O que são valores mobiliários?
A conceituação sobre os valores mobiliários é objeto de contínua evolução. Este estudo esclarecerá o que são valores mobiliários, sua importância e trará perspectivas para o futuro próximo a partir de uma revisão bibliográfica.
- Introdução
- Valores Mobiliários x Títulos de Crédito
- O conceito legal de valor mobiliário
- O conceito doutrinário de valores mobiliários
- Criptoativos são valores mobiliários?
- Conclusão
- Referências
Introdução
No Brasil, partindo-se do ponto de vista legal da Lei 6385/76 que instituiu o mercado de valores mobiliários e a criação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a legislação brasileira buscou, originalmente, trazer como definição um rol taxativo de quais documentos são considerados valores mobiliários. No entanto, não trouxe uma conceituação técnica sobre o tema.
Como mencionado anteriormente, definir o que são valores mobiliários é importante para que ocorra a adequada aplicação da lei, bem como delimitar a atuação estatal sobre eles e proteger os emissores e adquirentes dos valores mobiliários, trazendo, assim, direitos e deveres claros a todos aqueles que atuam neste mercado.
Coube, então, à doutrina traçar os contornos do que seriam valores mobiliários. No entanto, os pareceres doutrinários divergem, ora aproximando-os de títulos de créditos, ora os afastando.
Valores Mobiliários x Títulos de Crédito
Os valores mobiliários, mesmo não possuindo relação direta com os títulos de crédito, estão intimamente ligados a eles. Para Rocha e Lima [1], foram os franceses os precursores da distinção entre tais institutos, de modo que os títulos de crédito se originam nas relações bilaterais mercantis a fim de produzir a circulação de riqueza, enquanto os valores mobiliários se disseminam no mercado de forma difusa objetivando uma captação de recursos e investimentos. Portanto, verifica-se que a principal distinção destes institutos é a função econômica.
Segundo Bulgarelli [2], apesar de os valores mobiliários integrarem à teoria geral dos títulos de crédito, posto que possuem algumas das características destes, como a capacidade de circulação, os dois institutos não se confundem, uma vez que os valores mobiliários são “títulos de massa, títulos negociáveis e títulos societários”.
Portanto, mesmo tendo pontos em comum com os títulos de crédito, os valores mobiliários apresentam características próprias que fazem deles institutos diversos, como o fato de terem ligada a seu conceito a ideia de emissão em massa, sendo esta, logo, característica essencial que faz com que os valores mobiliários possuam normativa específica.
O conceito legal de valor mobiliário
Originalmente a Lei 6385/76 trouxe apenas uma listagem taxativa do que seria considerado valor mobiliário. Com a evolução das práticas de mercado, este rol passou a ser gradativamente expandido buscando abarcar diversas modalidades de captação pública de recursos.
No entanto, foi apenas com o advento da Lei 10303/2001 que a legislação pátria definiu o que seriam valores mobiliários. Com a nova lei, que trouxe alteração significativa para a Lei 6385/76, valor mobiliário é considerado qualquer título ou contrato de investimento coletivo que, quando ofertado publicamente, gerar “direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”.
Dito isto, são valores mobiliários: (i) todos os listados nos incisos I ao VIII do artigo 2º da Lei 6385/76; (ii) quaisquer outros criados por lei ou regulamentação específica (ex: certificados de recebíveis imobiliários - CRI’s, os certificados de investimentos audiovisuais e as cotas de fundos de investimento imobiliário – FII); e (iii) todos aqueles que eventualmente se enquadrem no inciso IX.
Todavia, é importante ressaltar que a lei vetou de forma expressa os títulos da dívida pública (federal, estadual ou municipal) e os títulos cambiais de responsabilidade das instituições financeiras, exceto as debêntures.
O conceito doutrinário de valores mobiliários
Por sua vez, para o doutrinador Ary Oswaldo Mattos Filho [3], o conceito é necessário para demarcar a legislação a ele aplicável, bem como determinar a área de atuação do governo para regular a capitalização de empresas.
