Responsabilidade civil e acidente de trabalho em teletrabalho (2025)
O teletrabalho (ou trabalho remoto), decorre das evoluções tecnológicas observadas nos últimos tempos, especialmente no período da pandemia da COVID-19.
INTRODUÇÃO
O teletrabalho (ou trabalho remoto), decorre das evoluções tecnológicas observadas nos últimos tempos, especialmente no período da pandemia da COVID-19. Com o desenvolvimento da informática e a introdução das telecomunicações nas relações de trabalho, essa modalidade de trabalho ganha cada vez mais espaço, transformando as tradicionais relações laborais.
Essa nova modalidade de trabalho é uma forma de trabalho flexível e pode ser conceituado como o trabalho realizado à distância, ou seja, fora da sede da empresa, de maneira integral ou parcial. O aspecto marcante desse tipo de trabalho é a utilização prevalente de tecnologias de informática e telecomunicação e, ainda, não pode ser enquadrado como trabalho externo.
Nesse sentido, é o trabalho que se desloca até o trabalhador, onde quer que ele esteja. Esta moderna forma de trabalho exige uma flexibilização também nas definições de subordinação e identificação do poder diretivo, que passam a ter seus conceitos ampliados, gerando impacto também na esfera jurídica. É uma nova realidade cada vez mais presente no mundo laboral.
TELETRABALHO NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO E INTERNACIONAL
No ordenamento jurídico interno, a Lei 12.551/11 acrescentou a redação do art.6º, CLT e previu, pela primeira vez, a possibilidade de realização do trabalho em domicílio com a supervisão e subordinação por meios telemáticos.
Entretanto, o instituto foi regulamentado efetivamente, com a Reforma Trabalhista de 2017, que introduziu o art. 75-A e ss. na CLT. Cabe ressaltar também, que a Lei 14.442/22, estabeleceu diversas inovações no instituto.
Nesse sentido, tal lei passou a prever: a) a divisão do teletrabalho por jornada ou por produção ou tarefa (CLT, art. 75-B, §2º); b) reconheceu, de forma expressa, a possibilidade do trabalho híbrido, uma vez que estabeleceu que a prestação de serviços pode ocorrer de forma “preponderante ou não” fora do estabelecimento do empregador.
Ainda, cabe mencionar a NR-17, que impõe ao empregador o dever de avaliar as atividades realizadas remotamente para verificar sua adequação às características psicofisiológicas dos trabalhadores, como mobiliário, equipamentos, posturas de trabalho e iluminação, pois a inadequação desses fatores pode levar a lesões e agravos.
No âmbito internacional o teletrabalho tem previsão na Convenção 177, OIT, que trata do trabalho em domicílio. Essa convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas é fonte de direito comparado, por força do art. 8º, CLT. Ainda sobre o tema, cabe mencionar o Código de Trabalho Português (art. 8º, CLT), art. 166.
ESPÉCIES E CARACTERÍSTICAS DO TELETRABALHO
Em relação às espécies, o teletrabalho pode ser oneway line (quando a comunicação tecnológica é apenas enviar ou receber tarefas) ou on-line (interatividade imediata, síncrona e simultânea).
Desse modo, podem ser citadas algumas características do teletrabalho: a) o trabalho pode ser por jornada ou por produção/tarefa; b) é necessária a previsão expressa da modalidade no contrato individual de trabalho; c) observância obrigatória das normas de saúde e segurança.
Assim, a empresa tem o dever de reduzir os riscos inerentes ao trabalho e deve instruir os teletrabalhadores de forma expressa e ostensiva sobre as precauções, a fim de evitar acidentes e adoecimento laboral (CF, art. 75-E, CLT c/c CF, 7º, XXII; Lei 8.213/91, art. 19, §1º); d) caso o empregado precise retornar às atividades presenciais, as despesas são de incumbência do próprio trabalhador; e) as condições sobre a aquisição, manutenção e o fornecimento dos equipamentos que compõem o home office (CLT, art. 75-D) devem ser por contrato escrito; f) caso determine que o obreiro retorne ao trabalho presencial, a empresa deve conceder um prazo mínimo de transição de 15 dias (CLT art. 75-C, § 2º); g) é possível acordo individual sobre horários e meios de comunicação com a empresa; h) se os empregados forem admitidos no Brasil e estão em teletrabalho no exterior, a empresa deve aplicar a legislação brasileira; i) trabalhadores em teletrabalho também se submetem às convenções e acordos coletivos de trabalho; j) a empresa deve fornecer todo o apoio tecnológico e capacitação que garantem a adaptação e bom andamento do trabalho realizado de forma remota, nos termos da C. 142 da OIT e CF, art. 205; k) no relacionamento com os trabalhadores e trabalhadoras a empresa e seus prepostos devem respeitar os princípios da ética digital e etiqueta digital, com o respeito ao direito à desconexão e à intimidade, conforme previsto na Nota Técnica 17/2020 do GT NACIONAL COVID-19 e do GT Nanotecnologia do MPT.
