jurídica tributária), da qual se acha excluída a sociedade, face à responsabilidade pessoal do administrador.

(...)

Diante do exposto, a simples falta de recolhimento do tributo não tem, a nosso ver, o condão de firmar a responsabilidade pessoal do administrador pelo crédito tributário, mas tão somente a sua responsabilidade solidária pelo tributo, nos termos do art. 134 do CTN, ou seja, sobrevindo a liquidação da sociedade de pessoas, se a falta de recolhimento de tributo constitui omissão imputável ao dirigente.” [2]

Portanto, o sócio-gerente ou administrador é responsável tributário por substituição, não por ser sócio, mas na condição de gestor de bens alheios, acaba praticando atos com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social, ou seja, quando, por exemplo, ocorrer à dissolução irregular da sociedade mediante o desaparecimento da firma, sem quitar os débitos existentes.

Nesse sentido, elucidativo o magistério do Professor Hugo de Brito Machado:

(...) a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários.

Também não basta ser diretor, ou gerente, ou representante. É preciso que o débito tributário em questão resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.” [3] (grifo nosso).

Assim, ainda que o Fisco federal, estadual e municipal identifiquem no inciso III do art. 135 do CTN a solução para o recebimento de seus créditos, entendendo que o referido artigo possibilita responsabilizar, igualmente, a pessoa jurídica e a pessoa física dos sócios, independentemente de serem sócios-gerentes ou não, bem como, a caracterização de infração a lei com o simples inadimplemento da pessoa jurídica, resultando, portanto, na responsabilização dos sócios, sem a necessidade de comprovação da prática ilícita.

Essa interpretação repita-se, forçosa, não é a mais adequada, nem tampouco a adotada por nossos tribunais pátrios, sendo adotada posicionamento pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça contrário ao Fisco, conforme se extrai da análise da ementa a seguir:

Tributário e Processual Civil. Execução Fiscal. Responsabilidade de Sócio-Gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes.

1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.

2. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei n.º 6.404/76).

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatuto, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.

5. Precedentes desta Corte Superior.

6. Embargos de Divergência rejeitados.” [4]

Não restam dúvidas, portanto, que esse entendimento é o mais adequado, entendendo que o mero não recolhimento de tributos não caracteriza o disposto no artigo 135 do CTN.


Conclusão

Diante de todo o exposto, mas sem a pretensão de esgotar a matéria aqui discutida, pode-se chegar as seguintes conclusões:

1. A regra imposta por lei é da não-responsabilidade sócios pelas dívidas societárias, sendo necessário para que tal regra seja rompida a comprovação, a cargo do Fisco, da culpa subjetiva do sócio-gerente ou administrador, ou seja, a comprovação da violação de lei, violação do contrato social ou do estatuto social, ou agiu com excesso de mandato;

2. Da análise do art. 135, inciso III do CTN pode-se extrair que apenas o sócio-gerente ou administrador pode ser responsabilizado pelo pagamento do tributo, apenas quando comprovada as hipóteses de violação de lei, violação do contrato social ou do estatuto social, ou agiu com excesso de mandato, não podendo a obrigação tributária recair ao demais sócios;

3. O mero não-recolhimento de tributo não configura infração de lei para o fim do disposto no inciso III, do art. 135 do CTN.


[1] Rubens Gomes de Sousa – Compêndio de Legislação Tributária, 3ª Ed., Rio de Janeiro, Edições Financeiras S/A, 1960, pp. 71-72.


[2] Haroldo Funke, A Responsabilidade Tributária dos Administradores de Empresas no Código Tributário Nacional. São Paulo; Resenha Tributária, 1985, p. 94.


[3] Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 18ª Ed., rev, atual e ampl., São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 125-126.


[4] STJ – Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 174.532, publicado no DJ em 20 de agosto de 2001.

Sobre o(a) autor(a)
Thiago Carvalho Santos
Sócio do escritório Carvalho Santos & Pantaleão Advogados, especializado em Direito Empresarial, Tributário e Falimentar.
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