Acordo de não persecução penal: fundamentos jurídicos e conceito (2025)

Acordo de não persecução penal: fundamentos jurídicos e conceito (2025)

O ANPP permite que o Ministério Público e o investigado celebrem um acordo, evitando a instauração de um processo penal, desde que o investigado confesse a prática do delito e cumpra determinadas condições.

1. Introdução

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/19, representa uma inovação significativa no sistema de justiça criminal brasileiro. 

Este mecanismo foi concebido com o objetivo de desburocratizar e agilizar a resolução de conflitos penais, oferecendo uma alternativa ao processo penal tradicional para crimes de pequena e média gravidade. 

O ANPP permite que o Ministério Público e o investigado celebrem um acordo, evitando a instauração de um processo penal, desde que o investigado confesse a prática do delito e cumpra determinadas condições.

Este artigo tem como objetivo explorar o conceito e os contornos normativos do ANPP, analisando sua fundamentação legal e os requisitos para sua aplicação. Seu objetivo é oferecer suporte a estudos e trabalhos que tratem sobre o presente tema.

2. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): previsão normativa

O acordo de não persecução penal (ANPP) é um recente instrumento de política criminal, criado pela Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público e positivado no ordenamento jurídico através da Lei nº 13.964/19, conhecida como “Pacote Anticrime”, com o objetivo de dar maior celeridade e desburocratizar o sistema penal.

O acordo de não persecução penal (ANPP) foi inicialmente previsto na Resolução nº 181/2017 tendo por objetivos: a) celeridade na resolução dos casos menos graves (crime com penas mínimas inferiores a 4 anos), evitando-se, inclusive, que o STF tenha que discutir questões menores; b) maior disponibilidade de tempo para que o Ministério Público e o Poder Judiciário tratem dos casos mais graves, como o crime organizado; c) economia de recursos públicos com a diminuição de processos judiciais; d) minoração dos efeitos prejudiciais aos imputados de uma pena ou sentença penal condenatória; e) desafogar os estabelecimentos prisionais (CNMP, 2017, p. 32).

Posteriormente, o acordo de não persecução penal (ANPP) foi objeto de deliberação legislativa que o regulamentou com a Lei nº 13.964/19, conhecida como “Pacote Anticrime”, de 24 de dezembro de 2019. Essa lei adicionou o artigo 28-A ao Código de Processo Penal (CPP), instituindo o ANPP.

O acordo de não persecução penal foi assim incorporado ao CPP, dando à luz ao mais novo instituto despenalizador e desjudicializante de nosso ordenamento, o que nos leva à imperiosa necessidade de estudar como tem sido conceituado e seus contornos normativos básicos para fins de compreensão de seu significado e relevância.

3. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): Definição e Conceito    

Estabelece o artigo 28-A do Código de Processo Penal que, não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (BRASIL, 1941).    

A partir do excerto, vemos que os acordos de não persecução penal podem ser inseridos na categoria de práticas denominadas “diversão”, a qual compreende a opção de política criminal definida para a resolução de casos penais de maneira diversa do processo penal clássico, em momento anterior à verificação da culpa. 

A diversão pode ser subdividida em dois grupos, conforme a estratégia adotada: aquelas cujos mecanismos de atuação têm efeito antes da propositura da ação penal, caso da transação penal e a composição civil dos danos, e as estratégias de arquivamento e de extinção do caso no curso do processo penal, em que temos a suspensão condicional do processo. Do exposto, conclui-se que o ANPP se enquadra no primeiro grupo pelo seu papel desjudicializante.

Em que pese certa semelhança com outros institutos despenalizadores pátrios, a transação penal e a suspensão condicional do processo, o acordo de não persecução penal possui caraterísticas distintas. 

A primeira razão reside no fato de que o acordo pressupõe, necessariamente, a confissão do autor do delito, não exigido em nenhum daqueles institutos. A segunda é que o ANPP é subsidiário em relação à transação penal, além de reclamar requisitos distintos daqueles exigidos pelos benefícios da Lei dos Juizados Especiais.

Importa ressaltar que, contrariamente ao que a terminologia utilizada para o instituto induz concluir, o ANPP não resulta, efetivamente, em uma não persecução penal, passando a ideia equivocada de que não haveria a imposição de sanções ao imputado ou que a persecução sequer seria iniciada. Primeiramente, tal mecanismo, em regra, é aplicado após deflagrada a persecução, durante a fase investigativa. Por fim, as condições impostas ao autor do fato são conceituadas como “equivalentes funcionais à pena”, o que representa, de certo modo, uma resposta sancionatória do Estado (BOZOLA e PINTO, 2023, p. 2139).

Quanto ao conceito, o acordo de não persecução penal, nas palavras de Mauro Messias (2020, p. 11), é um negócio jurídico de natureza extrajudicial celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor –, cuja validade necessita de homologação pelo juízo competente, em que o imputado confessa formal e circunstancialmente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Parquet de não perseguir judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, o que quer dizer: não oferecer denúncia, declarando-se a extinção da punibilidade, caso a avença seja integralmente cumprida.           

4. 2. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): contornos normativos

Estabelece o caput do artigo 28-A do CPP que não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante a estipulação condições ajustadas cumulativa e alternativamente, que devem ser cumpridas pelo investigado, a fim de evitar a instauração de um processo criminal e, com seu adimplemento, ter a extinção da punibilidade decretada.      