ACIDENTE DE TRABALHO EM TELETRABALHO
O acidente de trabalho é aquele em que a fatalidade ocorre quando o empregado está prestando serviços ao empregador (Lei 8.213/91, art. 19, caput). O empregador é responsável pela adoção de medidas individuais e coletivas que busquem mitigar os riscos da ocorrência de um sinistro de natureza trabalhista e sua omissão pode ser caracterizada como uma contravenção penal (art. 19, parágrafo, 1º, Lei 8.213/91).
Por expressa determinação legal, as doenças profissionais e/ou ocupacionais equiparam-se a acidentes de trabalho. Ambos os conceitos estão previstos no art. 20 da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido, a doença profissional é aquela desencadeada em razão de o exercício do trabalho ocorrer de forma peculiar, relacionado à determinada atividade. Essa atividade deve constar da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho pela Previdência Social.
A doença do trabalho, é aquela desencadeada em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado e deve estar diretamente ligada a ele. Essas condições especiais estão previstas na Lei nº 8.213/91, art. 20, inciso I.
É importante ressaltar que, como se revela inviável listar todas as hipóteses dessas doenças, a Lei nº 8.213/91, art. 20 § 2º estabelece que, caso uma determinada doença tenha sido adquirida em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado e esteja diretamente relacionada a ele, mas não estiver incluída no rol dos incisos I e II do art. 20, nesse caso, excepcionalmente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. Ademais, o art. 21 da Lei nº 8.213/91 equipara ainda a acidente de trabalho diversas hipóteses.
Nesse contexto, em caso de infortúnio laboral ocorrido na residência do empregado, durante o horário de trabalho do empregado resta evidente o acidente de trabalho. Ademais, muitas vezes, a lesão corporal pode causar a perda temporária da capacidade para o trabalho. É importante destacar que, em relação ao meio ambiente de trabalho, deve-se considerar local de trabalho todo lugar onde o trabalhador esteja sendo fiscalizado/monitorado pelo empregador (de maneira direta ou indireta) e não apenas o local onde a empresa está estabelecida fisicamente (C. 155, OIT, art. 3º, c – core obligation).
Se assim não o fosse, estaria ocorrendo uma discriminação indevida em relação ao teletrabalhador (C. 100 e 111 da OIT - core conventions). Isso porque, assim como o trabalhador que labora fisicamente na empresa, faz jus à proteção concernente à saúde e segurança do trabalho, em observância ao princípio do trabalhador sem adjetivos.
Com efeito, ressalte-se que a própria legislação internacional sobre o tema garante que as normas de saúde e segurança sejam aplicadas aos teletrabalhadores, nos termos do art. 7º, Convenção 177 da OIT - não ratificada, mas aplicável como fonte de direito do trabalho por força do art. 8º CLT.
Nesse passo, frise-se que, no ambiente laboral deve haver um sistema de inspeção compatível com as leis e práticas nacionais (C. 177, OIT, art. 9º). Assim sendo, a impossibilidade de fiscalização diária não afasta a responsabilidade do empregador no sentido de exigir a observância de normas de saúde e medicina do trabalho.
Isso porque, no teletrabalho, há maior possibilidade de adquirir lesões em razão de movimentos repetitivos LER/DORT, choques elétricos, inflamações na coluna, pescoço, ombro, braços, problemas oculares, exposição a temperaturas inadequadas e a ruídos. Nesse sentido, o ambiente privado do trabalhador deve estar adequado às normas de segurança e saúde estabelecidas (C. 155 e 187, OIT, CF, art. art. 7º, XXII e 225 c/c 200, VIII).
Assim, devem ser utilizados equipamentos ergonômicos com a orientação sobre sua utilização. Ademais, o trabalhador deve ser sempre advertido sobre a proibição de uso de extensões elétricas e benjamins, uma vez que podem causar curtos, incêndios e choques elétricos.
