A vítima culpada no Direito Penal

A vítima culpada no Direito Penal

Um breve panorama sobre a participação na vítima no processo delitivo.

A ntes de tecer comentários sobre vitimologia, cabe, antes de mais nada defini-la.

Finda a II Guerra Mundial, com a sociedade perplexa com as atrocidades nos campo de concentração, onde morreram cerca de 6 milhões de judeus, nasceu o interesse de estudar o sujeito passivo do crime, a vítima. Esquecendo as discussões sobre a vitimologia ser uma ciência autônoma ou um mero ramo da criminologia, podemos defini-la como “o estudo da personalidade da vítima, de seu comportamento, suas motivações e reações, em face de uma infração penal”.

Tendo já uma leve noção do seja a Vitimologia, passaremos a analisar os tipos de vítima. Existem diferentes classificações, mas focalizarei a que acredito ser a mais completa, a de Benjamin Mendelson. A vítima, segundo o citado autor, pode ser vítima inocente (ou vítima ideal), vítima menos culpada que o delinqüente, vítima tão culpada quanto o delinqüente, vítima mais culpada que o delinqüente e vítima como única culpada.

A primeira é aquela que não tem nenhuma participação no evento criminoso; a segunda, chamada vítima ignorante, é a que contribui, indiretamente, para o fato danoso, como freqüentando lugares perigosos sozinhos, etc; Na terceira modalidade, a vítima provocadora, enquadra-se aquela que, sem ela, o crime não teria ocorrido (v.g. rixa); Na quarta hipótese, mostramos a vítima mais culpada que o delinqüente, que acontece, p. ex., no homicídio privilegiado. Já a última vítima é a que causou o delito, sem ela não teria existido aquele ato danoso, p. ex, na legítima defesa.

Embora admitindo falhas nessa definição (por exemplo, em caso de um homicídio privilegiado, se a vítima não provocasse o autor, o crime não teria ocorrido, sendo, assim, muito difícil distinguir a vítima mais culpada que o delinqüente e a vítima como única culpada), passemos a analisar esse conceito na prática.

Sabemos, que no Direito Civil, a culpa concorrente exclui os culpados de obrigações para com os outros. Assim, por exemplo, em um abalroamento de veículos, se ambos agiram com negligência, imprudência ou imperícia, estarão desobrigados para com os outros. No Direito penal, entretanto, a realidade é outra. A doutrina e jurisprudência é unânime ao afirmar que, no Direito Criminal, as culpas não se compensam, sendo excludente de antijuridicidade, somente, a culpa exclusiva da vítima. Seria o caso de se cogitar da vítima tão culpada quanto o agente, nesse caso e, data venia, configuraria uma hipótese de redução de pena, observando o princípio da impossibilidade da conduta diversa. Tomemos o exemplo de um homicídio culposo de trânsito em que o agente, com a velocidade pouco acima da compatível com a via, se depara com um bêbado que atravessa a rua sem prestar atenção nos movimentos e este vem a falecer em decorrência do acidente. Não podemos apenar o motorista da mesma forma que apenaríamos o indivíduo que vem com a velocidade duas vezes maior que a compatível com o local, na contra mão de direção, e atropela um transeunte, vindo a mata-lo.

Passemos agora a estudar crimes que, sem a participação direta e conclusiva da vítima, estes, muitas vezes, não aconteceriam. Cumpre lembrar que fizemos uma lista apenas exemplificativa, existindo vários outros crimes, apontados pela doutrina, como de participação preponderante da vítima.

O homicídio privilegiado, que é um caso de diminuição de pena no homicídio, está assim previsto no art. 121 §1o “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Configura-se o caso clássico de vítima mais culpada que o agente, não tendo este a alma assassina e cometeu o crime num momento de exaltação de ânimos. É o pai que vê o estuprador de sua filha fazendo chacotas com a família, ou daquele que, ao chegar em casa, vê sua mulher cometendo adultério e vem a assassina-la. Jiménez de Asúa destaca a influência vitimal nesse e outros delitos (como lesões corporais, homicídio consentido e o tiranicídio, onde o atormentador, o tirano, foi, durante longo tempo vitimário de seu povo até que, por fim, o atormentado o executa, de modo sumário e sem solenidades). É caso de homicídio privilegiado, também, o filho que mata o pai que constantemente chega em casa sob efeitos do álcool e investe contra a esposa.