Assim sendo, a conceituação de valor mobiliário não é simplesmente formal, mas serve para delimitar o campo de atuação dos órgãos estatais encarregados da normatização e incentivo de seu uso, para que se evite tanto a exclusão de valores mobiliários da regulação adequada, quanto que sejam inclusos documentos que não deveriam a ela se sujeitar.
Destarte, a existência de um conceito claro pode impedir que a CVM passe a considerar como valor mobiliário algo que não tem os elementos inerentes à sua natureza. Segundo Mattos Filho, valor mobiliário é “o investimento oferecido ao público, sobre o qual o investidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro, bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo necessária a emissão do título para materialização da relação obrigacional” [4].
Criptoativos são valores mobiliários?
O advento da computação e, consequentemente da internet, derrubou as barreiras geográficas, permitindo que indivíduos e empresas pudessem negociar livremente com terceiros localizados do outro lado do mundo de maneira praticamente instantânea.
Para André Santa Cruz [5], tais fatos passaram a admitir o contato e a manifestação de vontade por meio virtual, o chamado comércio eletrônico, sendo este conceituado como a transmissão eletrônica de dados que ocorre no ambiente virtual da rede mundial de computadores, sendo irrelevante se o objeto do negócio é virtual (ex: uma música) ou físico (ex: um instrumento musical).
O criptoativo, portanto, nada mais é que um ativo digital transacionado de forma eletrônica que pode ser usado como investimento, captação de recursos, transferência de valores, um produto ou um meio de acesso a bens/serviços.
Dentre os diversos tipos de criptoativos, podemos citar as (i) criptomoedas (moedas virtuais, como BitCoin); (ii) NFT (tokens não-fungíveis) que é um ativo digital que representa bens tangíveis e intangíveis; (iii) Stablecoins (moedas digitais que reúnem a segurança da tecnologia Blockchain e a estabilidade das moedas fiduciárias; e (iv) DeFi (serviços financeiros obtidos em blockchains públicas).
A CVM, em seu Ofício Circular 1/2021-CVM/SER6, trouxe diretrizes gerais sobre as ofertas públicas de coin offerings - ICO, que são um meio pelo qual um novo empreendimento, projeto de criptomoeda ou empresa busca angariar fundos através de captação pública de recursos.
Para a autarquia, serão considerados como valores mobiliários os criptoativos como tokens e criptomoedas quando envolverem uma ICO. Portanto, a ICO está sujeita a registro e fiscalização pela CVM.
Conclusão
Passados os esclarecimentos acima, resta claro (i) qual o objetivo dos valores mobiliários; (ii) o que é considerado um valor mobiliário; e (iii) o que não é um valor mobiliário. Como visto, a definição legal não tem qualquer comprometimento de trazer um conceito geral de valor mobiliário. Todavia, o caráter instrumental e a constante evolução das práticas de mercado inviabilizam que a doutrina formule um conceito abstrato pacífico de valor mobiliário.
Assim, no Brasil, objetivamente são considerados valores mobiliários aqueles títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, assim determinados pela lei, havendo, portanto, espaço para interpretação e evolução conforme a tecnologia e as práticas mercantis forem mudando e se aperfeiçoando ao longo do tempo.
O comércio eletrônico, impulsionado pelos criptoativos e o desenvolvimento de realidades virtuais, certamente trará impactos regulatórios em breve no setor de valores mobiliários.
Referências
[1] ROCHA, João Luiz Coelha da; LIMA, Marcelle Fonseca. Os valores mobiliários como título de crédito. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 120, pp. 137-141.
[2] BULGARELLI, Waldirio. Os valores mobiliários brasileiros como títulos de crédito. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 37, pp. 94-112.
[3] MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. O conceito de valor mobiliário. RAE-Revista de administração de empresas, nº 2, p. 31.
[4] MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. O conceito de valor mobiliário. RAE-Revista de administração de empresas, nº 2, p. 49.
[5] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. – 10. Ed – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.