Muitas vezes, os equipamentos tecnológicos são fornecidos pelo próprio empregador, que tem o dever de verificar se a rede elétrica do local de trabalho do obreiro sustenta a sobrecarga, em observância ao princípio da prevenção (CF, art. 7º, XXII, 225, 200, VIII e Orientação nº 33, CODEMAT), para evitar infortúnios laborais.
É importante ressaltar que a assinatura do compromisso previsto no art. 75-E, § único, da CLT, em que o empregado se compromete a cumprir as instruções fornecidas, não exime o empregador da responsabilidade e da fiscalização do meio ambiente laboral e nem a caracterização do acidente de trabalho. Isso porque, os riscos sociais e financeiros da atividade econômica não podem ser transferidos ao obreiro, já que é o empregador quem os assume (princípio da alteridade, art. 2º, CLT).
Nesse contexto, é importante destacar que no âmbito do direito ambiental do trabalho não se aplica mais a teoria do ato inseguro. Essa teoria determinava que o empregado poderia ser responsabilizado se houvesse culpa pelo acidente de trabalho. Era prevista na NR1, item 1.7, b, redação revogada.
A razão da inaplicabilidade dessa teoria na seara labor-ambiental tem fundamento na necessidade de se intensificar a prevenção de acidentes. E, para que as medidas de prevenção sejam implementadas de forma efetiva, o empregador precisa ter um comportamento ativo. Portanto, a simples assinatura de um termo de ciência, por exemplo, não tem o condão de demonstrar que, de fato, o empregador agiu de forma eficaz para que o sinistro não ocorresse.
Esse é o entendimento do Enunciado 72 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da Amatra, que trata da responsabilidade civil do empregador e do controle de riscos labor-ambientais no contexto do teletrabalho. Portanto, o obreiro fará jus à percepção do auxílio-doença acidentário (se preenchidos os requisitos formais) e ao reconhecimento da garantia provisória de emprego (art. 118, Lei 8.213/91 c/c Súmula 378, TST).
Caso comprovada dolo ou culpa, ou em se tratando de atividade de risco (CC, art. 927, § único) também fará jus à indenização por danos morais e materiais e recebimento de pensão, na hipótese de redução da capacidade laboral (CLT, art. 223-E; CC, art. 927 e 949, CC). Por fim, a empresa deverá cumprir o dever legal de emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), na forma do art. 22 da Lei 8.213/91.
RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA: ACIDENTE DE TRABALHO EM TELETRABALHO
Em regra, para que haja a responsabilização, é necessária a presença de quatro requisitos: 1) ação ou omissão; 2) que cause um dano; 3) com nexo de causalidade entre os itens mencionados; 4) decorrente de culpa ou dolo (teoria da responsabilidade subjetiva). Desse modo, a responsabilidade civil nas relações de trabalho é subjetiva (CF, art. 7º, XXVII). Ou seja, no caso concreto, é necessária a prova da culpa ou dolo do agente, o dano e o nexo causal (CC, art.186 c/c art. 927). Entretanto, o dispositivo constitucional deve ser interpretado de acordo com o princípio da norma mais favorável, previsto no caput do mesmo art. 7º.
Assim, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III) e à luz da unidade constitucional, é possível aplicar regramento mais favorável ao empregado nos casos de danos causados pelo empregador.
Nesse sentido, nos casos relativos a danos ao meio ambiente, nele incluído o do trabalho (CF, art. 200, VIII), a responsabilização há de ser objetiva. Ou seja, não precisa de aferição de culpa ou dolo. Isso porque prevalece, no caso, o disposto no artigo 225, §3º, CF, que combinado com a Lei 6938/81, art. 14, §1º, estabelece o dever de indenizar e reparar os danos ao meio ambiente independentemente da existência de culpa.
Demais disso, o STF em tema de repercussão geral (Tema 932) já reconheceu que, na seara trabalhista, em caso de atividade de risco, deve ser aplicada a responsabilidade objetiva, prevista no CC, art. 927, § único (teoria do risco criado). Não bastasse isso, o empregador responde objetivamente pelos danos causados pelos seus empregados ou prepostos no exercício do trabalho ou em razão dele (CC, art. 932, III e 933).
Assim, levando-se em conta o princípio do risco mínimo regressivo (CF, art 7º, XXII), e considerando, ainda, o fato de que quem aufere o bônus deve também arcar com ônus (teoria do risco proveito), aplica-se a reponsabilidade civil objetiva em matéria de meio ambiente do trabalho, à luz dos princípios do poluidor-pagador e da internalização das externalidades negativas (Princípio 16 da Declaração RJ 1992).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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