Outro crime em que a participação da vítima é essencial para sua consumação é o aborto consensual. “Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante”. Acontece, p. ex., nas clínicas de aborto em que a mulher chega lá para ter sua gravidez interrompida. A vítima não é procurada por ninguém da clínica, pelo contrário, vai lá por livre e espontânea vontade. Claro que, se a mulher for menor de 14 anos, ou débil, seu consentimento vai ser viciado sendo, portanto, inexistente, na esfera jurídica. Não podemos chamá-la de vítima, mas sim de agente ativa do crime, pois o médico (ou quem quer que seja que pratique o aborto) é apenas um instrumento de que ela dispõe para pôr termo à gravidez.

O rapto consensual, tipificado no art. 220 do CP, era um crime comum nas décadas de 20, 30 e 40, estando, praticamente, extinto nos dias de hoje, devido a maior liberdade que a mulher tem na sociedade atual. Ocorria quando a raptada, encantada com o namorado com quem o pai proibira o namoro, fugia de casa para casar com ele. Era uma vergonha social imensurável a que passava a família da ofendida e o casamento sempre acontecia, pois vergonha ainda maior era a filha voltar para casa, depois de fugir com o namorado, não casada.

O assédio sexual, tipificado em maio de 2001 decorreu de uma necessidade latente da sociedade. É sabido de todos que chefes de empresas usavam sua condição de superior hierárquico para conseguir favores sexuais, ficando, geralmente, este impune e a vítima não denunciaria, com medo de alguma represália. Ocorre, no entanto, que essa tipificação abriu portas para extorsões de empregados contra patrões. Ocorre que a vítima provoca o agente até este se encontrar totalmente ludibriado e, ao tentar alguma coisa com a vítima, esta ameaça lhe acusar de assédio sexual, exigindo alguma vantagem em troca. Ocorre que, também, por ser crime de menor potencial ofensivo e ser da competência dos Juizados Especiais Criminais, o autor, para não ver seu nome no degradante rol dos culpados, logo na audiência preliminar, ou conciliatória, faz uma composição de danos, que é, normalmente, o que a vítima quer.

Creio que, mesmo de importância ímpar a inclusão do crime no CPB, abriu possibilidades para muitos larápios(as) utilizarem desse fato para conseguir vantagens, econômicas ou no próprio emprego.

Por fim, apontaremos a rixa com um dos crimes que a participação da vítima supera, muita das vezes, a participação do autor no crime.

A rixa está inscrita no Código Repressivo Pátrio no art. 137 como “Participar de rixa, salvo para separar os contendores”. O crime exige uma participação mínima de 3 pessoas rixando entre si. Pelo fato de todos os contendores serem agentes e vítimas, entendemos este como sendo, segundo a classificação de Mendelson, um crime em que a vítima é tão culpada quanto o agente. Ocorre, normalmente, em estádios de futebol onde, no calor do jogo, os torcedores de times adversários começam a se agredir mutuamente, sem razão aparente para isso.


BIBLIOGRAFIA

Mirabete, Julio Fabrini – Código Penal Interpretado – 3a. Ed. 2003 – Ed. Atlas

Bittencourt, Edgard de Moura – Vítima – 2a. Ed. 1978 – Ed. Universitária de Direito

Bittencourt, Cezar Roberto e Conde, Francisco Muñoz – Teoria Geral do Delito – 2000 – Ed. Saraiva

Lyra, Roberto e Júnior, João Marcello de Araújo – Criminologia – 2a. Ed. 1990 – Ed. Forense

Filho, Guaracy Moreira – Vitimologia – O papel da vítima na gênese do delito – 1a ed. 1999 – Ed. Jurídica Brasileira

Sobre o(a) autor(a)
Rafael Diogo
Estudante de Direito
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