No tocante ao seu cabimento, a leitura do artigo 28-A do Código de Processo Penal manifesta que o legislador estabeleceu requisitos de natureza objetiva e subjetiva para que o acordo de não persecução penal possa ser realizado. 

Desse modo, os requisitos de natureza objetiva são: a) pena mínima inferior a quatro anos, b) crime praticado sem violência ou grave ameaça, c) necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime, d) não seja admitida a transação penal, e) inexistência de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, e) não ser o caso de arquivamento. 

De outro giro, os de natureza subjetiva são: a) não ser o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, b) não ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo, c) confissão formal e circunstancial (SARDINHA, 2020, pp. 69-71).

Ressalta-se que, para que o acordo de não persecução penal seja cabível, a infração penal não pode ter pena igual ou superior a quatro anos, nem envolver violência ou grave ameaça. 

Além disso, o investigado deve confessar formal e circunstancialmente a prática do crime, conforme o art. 28-A do CPP. A confissão pode ocorrer após negociações com o Ministério Público, mesmo que o investigado tenha inicialmente negado os fatos no inquérito policial.

Encerrada a exposição acerca dos seus requisitos, cumpre a apresentação das condições exigidas para a celebração do acordo de não persecução penal, enunciadas nos incisos I a V do art. 28-A do CPP, a saber: 

I – Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público com instrumento, produto ou proveito do crime; III – Prestar serviços à comunidade ou a entidades públicas por período  correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei  nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940; IV- Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; e V – Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Cumpre ressaltar que, com o inciso V, do art. 28-A, do CPP, o qual oportuniza a estipulação de outras cláusulas obrigacionais no acordo de não persecução penal, desde que compatíveis com a infração penal supostamente praticada pelo investigado, o legislador deixou uma cláusula aberta para que as partes, Ministério Público e investigado, em prestígio ao princípio da autonomia da vontade, possam negociar a fixação de outras condições distintas daquelas preconizadas nos incisos anteriores.

Uma vez celebrado e homologado judicialmente o acordo, inicia-se o cumprimento das condições estabelecidas junto às Varas de Execução Penal. Caso qualquer uma dessas condições seja descumprida, o acordo será rescindido judicialmente e será oferecida denúncia, consoante o § 10 do art. 28-A do CPP, o qual determina que o Ministério Público deve comunicar o fato ao juízo para a rescisão do acordo e posterior oferecimento de denúncia.

Essa solução, aliás, segue a jurisprudência já adotada para o descumprimento da transação penal. A jurisprudência estabelece que, ao ser formulado o pedido de rescisão pelo Ministério Público  (§ 10 do art. 28-A do CPP), deve-se dar oportunidade prévia de manifestação à defesa, preservando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Por fim, com o cumprimento integral do acordo de não persecução penal, o juiz decretará a extinção de punibilidade, como preconiza o § 13, art. 28-A do CPP, pondo fim ao litígio. Segundo o § 12 do art. 28-A do CPP,  a celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º do artigo 28-A do CPP, ou seja, para prevenir que o mesmo a mesma pessoa se beneficiada por outro ANPP num prazo de cinco anos.           

4. Considerações Finais

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) representa uma inovação significativa no sistema de justiça criminal brasileiro, oferecendo uma alternativa eficaz para a resolução de conflitos penais de menor complexidade. 

Ao permitir a celebração de acordos entre o Ministério Público e o investigado, o ANPP visa desburocratizar e agilizar os processos, contribuindo para a redução do tempo de tramitação e a promoção de uma justiça mais célere e eficiente.

A análise dos contornos normativos e do conceito do ANPP revela o imenso potencial a ser explorado no que diz respeito a este instituto, que traz para o imputado a oportunidade de resolução mais rápida e menos onerosa do conflito penal, evitando os efeitos negativos de um processo criminal prolongado e possibilitando a reparação do dano de forma mais imediata em benefício da sociedade. 

Já para o operador do direito, o ANPP representa uma ferramenta eficaz para a desburocratização do sistema de justiça, permitindo uma gestão mais eficiente dos casos e contribuindo para a redução da sobrecarga processual. Dessa forma, o ANPP se configura como um mecanismo que beneficia todas as partes envolvidas,

5. Referências

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

BOZOLA, Túlio Arantes; PINTO, Henrique Alves. O acordo de não persecução penal sob a ótica da análise econômica do direito: impactos no sistema de justiça criminal. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 19, n. 113, p. 26-46, abr./maio 2023. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/175778>. Acesso em: 25 out. 2024.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Autos n. 01/2017. Pronunciamento de estudos e pesquisas. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Pronunciamento_final.pdf. Acesso em 16 de out. 2024 .

MESSIAS, Mauro. Acordo de Não Persecução Penal: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. 194 p.

SARDINHA, Leonardo Lopes. Acordo de não persecução penal: uma análise de sua eficiência como instrumento consensual de resolução de conflitos penais, no âmbito da Justiça Criminal da Comarca de Birigui, estado de São Paulo. 2020. 105 f. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Desenvolvimento) - Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2020. Disponível em: https://repositorio.idp.edu.br/handle/123456789/2751. Acesso em: 17 de set. 2024.

Sobre o(a) autor(a)
Thiago de Medeiros Dantas
Thiago de Medeiros Dantas. Acadêmico de Direito pela UFRN. Graduado em História e Especialista em Gestão Pública pela UFRN.
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